Como Globonews e CBN criaram o “coxinha”

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Como Globonews e CBN criaram o “coxinha”

Romulus: Parênteses: hoje (5a feira 18/5, dia seguinte à divulgação do áudio do grampo em Temer) fiquei o dia todo pendurado na Bandnews, por conta dessa bomba. Fazia anos que não ouvia coisas do gênero, como CBN (que tava fora do ar hoje).
É impressionante como essas rádios de noticia são “para yuppies”:
– Todas têm “colunista de vinhos”; “investimentos no mercado financeiro”; “alta gastronomia”; “viagens”; “empreendedorismo e startups”; “fitness” (sim: em inglês!); “comportamento (descolado)”; etc.
Não é à toa que a classe média brasileira – ouvindo isso 24h por dia (no carro, na sala de espera do dentista, no táxi…) – passou a se achar “empreendedor”, “investidor”, “sofisticado”.
“Muito diferente do povão”, né… fala sério!

O que eles não veem é que não valem o que eles pensam que valem “em dólar”.

O valor deles é diretamente proporcional ao da economia brasileira.
Eles não são “tradable”.
Não podem ser exportados: só o Brasil os compra “pelo valor de face”.
Dessa forma, eles não vão bem se o Brasil for mal.
E aí não podem mais viajar pra Miami com tanta frequência…
Não por acaso, cada grande desvalorização cambial causa um enorme ódio na classe média:
– Da noite para dia ela “descobre” que não vale o que ela achava que valia… “em dólar”.
O novo câmbio, baixo, é o choque de realidade que a acorda do sonho…
– … do sonho ~americano~, bem entendido!
E a nova viagem à Disney, no câmbio desfavorável, esfrega isso, dolorosamente, na sua cara…
De maneira inexorável…
Como só números sabem fazer:
– Você não vale o que você achava que valia…
E é nessa hora que ela se dá conta de que o seu bolso é diretamente proporcional ao – “maldito!” – Brasil.
Sim…
O Brasil daquela gentinha “indolente”, “morena” e nada “refinada”.
Que não sabe harmonizar vinhos, não lê livros sobre “liderança” e que – imagina! – está a anos luz da nova série-fenômeno do Netflix…
Também pudera: nem falar português direito eles falam… que dirá ver série em inglês!
Piada, né?
*
Entendem como o choque cambial é dolorido?
De uma hora para a outra a classe média é lembrada, sem muito tato, de que ela está mais para “aquela gentinha” do que para um…
– … americano!
“Ninguém merece”, né??
Mas é a verdade, ora!
Aceita que dói menos:
– Você, classe média, vale tanto quanto o Brasil – no seu conjunto!
Se ele, como um todo, vai bem, você vai bem…
Se ele vai mal, você vai mal!
*
Problema:
Com o austericídio da “PEC da Morte” – mesmo que focado quase que exclusivamente no povão – não tem como o Brasil – no seu conjunto – ir bem.
Por isso:
Tsc, tsc, tsc, classe média…
*
To divagando, mas enfim…
Dá pra entender em parte o fenômeno “coxinha” ouvindo essas rádios de notícia 24h e a Globonews.
De novo:
– Com “colunista de vinhos” (importado$!); “investimentos no mercado financeiro” (“compro dólar?”); “alta gastronomia” (a “trufa” também é importada, sabe…); “viagens” (em dólar!); “empreendedorismo e startups” (igualzinho à Califórnia!); “fitness” (sim: em inglês!); “comportamento descolado (ou seria “cool”?)”; etc.
*
Ciro: Cara, você vê 4 horas de Globonews por dia e vira um “democrata eleitor da Hillary”. É inevitável…
Romulus: E lógico: linha editorial econômica é a da Febraban. Nas vozes de Miriam Leitão, Sardenberg e cia.
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Com o discurso:
– Isso beneficia você, (projeto de) yuppie!
Malandrão…
Agora você é um ‘investidor’ da Bolsa!
Uau!
E tá no caminho do ~sucesso~ com os preciosos ensinamentos de obras seminais como:
– “Pai rico, pai pobre”;
– “O Segredo”; e
– “O monge e o executivo”.
Já sabe “se vender”, “liderar” e… “empreender”!
Com um arsenal desses ninguém $egura!
E, é claro, na entrada e na saída do quadro daquele colunista econômico na rádio:
– Comercial da corretora!
(“num oferecimento da XP investimentos”)
Sim porque o grosso do dinheiro do (projeto de) yuppie vem de especulação na Bolsa…
E não do salário dele no fim do mês (!)
E, consequentemente, do emprego dele…
Do tra-ba-lho!
(“essa coisa vulgar”)
Portanto, o seu bolso depende MUITO mais de o seu emprego continuar existindo…
Do que de quanto subiram as ações da Vale e do Itaú no trimestre.
Dessa forma, o (projeto de) yuppie depende ~muito mais~ de a economia real ir bem…
Do que de o “Mercado” ir bem.
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*
Ciro: To cheio de colegas, funcionários públicos, defendendo reforma da previdência e reforma trabalhista…
Tenho um inclusive que virou comentarista político de Facebook e ontem estava absolutamente em pânico porque o grampo no Temer ia “tirar o país do caminho das reformas e do crescimento”.
Funcionário público!
Que se falar em privatizar o setor dele dá um chilique… mas, fora isso, quer mais é que privatizem o mundo inteiro…
Patricia: Fala aí a diferença de produção com a TV europeia.
Romulus: Pat, a gente reclama pacas (com razão) das rádios e TVs daqui da Europa… mas não tem comparação, né?
As “reportagens” do jornal da Band eram verdadeiros editoriais. Buscando traduzir em “povãonês” um mantra:
– “político é safado… seu inimigo!”; “a Justiça é mara!”; “as Reformas iam salvar o Brasil… não permita que te tirem – de novo! – do caminho”.
João Antônio: Eu disse isso antes. Essas rádios são muito piores que a TV. No interior não tem tanto coxinha por não ter essas rádios, mesmo tendo TV. Isso é um câncer. TV de notícias tem o mesmo efeito, mas só na classe média…
Ciro: Romulus, traduzindo é assim: “Não pode ter Estado porque, se tiver, eles vão roubar”…e isso tá colando na população.
Mas é esse o mundo com que eles sonham. Um mundo em que Armínios Fragas debatem política pública e que a população fica devidamente afastada de qualquer influência no processo decisório, só escolhendo se mandará o Fraga ou o Meirelles.

