Os “culpados” por “isso tudo que está aí…”, por Romulus
Vamos falar de “conjunto da obra”? Pode vir quente que eu estou fervendo! E sem medo de dar nomes aos bois: o
s “culpados” por “isso tudo que está aí…”
Por Romulus
Como já disse por aqui, uma obsessão minha é o desenho institucional do Estado. Especulo sempre sobre a sintonia fina que o torne mais funcional, estável e que permita o desenvolvimento e a inclusão. Idealmente, esse desenho deve ser “à prova de idiotas” – foolproof, como dizem os gringos – que eventualmente ocupem os cargos no topo dessa estrutura.
Em geral isso cabe aos famosos “freios e contrapesos” e à tomada de decisões em colegiado.
Tudo isso está de alguma forma no desenho institucional da Constituição de 1988 e no nosso acquispolítico-institucional infraconstitucional.
Sim, está lá… mas foi pouco! Definitivamente não somos foolproof.
Nossas instituições – e a ordem constitucional de 1988 – não resistiram à combinação fatal de:
(ordem dos fatores não altera o produto)
1) Eduardo Cunha dono do Congresso.
Nenhum comentário se faz necessário.
(sem legenda)
2) Janot na PGR.
Uma pessoa amoral e aética – o que é diferente de “imoral” e “anti-ético”. Um animal político puro, como já apontava semanas atrás em um post (“Balé? Esgrima? Espada de Janot era apenas um canivete. E com perda de fio precoce!”). Se havia ainda dúvida sobre isso, não mais subsiste: a carta aberta de Eugênio Aragão abriu Janot como uma navalha.
Notem bem: Janot é “animal político puro” sim, mas da “pequena política”. Aquela que os meus vizinhos franceses chamam de “politique politicienne”.* Aquela política praticada entre pares – corporativa, dos conchavos… – que constitui, no limite, ‘o’ instrumental de um carreirista.
[*A Wikipedia em francês me socorre: “Politique Politicienne” – (Péjoratif) attitude des hommes politiques consistant à se préoccuper des questions de pouvoir entre politiciens et partis politiques davantage que de la politique au sens étymologique du terme, c’est-à-dire des affaires de la cité.
Traduzo livremente como: “pequena política” – (expressão pejorativa) comportamento dos políticos que consiste em dar mais atenção às disputas e acertos de poder entre os próprios políticos e os seus partidos que à “política” no sentido etimológico do termo, ou seja, os problemas da polis.
Notem: o relatado uso pejorativo da expressão parte de quem tem uma visão moralista e idealizada (i) do exercício da política e (ii) do que “deve ser” um político]
Como disse, Janot é animal político puro, aético e amoral.
Mas assim não parecia ser até pouco tempo atrás. Ex-amigo próximo, Eugênio Aragão anota a sua “transformação radical”, em doída carta aberta.
“Trasformação radical”?
Que nada!
Como disse em outro post:
O Janot “republicano, progressista, bem intencionado, humano e solidário”, do relato de quem o conhecera antes de chegar a PGR, era apenas uma persona pública empalmada pelo animal político, aético e amoral, para possibilitar a sua subida diante dos ventos de cidadania que sopraram na primeira década dos anos 2000 e final dos 90.
Parafraseando o “quem não foi comunista aos 18 anos não tem coração; quem permanece aos 30 não tem cabeça”, digo que:
– Quem não votou em Lula em 2002 não tem coração. E quem – com pretensões políticas dentro da Administração Pública – tampouco votou é
que não tinha cabeça!
Lula era a encarnação do
Zeitgeist
– o espírito daquele tempo. Encarnava – na própria biografia – o conjunto de ideias cidadãs e emancipatórias que eram “a moda” então.
“Meritocracia” (meia boca e viciada)?!
Quem falava disso então?
Quem vinha com aquela história batida de “dar vara de pescar e não peixe” tomava logo um passa fora depois daquele desastroso segundo governo FHC.
Quanto à “grande política”, aquela jogada no nível da “polis”, diversos movimentos de Janot durante a Lava a Jato demonstraram que, assim como Sérgio Moro e o pastor de Curitiba, para essa política, Janot e os seus não têm grande aptidão.
Sabem surfar ondas da opinião pública. Não sabem (i) intuir ou antecipar o seu surgimento, (ii) nem as conduzir ou, muito menos, (iii) influenciá-las. Seguindo na metáfora, não sendo mais que surfistas estacionados à espera da onda, em hipótese nenhuma gozam do instrumental para ir além das ondas para tratar de correntes oceânicas – intuir, antecipar, conduzir ou influenciar correntes de…
– … ideias!
Imagine! Estando ainda em 2016, digo que a distância que os separa é da escala daquela entre o atleta de fim de semana e os ocupantes de um pódio olímpico.
3) Dilma presidente.
Coloquei ela depois de Janot de caso pensado. Dilma é a ausência completa dessa tal de “politique politicienne”, a “pequena política”, em que Janot se mostrou um mestre. Não vejo demérito nenhum nisso. Certamente haverá algum nível de aprendizado, teórico e prático, nessa “disciplina”. Mas o bom desempenho nela está mais para personalidade e aptidão pessoal. Ou se é ou não se é. Simples assim. Eu, por exemplo, tenho também zero aptidão para a politique politicienne.
