“Há cinco anos eu era idiota”, por Júlia Rocha (médica – e cantora!)
Enviado por Romulus
“Há cinco anos eu era bem idiota”
Por Júlia Rocha, médica de família (e cantora!)
Comentário (Romulus):
O post abaixo, escrito pela médica Julia Rocha, é fundamental para entender o “senso comum” moldado pelo veneno destilado pelo oligopólio midiático no Brasil (junto a outros fatores).
Mas, tão importante quanto, a Dra. Júlia Rocha não deixa de trazer consigo o “soro anti-ofídico” que curou – a ela mesma! – da intoxicação pela exposição crônica a essa peçonha. Fazer o quê? Seu ofício exige!
A peçonha de que a doutora trata vem da grande imprensa, mas também de seus repetidores autômatos. “Zumbis” que cercam a nós todos e, como nas histórias de terror, não desistirão de tentar comer nossos cérebros. Para que então, descerebrados, nos juntemos à sua horda destruidora.
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Maria Chiara Faria, amiga no Facebook, veio ” me apresentar” à médica Júlia Rocha, me marcando nesse post. Obrigado, Maria Chiara! Mas já tinha tido o prazer de conhecê-la e aos seus textos. Ela é amiga da querida Thais Façanha, outra guerreira do SUS, da Medicina de Família e, sobretudo, do Humanismo e da humanidade – em todas as suas acepções.
Tinha lido o post logo hoje de manhã, quando outro médico do bem – Tiago Nunes – o compartilhou.
Sabem como é:
gente boa atrai gente boa
… na medicina e na vida!
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Em tempo: dra. Thaís Façanha me avisa que dra. Júlia, além de tudo, ainda canta! E está em plena campanha de vaquinha virtual pra viabilizar gravação do seu CD. Bora ajudar, galera (link aqui)??
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À voz – e à voz – da Dra. Júlia:
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HÁ 5 ANOS EU ERA BEM IDIOTA
Há cinco anos eu pensava que bolsa família era um exagero populista.
Achava que pegar remédio de graça no SUS era meio demais.
Achava que gay afeminado era semvergonhice.
Pensava que feminismo era o contrário de machismo.
Achava que lutar pela descriminalização do aborto era coisa de gente desalmada.
Achava que a legalização da maconha era algo absurdo e descabido. Coisa de vagabundo.
Achava que acabar com o financiamento privado e instituir o financiamento público de campanha era um desaforo para tirar mais dinheiro do povo.
Pensava que bandido preso tinha que sofrer mesmo, tinha que dormir no chão e comer mal. Quem mandou ser bandido?!
Sim, eu era essa pessoa vivendo nesse grau de mediocridade! Que vergonha! Mas, até eu tive salvação!
Há 5 anos reduzi drasticamente o tempo que dedicava a ver TV. Parei de levar em conta a opinião de gente que só se informava pela mídia hegemônica e busquei textos e reportagens de forma independente. Vi filmes que não passavam na sessão pipoca. Conversei com oprimidos: gays, lésbicas, negros, periféricos, analfabetos, mães solteiras…
Porém, penso que o que mais me transformou foi conhecer diretamente a realidade das pessoas mais pobres. Eu não queria saber de ouvir falar. Queria sentir o cheiro, pegar com as minhas mãos.
E lá fui eu, ser médica de família de pessoas que não tinham nada. Mesmo quando trabalhei em bairros de classe média, sempre, uma boa parte da população que eu atendia vivia em situação de pobreza, alguns tangenciando a miséria.
Foi transformador. Eu descobri que bolsa família servia pra comer. Vi mulheres pobres, abandonadas por seus homens escrotos, indo se submeter a abortos clandestinos em açougues de fundo de quintal enquanto eu ficava de cá rezando (naquela época eu ainda rezava). Vi mães pretas chorando a morte violenta de seus filhos pretos num tribunal sem direitos, sem advogado e sem juiz. Vi homens magros, judiados do sol de uma vida inteira, morrerem novos de tanto trabalhar. Vi crianças peladas, sentadas na terra da rua. Vi ruas de terra, carroças, cachorros e gatos em cima das mesas. Vi loucos, vi bêbados, vi feridos.
O que eu acho que falta para grande parte das pessoas no Brasil é ver. Não pelo jornal. Ver ao vivo. Por que é impossível ver e não se tocar. É impossível sentir o cheiro da miséria e dela não compadecer-se. A não ser que você seja um completo monstro.
Só um monstro seria capaz de querer tirar mais direitos dessas pessoas MISERÁVEIS. Só um monstro poderia pensar em reduzir ainda mais o acesso desses homens e mulheres ao sistema público de saúde. Só um monstro poderia pensar em fazer esses moribundos trabalharem mais uns anos de suas secas vidas.
Precisamos de um movimento. FORA, MONSTROS.
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Volta ‘Romulus’ para dizer:
Precisamos de Júlia!
E de arte:
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Maya Vermelha, a Chihuahua socialista
(perfil da minha brava e fiel escudeirinha)
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
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