Afinal de contas, como eu tenho de ouvir todos os dias e me segurar para não rir: “economia é uma ciência exata”…
Hahaha
Patrícia: Concordo. Antigamente tínhamos pequenos comerciantes, autônomos, profissionais liberais…
Pessoas que tinham um tipo de comércio pequeno ou escritório, consultório…
E que, assim, empregavam algumas pessoas (além da doméstica em casa, é claro!).
Eram tão povo quanto os trabalhadores ou, ao menos, se achavam a parte superior do… povo.
Hoje essas pessoas se consideram “empresários” e se acham “importantíssimas” porque geram… esses empregos.
Ainda acham que só elas trabalham nesse país…
E consideram a classe trabalhadora desprezível: “sempre querendo passar a perna no patrão”.
Romulus: E “mamar no Estado”!

Estado esse que são elas, pessoas “de bem”, as que “trabalham duro”, que sustentam…

– … “com esses impostos altíssimos… uma injustiça absurda!”
– Impostos que, “quando não roubados pelos malditos políticos, são gastos com esses vagabundos aproveitadores…”
– “Vagabundos esses que, reduzidos à sua torpeza clientelista, mantêm esses mesmos ladrões no poder”…
– “Ambos se aliando para, juntos, roubar a riqueza criada pelo Brasil que trabalha”…
– “Num ciclo sem fim de roubalheira institucionalizada!”
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“Hunf…”
– “Brasil de merda! Como eu queria poder morar em Miami!”
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Ou seja: a classe média está no 99% mas se crê mesmo no 1% – e, por isso, sustenta socialmente o interesse econômico do… 1%.
No genial dito que circula pela internet:
A classe dominante não tem ódio.
A classe dominante tem astúcia.
O ódio ela terceiriza e não se expõe.
O que não falta são Bolsonaros (e Bolso-minions!) para defendê-la.
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“Wall St.” – tão perto… e tão distante…

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Atualização 6/6/2017:

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– <<Como Globonews e CBN criaram o “coxinha”>>
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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