Aula de francês: quem é o “Macron” brasileiro para 2018? Marina? Dória? …?
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Aula de francês: quem é o “Macron” brasileiro para 2018? Marina? Dória? …?
Por Romulus
A eleição deste ano na França tem vários pontos de contado com o confuso momento político brasileiro, como tenho feito questão de ressaltar na cobertura que faço dela.
Não podia ser diferente. O pano de fundo é o mesmo:
– O divórcio entre os mecanismos da democracia representativa clássica e a sociedade, por terem sido, até o momento, incapazes de dar uma resposta às consequências conjunturais da crise econômica mundial e estruturais do modelo neoliberal globalizante.
No macro, as disputas políticas a partir daí estão mais para “roupagens” episódicas, país a país, de três vertentes maiores de “respostas” à crise:
(1) Aqueles que apregoam que o problema foi “pouco” liberalismo, defendendo ainda mais “reformismo”: liberalização selvagem do mercado de trabalho, do comércio (hoje mais pela via de acordos bilaterais que na OMC) e austeridade.
Ou seja: aumento da competitividade internacional via dumping social.
Numa race to the bottom (“nivelamento por baixo”) entre todos os países.
(2) Os “soberanistas”…
… em geral advindos dos extremos do espectro político (extrema-esquerda e extrema-direita), que advogam o término e até mesmo o desfazimento da liberalização implementada pelos representantes do grupo (1); e
(3) Os que ficam no meio do caminho. Sejam céticos, pragmáticos, moderados, conciliadores, centristas…
Notem:
Como diz o meu amigo Ciro, a direita (liberal) tem um programa…
Horrível, mas tem: o neoliberalismo (globalizante).
A esquerda, hoje, não.
O que a faz cair ou para um neoliberalismo “envergonhado”, “mitigado”…
… ou para a resposta soberanista.
– Bis:
*
Na França, a população levou – até a boca da urna! – 4 candidatos em empate técnico (!) que se encaixam nesse figurino:
– Um de direita, equivalente ao (1) (Fillon);
– Um de extrema-esquerda e outra de extrema-direita, equivalentes ao (2) (Melénchon e Le Pen); e
– Um que se coloca como “centrista”, nominalmente “(3)” portanto, mas que está muito mais para (1) “envergonhado”.
Esse último, Emmanuel Macron, é quem deve sair eleito no próximo domingo, na votação do segundo turno.
(salvo uma enorme zebra, caso a abstenção seja colossal. O que não pode ser descartado, mas é muito remoto, já que as pesquisas dos diversos institutos oscilam, para cima ou para baixo, mas sempre próximo do patamar de um 60/40%)
*
Muitos me perguntam quem seria o “Macron” no Brasil…
Olhando no macro, ou seja, abstraindo a “pessoa física”, estaria mais para Marina:
– Alguém que saiu da esquerda, assumiu um programa de direita e se vende como “o novo”…
– … porque não é “nem de esquerda, nem de direita”, mas “de esquerda ~e~ de direita”, porque “vai combinar o melhor dos dois mundos”.
Parece vago?
Pois é para ser mesmo…
Um pacote de vento, embalado por uma bolha midiática, para esconder no recheio um neoliberalismo “que não ousa dizer o próprio nome”.
Já outros veem Macron como um modelo válido para… Doria.
De novo, abstraindo as “pessoas físicas” (cuja distância seria medida numa escala cósmica!), haveria:
– A (auto) alegada – e (auto) propalada – “meritocracia” do agente;
– “Notório saber ~técnico~” (aspas!), a dar respaldo na ausência de experiência político-administrativa; e (justamente)…
– A (auto) alegada distância dos “velhos” partidos e da “velha” política, por virem “de fora do sistema”.
*
Nichos
Macron viu que havia um vácuo no “centro”, o item (3) lá de cima, pela falta de candidaturas competitivas nesse campo.
Vendeu-se, portanto, como um desses (com a ajuda decisiva da mídia).
No entanto, como observei aí em cima, está mais para um (1) (neoliberal globalizante) “envergonhado”, a ser descoberto…
– … no dia seguinte à posse!
Já Dória parece jogar na ~antiga~ polarização, querendo se marcar mais pela negação, o “anti-Lula”, do que propriamente pela afirmação de qualquer coisa (um “pós-Lula”).
