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Selfie com Bolsonaro: prova documental da falências dos valores

Selfie com Bolsonaro: prova documental da falências dos valores

A crise nos prende às preocupações do dia, do curto prazo. Vemos apenas qual é o leão a ser abatido nas horas seguintes. Não nos permitimos pensar no longo prazo, que dirá no longuíssimo.

Contudo, a temática do individualismo exacerbado, da violência retórica e física, da despolitização, da alienação e da falta de cultura geral me aflige demais demais demais…

O comentário de um leitor, geógrafo, ao post “Saldo do grampo de Jucá: o haraquiri da PGR e do STF”, permitiu a mim fugir um pouco da preocupação com a nova “bomba do dia”: o fraquíssimo áudio vazado hoje do grampo em Renan Calheiros. Que Senador malandro, ladino, vivíssimo… fala tudo sem falar nada! Palmas para ele!

Esse leitor que me libertou de Renan, Alexandre Tambelli, em sua desesperança diante do nosso quadro institucional, apontou que o buraco é ainda mais embaixo. Anotou em seu comentário os valores completamente deturpados da sociedade (brasileira) atual e indagou como atacar esse problema.

Primeiramente, concordo com o diagnóstico: a mudança desses valores é vital. Mas recomento muita paciência, pois não nos enganemos: é trabalho para a longuíssimo prazo. Sem ser especialista, calculo que levaria duas gerações no mínimo, ou seja, 40 anos, para mostrar resultados.

Como aponta Alexandre em seu comentário, que reproduzo abaixo, tal avanço passaria necessariamente pela mudança da grade curricular e da própria dinâmica do ensino nas escolas.

Mas não poderíamos acelerar o processo através da política?

Uma canetada no MEC se o PSOL fosse eleito e fizesse maioria no Congresso não resolveria?

Não, não resolveria. Isso porque os pais têm contaminado os seus filhos com esses valores distorcidos, que por sua vez absorveram de seus pais e da sociedade ao redor. Uma das paranoias dos neocons brasileiros é justamente a “doutrinação marxista nas escolas”… o “perigo vermelho” nos cadernos.

Ainda no último fim de semana vi a seguinte charge no meu Facebook:

Pior: foi postada por parente, não mero conhecido.

Se não se almejar uma absurda e sanguinária “Revoluçao Cultural”, à la Mao, essa contaminação de valores pela família e pela sociedade só pode ser diluída com o trabalho contínuo no ensino das crianças ao longo de varias gerações.

Mas aí esbarramos em outro problema:

Quando que um projeto dessa natureza ia seguir ininterrupto por 40, 50 anos?

Mal tivemos 13 anos de um governo moderadíssimo em temas de “valores” e alteração de currículo escolar e já sofremos agora a tal “pausa democrática” (sic), do Min. Ayres Britto.

Para o sucesso do processo de transformação, não poderia haver “pausas democráticas” nesse período. Com o tempo e com muita persistência, seriam semeados e nutridos nos jovens valores como:

– a solidariedade;

– o desapego / mitigação do materialismo;

– a preocupação com o meio ambiente;

– a justiça distributiva na sociedade hoje e entre as gerações;

– a honestidade;

– a educação financeira;

– noções elementares de direito e economia;

– a leitura;

– a cultura do civismo, do pensamento crítico, do debate e da oratória / escrita.

* * *

Como disse, a escola sozinha não resolverá o problema dos valores. Testemunhei um exemplo onde duas escolas de excelência, com currículo extremamente humanista, não bastaram para produzir uma formanda humanista. Por certo, o meio fora da escola ainda a contaminou a tal ponto que ao final acabou por vencer na batalha que se travou na sua cabeça e na sua alma.

Esse relato chega a ser anedótico pelo absurdo.

Vamos a ele.

* * *

Cursei o ensino médio numa escola pública federal de excelência do Rio de Janeiro: o Colégio de Aplicação da UFRJ. Lá cheguei através de um concurso disputadíssimo, mais ainda que o vestibular de medicina.



Valeu todo o esforço.

Lá tive, por exemplo, aulas de Geografia com a Profa. Rosalina, que todos os anos fechava o seu curso lendo para os alunos “Os olhos dos pobres”, de Baudelaire (reproduzido abaixo). A professora sempre se comovia e tinha a voz embargada, os olhos marejados, ao ler o relato do pensamento de um pai e seu pequeno filho – que nada tinham – diante do luxo e da opulência de um certo café parisiense:

Os olhos do pai diziam: ‘Que beleza! Que beleza! Dir-se-ia que todo o ouro do pobre mundo fora posto nessas paredes.’ Os olhos do menino: ‘Que beleza! Que beleza! Mas é uma casa onde só podem entrar pessoas que não são como nós!’”