Hi-five, Dilma! Toca aqui!
Como Lula, o incontestável gênio político, nato, acreditou que o Brasil – e, principalmente, Brasília! – estariam maduros o suficiente para conviver com – ou seria “resistir a”? – um perfil assim é um mistério.
Talvez tenha confiado em uma ascendência automática sobre ela que nunca se confirmou
Isso apesar da – inquestionável – lealdade canina de Dilma para com ele.
Terá Lula confundido os dois? Lealdade com ascendência automática?
Bom, se for o caso, parece que até os gênios às vezes ainda têm algo a aprender com a experiência…
Como bônus, além da falta de aptidão para a politique politicienne, Dilma ainda exibe o seu mix paradoxal particular: voluntarismo e imobilismo. Quem acompanhou a sua presidência entende perfeitamente como esses dois opostos conseguem conviver lado a lado em uma atuação ciclotímica.
Coloque-se na sua conta, ainda, o “dedo podre” na escolha de assessores da sua cota pessoal. Bem como a teimosia em se livrar de “pesos mortos”. Às vezes até de pesos… “assassinos”, digamos assim…
Ou melhor: pesos “regicidas”!
Sim… “regicida” melhor os descreve mesmo.
Quem?
Ora, não há mais necessidade de citá-los nominalmente. Já pregaram as suas peças tempestivamente. O resultado já se deu.
E além do mais, lá estavam por escolha e teimosia alheias a eles.
4) Os 11 do STF.
Com destaque para as “esperanças”: Barroso (suspiro longo de ex-aluno e admirador…); Fachin; e Teori.
Faltando esses três, não havia mágica que Lewandowski e Marco Aurélio Mello pudessem sacar da toga para irem além desses 5 e conquistarem, ainda, o “swing vote”, o voto incerto, de uma Rosa Weber. Ou quiçá os de 2 ou 3 oportunistas, de moral “frouxa”.
Aliás, quem pode apontar o dedo para outros ali e gritar “moral frouxa!” depois do desempenho dos 3 em quem se nutria esperança – Barroso, Fachin e Teori?
Afinal, mesmo que (talvez) com mais luta interna, acabaram também “matando no peito” a sua moral. Ao fim e ao cabo, mandaram “às favas os escrúpulos”. À la Jarbas Passarinho na assinatura do AI-5, é bom lembrar.
A propósito, devo dizer que ler a carta aberta de Eugênio Aragão a Rodrigo Janot – histórica e palpavelmente doída – me fez retornar mentalmente a um post também doído, em que me dirigi ao meu ex-professor, o Min. Barroso.
Depois passei pelas “atualizações” daquele post: “Esconderijo cívico e álibi funcional: descoberto paradeiro de Barroso e de Janot” e “Mordacidade atroz contra MPF, PGR e STF: quem me culpa?”
5) Temer vice-presidente.
Mencione os nomes “Marco Maciel” e “José Alencar” e nada mais precisa ser dito quanto a esse ator.
6) FHC como mentor da oposição institucional.
Sim, Aécio é um simplório com telhado de vidro…
Serra, alguém desmedidamente ambicioso… na política e nas finanças… também com telhado de vidro…
E Alckmin é… bem… ele é “Alckmin”: o herdeiro da TFP que comanda, literalmente, um exército armado.
Mas o que pesou, de fato, para chegarmos até aqui foi ter a ascendência de FHC sobre a oposição institucional. Tanto na estratégia quanto na tática.
Já me detive em detalhe sobre o personagem em:
Não vale a pena falar mais sobre pessoa tão pequena.
7) A segunda geração do baronato da mídia.
Na loteria da natureza, aptidões não necessariamente se transmitem pela hereditariedade. No nosso caso, a geração dos herdeiros – Marinho, principalmente, mais Frias e Civita a reboque – provou a validade do ditado “pai rico, filho nobre, neto pobre”.
Em vez de se movimentarem de forma eficaz para contrabalancear a decadência estrutural tecnológica das suas plataformas, contribuíram para detonar também a conjuntura:
(i) dinamitaram em definitivo a sua credibilidade, num ambiente de contraponto instantâneo com blogs e redes sociais; e
(ii) contribuíram para a implosão da economia brasileira, com o trabalho diuturno de destruição das expectativas. Trocaram a receita de anunciantes privados, de médio e longo prazo, pela promessa de um bolsa-mídia turbinado, no curto prazo.
De duas, uma: ou não entendem nada de estratégia ou o nó no pescoço já está apertado demais. Vai saber…
E o que segue depois deles?
“Netos pobres”, provavelmente…
8) Coringa: demais atores.
E por quê coringa?
Porque, diferentemente dos precedentes, o ocupante individual da liderança não fez diferença na atuação institucional desses atores. Agiram como se esperaria deles em condições normais de temperatura e pressão.
E quem são eles?
(i) Os “gringos”. Tanto o capital, o produtivo mais o improdutivo, como o aparelho do Estado por trás deles.
