13 Piratas e uma Garrafa de Rum
Por Carlos Krebs, para o Duplo Expresso
No ano de 1957, a destilaria nacional Medellin, fundada em 1918, lançava no mercado sua bebida mais famosa: O Ron Montilla Carta Blanca – um destilado que mesclava runs de diferentes origens e com diferentes processos de envelhecimento. O novo produto homenageava o pequeno município de Montilla, na província de Córdoba (Espanha). Desde seu lançamento, o slogan da bebida vendiam a ideia do “espírito do pirata” em um conceito criado para divulgar a marca, especialmente na região nordeste do país.
A figura do Pirata com um papagaio em seu ombro então se tornou o mais importante elemento do produto, sendo utilizada em toda a comunicação da marca (hoje pertencente à Pernod Ricard Brasil). Aliás, esta marca ultrapassou o significado do rótulo da bebida.
Hoje em dia, no Brasil, a expressão “papagaio de pirata” é usada para designar aqueles sujeitos que se posicionam de forma proposital logo atrás de entrevistados ou de repórteres ao vivo na televisão brasileira. O objetivo é um só: aparecer na telinha da tv (ou mesmo na foto de jornal).
O mais famoso entre os papagaios talvez seja o carioca Jaime Sabino – Jaiminho, falecido em outubro de 2013, com mais de 80 anos. No seu rol, constam a participação em aproximadamente 1.150 sepultamentos de celebridades e políticos. O último enterro de celebridade em que esteve presente, até hoje, foi o do arquiteto Oscar Niemeyer, em dezembro de 2012. Vascaíno doente, alega ter ido ao enterro de Didi – craque da seleção brasileira de futebol campeã mundial em 1958 na Suécia, e habilidoso meio-campo do Botafogo – só “para confirmar”.
Entre os políticos, o primeiro reconhecidamente destacado por isso foi o Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, o mangueirense Wilmar Palis. No final do regime militar em 1985, época em que Tancredo Neves fazia campanha buscando sua eleição no Colégio Eleitoral, ele notabilizou-se por sempre ser visto ao lado do mineiro. Entretanto, até começar o Colégio Eleitoral, Palis (que era da antiga Arena e pertencia aos quadros do PDS) era colado em Paulo Maluf, o candidato da situação.
Novos papagaios surgem ao sabor da onda política do momento, tentando receber láureas em estar presente no enquadramento de uma foto, de um registro, seja para o telejornal da noite ou para o jornal impresso da manhã seguinte.
No dia da votação pelo impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, um suplente roubou a cena – ou melhor, o enquadramento. Mesmo sem direito a voto, Fabrício José Satiro de Oliveira postou-se ao lado do microfone onde os deputado iam, um a um, fazer uma cantilena e dizem “sim” ou “não” pelo encaminhamento do processo ao Senado. Seu objetivo em participar desta prova de resistência? Marcar presença e lançar-se como provável candidato à prefeitura de Balneário Camburiú nas eleições de 2018.
Claro que esta votação não teria ocorrido sem a atuação de Eduardo Cunha – o preso invísivel. Ele foi insuflado pela mídia corporativa e liderou o processo que tentava apresentar ares de constitucionalidade a um golpe branco que ocorria no país. Teve ao seu lado o “apoio popular” de movimentos financiados por setores mais conservadores do espectro político e conhecidos grupos think tank estadunidenses. Lembram do bordão “todos somos Cunha”? Pois então, se você lembra, tenha certeza que tem uma porção de gente na foto abaixo que está fazendo uma força danada para esquecer…
Esse fenômeno não é privilégio brasileiro. A jornalista estadunidense Maureen Dowd – correspondente do New York Times na Casa Branca – cunhou o termo “velcroid” em 1991. Ele adequava-se aos que tentavam aparecer na cena com o presidente no evento anual da sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos (State of the Union Address*). Um dos expoentes nesta arte midiática é o deputado republicano Eliot Engel, objeto de reportagem do canal ABC News em 2015 contando sobre a expertise adquirida ao longo dos 26 anos em que ele faz isso.
Na verdade, este termo pode ser ampliado e ter seu uso adaptado a qualquer situação em que um político tenta ampliar sua exposição e o “valor do seu passe” diante de câmeras e lentes. Ele foi uma atualização da expressão “photo opp” cunhada por um assessor do secretário de imprensa durante o mandato de Richard Nixon (1969-1974) nos Estados Unidos – Bruce Whelihan, que anunciava na Sala de Imprensa da Casa Branca: “There will be a photo opportunity in the Oval Office” (“Haverá uma oportunidade para fotografia no Salão Oval”).
Com o tempo a expressão “photo opp” adquiriu uma conotação negativa. Ficou associada a políticos que posam em situações que parecem eventuais, mas são apenas momentos estudados e planejados: segurar uma pá no lançamento de uma obra, agarrar e beijar bebês em campanhas, ou mesmo agarrar-se ou dependurar-se em pessoas de maior relevância política, intelectual ou penetração junto ao público.
Segundo o historiador Valter Pomar em sua tese “A Metamorfose”, quando se fala de projeto político no Partido dos Trabalhadores, o petista poderá referir-se ao objetivo estratégico, ou a estratégia vinculada a um programa, ou apenas ao programa do partido. Se pensarmos apenas em estratégia, a questão do “papagaismo” mencionado aqui reside na dúvida: será que alguns setores pretendem repetir uma abordagem lá dos anos 90? Será possível que estejam entendendo que disputar cargos eletivos e exercer mandatos em um estado de exceção será suficiente?
Somente isso explicaria o uso de Lula como santinho eleitoral. Ou melhor, como o pirata capaz de carregar a mensagem de um partido rumo à clandestinidade. Parece que ele sozinho não conseguirá levar o navio a um porto seguro se a tripulação evitar desempenhar suas tarefas no barco avariado. Não podem ficar debatendo-se à exaustão entre a ideia abandonar o comandante e a consciência de que, lançados ao mar, não saberão nadar…
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* O State of the Union Address é o discurso realizado pelos presidentes estadunidenses a cada ano na sessão conjunta do Congresso, onde apresentam a previsão orçamentária, o relatório econômico da nação, as prioridades nacionais e a agenda legislativa (onde a cooperação do Congresso é fundamental).
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