Nunca esquecerei a lição, Baudelaire e nem a Profa. Rosalina.

Além dela, tive aula com historiadores de farta formação humanista. Colega deles na UFRJ, o Dep. Chico Alencar vivia no colégio. Ficava lá falando com esses mestres no pátio e na sala dos professores. Foi lá no CAp. que o “conheci”, muito antes do “deputado”, quando ainda havia apenas o “professor” Chico. Aliás, lá adotávamos o livro dele de Historia do Brasil.

A propósito, vi recentemente um vídeo da Cynara Menezes relatando como “virou de esquerda”. Nele ela descreve a influencia justamente desse livro de Alencar, que também adotara no 2o grau na escola. Relato essa experiência dela e a minha com Chico Alencar no post “Senado/STF: respire fundo antes do mergulho”.

Além dessas duas disciplinas, tínhamos enfoque humanista ainda no ensino da Literatura, com a Profa. Rosane, nas aulas de sociologia e até mesmo nas aulas de artes cênicas, com a Profa. Celeia.

Felizmente mato um pouco a saudade de várias dessas professoras especiais graças à tecnologia: são amigas no Facebook.

Havia ainda o engajamento de professores – de todas as disciplinas – e dos alunos diante do seríssimo estrangulamento financeiro da escola, naqueles anos 90 sob Fernando Henrique Cardoso e seus cortes lineares no orçamento. Nunca esquecerei que foi naqueles anos que fui à minha primeira passeata reivindicatória, fechando a Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, aos 14 anos. Fomos da Candelária à Cinelândia, como os movimentos sociais costumam fazer na cidade. Professores e alunos estavam juntos a uma multidão de outros alunos e professores de escolas federais, como o tradicionalíssimo Colégio Pedro II (onde estudaram minha mãe, meu pai e minha irmã). Todos juntos contra o que FHC e Paulo Renato faziam com as escolas federais naquele momento. Carregávamos, sérios mas não sisudos, os cartazes que fabricáramos mais cedo, ainda no pátio da escola. Gritávamos empolgados as palavras de ordem recém-aprendidas.

Era uma festa cívica.

Mas notem bem: os tempos eram outros. Imaginem que os funcionários do metrô, já privatizado e nas mãos de Daniel Dantas, abriram as roletas – na ida e na volta – para os manifestantes.

Alguém imagina isso acontecendo hoje?

* * *

Mais quatro colegas daquela classe de apenas 28 alunos passaram no vestibular para a Faculdade de Direito da UERJ – o mais disputado.

Sendo cinco no total, estou eu aqui. Como já me conhecem um pouco, passo aos demais:

(i) uma virou defensora pública da União, carreira onde pode efetivamente tentar lutar, dentro do sistema, pelos direitos de indivíduos sem meios contra ações arbitrárias do Estado brasileiro. Ela lê meus posts com frequência e os “curte”. É pessoa a quem admiro muito. Primeira evangélica com quem tive contato mais próximo, professa e pratica o verdadeiro Evangelho, aquele do amor e da graça de Deus. Não essa falsificação antitética professada pelos pastores-deputados.

(ii) outra virou defensora pública no Estado do Rio de Janeiro e é uma aguerrida combatente pelos direitos humanos, especialmente dos LGBTs e em particular travestis e transgêneros. Negra orgulhosa, com lindos cabelos crespos e volumosos, frequentemente faz postagens discutindo a problemática racial nas redes sociais.

(iii) outro virou diplomata e viaja o mundo com a família de posto em posto. Creio que seja mais identificado com a política externa altiva e assertiva de Lula/Amorim.

Mas falta uma. O que aconteceu com a quinta pessoa?

Bem, não sei ao certo o que faz profissionalmente hoje, mas mesmo assim conseguiu me chocar bastante meses atrás.

Desde 2014 não entro com frequência no meu perfil “pessoal” no Facebook. O desgosto com postagens de extrema direita de pessoas conhecidas me impede.

Felizmente a minha cachorra, a Maya Vermelha, permite que eu me expresse no Facebook dela, onde só há amigos humanistas.

Mas voltando àquela quinta pessoa:

Depois de um jejum de meses, entro eu no meu Facebook “pessoal” e com o que é que me deparo?