Assim como havia um vácuo no centro para Macron, há um vácuo à direita para Dória, com a implosão eleitoral dos velhos tucanos (com Odebrecht e congêneres).
Dessa forma, a sua (auto) caracterização como o “anti-Lula” faria até sentido politicamente.
O problema é que, dado o fracasso retumbante da resposta liberal (do molde (1)) à crise, devidamente imposta goela abaixo pelo golpe no Brasil, é difícil que Dória possa cavalgar o mesmo “vazio programático” e a mesma bolha midiática que levam hoje Macron ao poder.
Isso porque:
(a) seu programa não está “vazio” (é o “programa do PT multiplicado por (-1)”); e
(b) a grande mídia, por absoluto abuso dos seus meios, por um período longo demais, ~saturou~.
E, assim, perdeu o controle absoluto da narrativa.
(o que se reflete nas pesquisas de intenção de voto com Lula na cabeça, p.e.)
Isso – dessensibilização da população, pela saturação, ao discurso único da grande mídia – também deve ocorrer na França…
Mas provavelmente só em 2022.
Ou seja: em 2017 dá Macron e o cara a cara, fatal!, com Le Pen fica adiado para daqui a 5 anos.
*
Já no Brasil, diria que não há ainda o “Macron” de 2018:
– Um pacote “neutro” (de preferência vazio) pronto para ser embrulhado e vendido pela mídia.
Poderia ser Marina (vazia…), mas ela é incapaz de aguentar o tranco, a pobre…
Poderia ser um “candidato da Lava a Jato”?
Ou Bolsonaro, p.e.?
Não creio, por não ser neutro: já nasce com a rejeição da esquerda (o que, em princípio, não impede vitória em majoritária).
Mas isso dá algumas dicas:
– O espaço ao centro para Macron surgiu, justamente, diante da polarização radicalizada da sociedade francesa.
Com o fracasso das respostas à crise e ao neoliberalismo, a sociedade foi empurrada para os extremos: (a) direita “dura” – seja Le Pen, seja Fillon – e (b) esquerda “de verdade” – seja Hamon, seja Melénchon;
– Diante da mútua rejeição de um extremo pelo outro, num contexto de pesquisas eleitorais divulgadas diariamente, ciclo de notícias de 24h e redes sociais (acelerando sobremaneira movimentos de opinião), o voto útil já se inicia ~muito antes~ de se chegar à cabine de votação….
Ocorre ao longo de toda a campanha… com um vai-e-volta contínuo, em resposta às pesquisas (um perigo!).
– Assim, como Marine Le Pen e Fillon eram “insuportáveis” para os mais à esquerda, e Melénchon e Hamon eram “insuportáveis” para os mais à direita, partes significativas dos dois eleitorados aceitam – com a ajuda providencial da mídia! – votar, “de nariz tapado”, em um que, se não agrada a nenhum deles, ao menos não lhes é “insuportável”.
Essas franjas “volúveis” (que veem pesquisas e fazem voto útil em resposta), somadas à parcela realmente centrista do eleitorado, levaram Emmanuel Macron ao primeiro lugar na votação de primeiro turno.
E agora, ganhando ~majoritária~, devem elege-lo no domingo…
– … Presidente da França!
*
Conclusão
O “Macron” do Brasil de 2018, se houver, é aquele que fica no meio, “entre Lula e Bolsonaro”.
E que não é “insuportável” à totalidade dos eleitores de nenhum dos dois.
Dória não se movimenta para se encaixar nesse figurino, como todos constatamos facilmente:
A um “candidato da Lava a Jato” também parece ser difícil não ser “insuportável” ao eleitorado lulista.
Marina, como disse, tem o requisito de ser vazia (ao menos em termos programáticos…).
Mas, também como já observei, de tão vazia não aguenta o tranco.
*
Provocação
Quem será então o “Macron” brasileiro?
Outro candidato, ainda a surgir?
Hmmm…
De repetente, quem sabe…
– …o próprio Lula?!
O Lula…
Que de “radical” nunca teve nada…
Parece-se muito mais com a definição da terceira via (opa!) aí de cima:
(3) Os que ficam no meio do caminho. Sejam céticos, pragmáticos, moderados, conciliadores, centristas…
Sim, ele é empurrado para a esquerda – no discurso e no nicho eleitoral mais restrito que passa a ocupar – quando apanha do establishment…
Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário!
Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.
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