(ii) Os rentistas locais. Aí incluída também “Indústria” de “industriais” do naipe de Paulo Skaff.
(iii) Outros setores econômicos e sociais com representação política fisiológica. Aquela que responde bem aos incentivos e desincentivos do varejo do “toma lá, dá cá”. Penso, principalmente, na base socio-econômica da “bancada BBB”: Boi, Bala e Bíblia.
(iv) As Forças Armadas. A liderança omitiu-se na troca de um projeto de desenvolvimento nacional por esse outro, claramente de re-colonização do país e de re-primarização da sua economia. Nada que se possa censurar em demasia. Poderia ter sido diferente? Seu papel político-institucional é reduzido. Para o bem e para o mal. Afinal, ainda purga os pecados dos 21 anos sob o seu golpe.
(v) A classe média urbana.
Aqui, abro uma exceção: antes só falara de indivíduos que lideravam instituições ou, neste item “coringa”, também de certos grupos coesos. A classe média, em certa medida heterogênea, com interesses difusos e até divergentes, está longe dessa condição.
E por que abro a exceção?
Porque a classe média é uma “questão prévia” a esse debate: anima os tais indivíduos que encabeçam as instituições. Seja porque pertencem a ela, seja porque convivem com ela, seja porque a têm como público-alvo.
E o que dizer sobre a classe média?
Bem, muito já se falou sobre o seu caráter conservador e a sua contrariedade com ter de dividir espaços, antes exclusivos, com os ascendentes da “Classe C”. Dessa forma, não causou surpresa o seu posicionamento durante o processo que vivemos.
Contemplem! A imbecilização em massa patrocinada pelos irmãos Koch e pelo Olavo de Carvalho. Vivam os grupos de whatsapp e as correntes e hoaxes daquela tia que é meio crédula demais!
Talvez surpreenda – pelo menos a mim – o nível elevado de “midiotização” de que padece. É certo que não perde com o desmonte do SUS e da escola pública. Isto é, não perde diretamente. Pois terá sim de encará-lo. Nem que seja tendo de lidar com os infortúnios das empregadas domésticas. Bem como o de todos os demais prestadores de serviço de que dispõe (porteiro, vigia, manicure, cabeleireiro, motorista…).
São perdas indiretas…
E diretamente? Não há nada?
Evidente que sim. A classe média certamente perde com:
(a) o sucateamento das universidades públicas e o fim do fomento à pesquisa, com bolsas e estrutura;
(b) o fim dos concursos públicos (e dos reajustes do funcionalismo);
(c) a política econômica – monetária, fiscal e cambial – voltada aos interesses dos rentistas: juro alto / crescimento baixo / sobrevalorização do câmbio / tributação da produção, do consumo e do trabalho e não da finança / política fiscal pró-cíclica;
(d) a reforma da previdência e a precarização das relações de trabalho. Certamente não serão os pobres, com sua atividade econômica informal, os maiores afetados com as “reformas”.
Exemplos rápidos:
– Onde está o tal do “rombo”? No regime geral do INSS – e no grosso que ganha salário mínimo – ou na previdência pública?
– Quem foi vítima da “pejotização” nas suas relações de trabalho? O peão da fábrica ou o profissional liberal?
É por causa dessas perdas, objetivas – claras para quem têm algum discernimento – que identifico o tal nível acima do normal de “midiotização” da classe média. Tenho, inclusive, exemplo em família: indivíduo pensionista do INSS, que babava ódio contra o PT e a “roubalheira” “bolivariana” do “Foro de São Paulo”. Aliviado está agora. E deve mesmo: certamente virão anos dourados para esse e para os seus pares pensionistas…
Não podemos desprezar, nesse fenômeno de “midiotização” acentuada, nem (a) a atuação dos barões da mídia, já mencionados acima, nem (b) algo novo: as redes sociais e as duas bolhas estanques. A “azul” e a “vermelha”. Como escrevi em outro post:
Já escrevi no blog sobre o “efeito bolha”, potencializado em muito pelo avanço das redes sociais. Creio que isso contribuiu decisivamente para a atual polarização (“A” vs. “anti-A”) e radicalização (“É ‘A’ ou nada!” vs. “É ‘anti-A’ ou nada!”).
Isso no Brasil e no mundo.
O outro lado da moeda foi o derretimento e desaparecimento do “centro” político.
E o que era esse “centro”?
O poder moderador que compunha com a parte vencedora, no embate entre os opostos. Assim, dava-lhe governabilidade e estabilidade, evitando o golpismo do lado perdedor, ou seja, as saídas fora da institucionalidade.
Da mesma forma, ao requerer uma moderação do discurso e das ações do polo vencedor, o “centro” coibia excessos, contribuindo ainda mais para a estabilidade do sistema.
Hoje essa dinâmica desapareceu.
No Brasil e no mundo.
Pergunto, temendo a resposta:
Estaremos fadados a eleições radicalizadas e polarizadas, na base do “51% vs. 49%” – França/2012, Brasil/2014, Argentina/2015, Áustria/2016, “Brexit”/2016, etc.?
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
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