Com o chocante avatar dela mesma, a quinta pessoa. Nada menos que uma selfie tirada em um espelho com um bico de beijinho e, abaixo, a legenda “Bolsonaro 2018”.

* * *

Como alguém que teve a mesma trajetória que eu acabou assim?

Veem como a escola/faculdade não fazem tudo sozinhas?

A Educação não faltou nem falhou com ela.

Ela que faltou e falhou com a educação que recebeu – de graça do Estado!

* * *

Lembrando da foto, termino o post soltando um longo suspiro e constatando novamente:

– É… serão gerações e gerações… vááárias gerações de fato…

E fecho citando Baudelaire de novo:

É tão difícil o entendimento, meu caro anjo, e tão incomunicável é o pensamento mesmo entre as pessoas que se amam“.

* * *

Os Olhos dos Pobres

(Baudelaire)

Ah! Você quer saber por que eu a odeio hoje. Será, certamente, menos fácil para você compreender do que1 para mim, explicar; porque você é, creio, o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Tínhamos passado juntos um longo dia que me parecera curto. Nós nos tínhamos prometido que todos os nossos pensamentos seriam comuns a um e ao outro e que nossas duas almas não seriam mais do que uma só — um sonho que nada tem de original, uma vez que, afinal, é um sonho sonhado por todos os homens, mas nunca realizado por nenhum.

À noite, já um pouco fatigada, você quis sentar-se em frente a um café novo, na esquina de um bulevar também novo, ainda cheio de cascalhos, mas já mostrando gloriosamente seus esplendores inacabados. O café brilhava. Mesmo as simples tochas de gás revelavam todo o ardor de uma estréia e iluminavam, com todas as suas forças, as paredes de uma brancura ofuscante, exibindo a seqüência de espelhos, o ouro das molduras e dos frisos, mostrando pagens rechonchudos arrastados por cães nas coleiras, senhoras rindo com os falcões pousados em seus punhos, ninfas e deusas trazendo frutas em suas cabeças, patês e caças diversas, as Hebes e Ganimedes apresentando, com os braços estendidos, a pequena ânfora com creme bávaro ou o obelisco bicolor de sorvetes coloridos; enfim, toda a história e a mitologia postas a serviço da glutonaria.

Bem em frente de nós, na calçada, estava plantado um homem de bem, de uns quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, tendo numa das mãos um menino e sobre o outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele cumpria o papel de uma babá e trazia seus filhos para tomar o ar da noite. Todos em farrapos. Esses três rostos estavam extremamente sérios e seus seis olhos contemplavam fixamente o novo café com igual admiração, mas, naturalmente, com as nuances devidas às idades.

Os olhos do pai diziam: “Que beleza! Que beleza! Dir-se-ia que todo o ouro do pobre mundo fora posto nessas paredes.” Os olhos do menino: “Que beleza! Que beleza! Mas é uma casa onde só podem entrar pessoas que não são como nós!” Quanto aos olhos do menor, eles estavam fascinados demais para exprimirem outra coisa senão uma alegria estúpida e profunda.

Os cancioneiros dizem que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. A canção tinha razão nesta noite relativamente a mim. Não somente eu estava enternecido por esta família de olhos, como me sentia envergonhado por nossos copos e nossas garrafas, maiores que nossa sede. Virei meus olhos para os seus, querido amor, para ler neles o “meu pensamento”; mergulhei em seus olhos tão belos e tão bizarramente doces, nos seus olhos verdes, habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: “Não suporto essa gente com seus olhos arregalados como as portas das cocheiras! Será que você poderia pedir ao maîttre do café para afastá-los daqui?”

É tão difícil o entendimento, meu caro anjo, e tão incomunicável é o pensamento mesmo entre as pessoas que se amam.

* * *


Senado/STF: respire fundo antes do mergulho

Algo de novo no fronte? Parece que não.

A única novidade desde o discurso na ONU (“Dilma vai dizer golpe ou não vai?”) foi hoje a indicação dos membros para a comissão do impeachment no Senado.

A seleção desses nomes e não de outros indica alguma tendência?

Não sei dizer. A mim parece que não. Nessa comissão o jogo já está jogado antes mesmo de começar:

– PMDB (5) e bloco de oposição (4) somam 9 senadores;

– bloco de apoio ao governo (PT-PDT), 3;

– bloco PSB-PCdoB-PPS, 3 (apenas Vanessa Grazziotin favorável ao governo entre os titulares);

– os outros dois blocos, independentes mas hostis ao governo, mais 5.

Alguma dúvida sobre o resultado da votação?

Não tenho nenhuma.

Ah, dirão alguns, o Senado – a “câmara alta” do nosso Parlamento – há de permitir um debate de nível bem mais elevado que o da Câmara – aliás, algo quase impossível de não se fazer, em vista da nossa BAIXÍSSIMA câmara baixa.

Ah, sim? Debate mais elevado? LEIA MAIS »

* * *



Comentário de Alexandre Tambelli:

Sobra para nós a questão, Romulus:

Que Educação os brasileiros têm? Aqui, pensemos no geral, e de uma forma especial nas famílias de classe-média e médio-alta tradicionais, que é a da maioria dos ingressantes no Judiciário e Legislativo brasileiros.

Em casa, na escola particular, nos cursos pré-magistratura e na vida cotidiana o que move os brasileiros?

Quais os cursos que faltam nas grades curriculares?

Quais os valores educacionais que devem estar no topo do currículo e dos objetivos educacionais de um Brasil outro e civilizado?

Temos uma Educação voltada para a formação de cidadãos? Para a valorização de certos comportamentos: como o olhar para o coletivo, o olhar nacionalista, o olhar social, o olhar para dentro e não somente para as coisas materiais?

Imaginemos, nós todos, nas escolas e sendo ensinados a escolher a carreira de sucesso, aquela que nos fará vencedor (vencedor é TER), que nos dará dinheiro, que nos poderá gerar status social e ser este crescimento (individualista) a recompensa do estudar.

Há uma troca de valores, infelizmente.

Vencer individualmente é um Lema escolar.

Eu quando era jovem fazia colegial de humanidades. Chegou no terceiro colegial, na última semana de aula, uma pesquisa para saber: o que você vai fazer de faculdade?

Todos iam fazer ou Direito ou Administração ou Publicidade. Alguma menina Psicologia. E eu Geografia.

Imaginemos, todos procurando a profissão que pudesse unir o útil ((dinheiro) ao agradável (profissão) e um entre 40 falando que vai fazer Geografia, queria mudar o mundo (risos). Foram contar para a Professora é claro. Estava fora da realidade de um aluno de escola particular e sua Educação voltada para o vestibular, a profissão rentável (financeiramente), a carreira, o sucesso, as coisas materiais que adviriam da escolha, a respeitabilidade no seio social, o orgulho dos pais, essas coisas todas e tolas.

A competição e a valorização do Ter sobre o Ser.

Não se teria que pensar em uma reforma curricular nas escolas, em uma refundação de valores básicos a serem adquiridos por nossos alunos e filhos?

Em que ponto a TV, o rádio, a Internet, também, não ajudam a não-formação de cidadãos plenos, para além de meros trabalhadores, competidores e futuros consumidores em larga escala?

Qual a qualidade que buscamos para nossos brasileirinhos se acostumarem com a Vida em sociedade e para além do individualismo e competição?

Faustão, Luciano Hulk, Xuxa, BBB?

Ética, Direitos Humanos, Educação Sexual, noções de Cidadania, Sociologia são ensinadas nas escolas brasileiras?

Não temos uma grade curricular igual desde sempre com as 8 matérias básicas: Inglês, Português, Matemática, Física, Química, Biologia, História e Geografia?

Ensinar a ambição, o querer sempre mais para você mesmo; ensinar que estudar pode gerar uma Vida cheia de bens materiais não é um passo para ver no outro um competidor, uma pedra no seu caminho para alcançar o objetivo de ser promovido a alto cargo, essas coisas. E, não a ver no outro um ser humano?

Ambição desmedida não leva à corrupção, à corrupção pelo Poder?

Educação formadora de consumidores e não de cidadãos temos no Brasil?

Este vale-tudo contra a Presidenta Dilma não é uma deficiência educacional de nossas casas e de nossas escolas?

Os políticos e magistrados alinhados com o Golpe não são resultados do Modelo Educacional Brasileiro? E, eles não são espelhos de nossa sociedade? Ou exceções à regra?

Veio estes questionamentos à cabeça.

Não vamos mudar este quadro Jurídico, Político e Midiático se não começarmos a rever o que ensinamos para nossos filhos em casa e na escola. Precisamos ensinar valores básicos para os brasileirinhos. De lá começará a mudança. E, poderemos frear em boa quantidade o Poder do dinheiro nas relações de Poder no Brasil.

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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