No fio da História: partidos, movimentos sociais e ação política. Os desafios, hoje (I)

Por Maria e bate bola do núcleo duro, sobre “A esquerda está viciada em seu próprio conforto”, por Clarisse Gurgel
No fio da história: partidos, movimentos sociais e ação política. Os desafios, hoje (I)

Apesar do risco de atropelamento pela urgência do noticiário, acho que sempre vale levantar alguns temas mais complexos para se entender a lógica da ação política que depois vira… fato estampado no noticiário!

 

Visto recentemente, o registro em vídeo de um encontro da Frente evangélica pelo Estado de direito já havia suscitado entre alguns membros do “núcleo duro” do blog uma discussão interessante sobre a “volta ao trabalho de base” que hoje se reclama aos partidos de esquerda.

 

E então, uma entrevista da cientista política Clarisse Gurgel nos fala sobre as razões da ausência desse trabalho, num contexto em que os partidos priorizam outros meios de ação política.

Minha primeira impressão foi um tanto ambígua, conforme registrei ao compartilhar a entrevista.
Um texto interessante, inovador e ambicioso, mas em relação ao qual tenho algumas (sérias) ressalvas.
A ideia da “acomodação” política dos partidos levanta a questão da exploração de novas formas de ação e seus limites, como no caso do que a autora chama de “ação performática”.
Importante pensar a noção de performance incorporada à ação política, mas talvez não apenas em contraposição à disciplina rotineira da organização partidária e seu trabalho de base (cuja falta é real e deveria ser pensada em maior profundidade).
Tratando das causas desse fenômeno, atribuir ao domínio trotskista da esquerda – e seu horror ao stalinismo – a fragmentação e as pautas identitárias dos movimentos sociais me parece um equívoco, quando não se mencionam os estragos do pensamento e das políticas de cunho neoliberal que hoje se estendem em escala planetária.
Finalmente, as incursões pela psicanálise para explicar essas formas de ação não chegam a me convencer.
E a volta necessária ao trabalho de base como antídoto a essas práticas atuais, que não é uma tese nova, não me parece suficientemente justificada apenas pelo que foi exposto.
De todo modo, um texto instigante que deve servir da base a muita reflexão.
Logo em seguida, porém, eu me vi obrigada a rever minha opinião, numa autocrítica necessária.
Pela minha pressa de falar em ressalvas e expressar discordâncias sem primeiro contextualizar uma autora que desconhecia.
Talvez desculpável pelo interesse imediato despertado pelo tema e, sobretudo, pela abordagem, que conhecia, mas não utilizada nessa área.
Como esperar que, em uma entrevista, um autor pudesse explicar toda sua obra?!
Dois outros textos que me foram indicados puderam esclarecer muita coisa.
De fato, como já havia constatado, trata-se de uma reflexão instigante, resultado de um trabalho competente e inovador de uma especialista na área.
Assim, igualmente indesculpável a leviandade de tomar a entrevista como notícia, informação sobre uma novidade, a ser compartilhada à espera de algum insight, nas trocas rápidas de uma discussão de internet.
Isso quando, de fato, ela deveria ser entendida no contexto do diálogo que a autora estabelece com os clássicos da teoria do partido revolucionário, para pensar partidos, movimentos sociais e ação política na nossa realidade atual.
Eu não queria matéria para reflexão? É o que não falta aqui.
Os demais textos de Clarisse Gurgel serão posteriormente indicados. Por enquanto, fiquemos na entrevista à Carta Capital que primeiro me chamou a atenção. (No texto, as ênfases são minhas.)

Entrevista – Clarisse Gurgel

“A esquerda está viciada em seu próprio conforto”
Por Troy Oliveira — publicado 09/05/2017 00h30, última modificação 17/05/2017 12h09
Para a cientista política, o campo progressista no Brasil prioriza ações performáticas, como marchas, em detrimento do trabalho de base.
Manifestação em Santana do Livramento durante 'greve geral'
‘Estamos vendo a esquerda fazer uso do termo ‘greve geral’ de forma irresponsável’
Professora do departamento de Estudos Políticos da UniRio, Clarisse Gurgel faz a chamada “crítica pela esquerda” dos partidos e dos movimentos organizados hoje no Brasil. Para Gurgel, formada em Artes Cênicas e doutora em Ciência Política pela UERJ, essas organizações centram suas forças em eventos performáticos, como passeatas, manifestações e atos, deixando em segundo plano o trabalho de formação política em sua base. 
Ao tomar de empréstimo termos da psicanálise e do teatro, ela identifica também uma grande dificuldade desses setores em aceitar críticas. “A esquerda precisa ser mais humilde e acolher a diversidade de métodos e de formas de pensar. Hoje, ela está viciada no próprio conforto e qualquer sujeito que a critique é expurgado”. 
Na entrevista a seguir, ela analisa o modus operandi da esquerda hoje, o legado de junho de 2013 e a greve geral de 28 de abril. 
CC: No artigo “Ação performática: sintoma de uma crise política”, você apresenta a ideia que a ação performática está sendo usada como tática preferencial da esquerda hoje no Brasil. O que é ação performática? Como ela se manifesta nos dias de hoje?
Clarisse Gurgel: O termo vem do teatro e da ideia de performance teatral. A performance tem esse caráter de simular algo extraordinário, fora do cotidiano. É uma ação efêmera, pouco ensaiada, que ocupa o espaço público também de uma forma pouco usual ou regular.
A ideia de me apropriar do teatro para descrever como a esquerda atua era uma tentativa de me apropriar do tempo e do espaço dessa forma especial de teatralização, dessa forma específica de fazer política hoje.
CC: Que forma de fazer política é essa?
CG: Em resumo, é você simular que está sendo espontâneo e atuar de forma efêmera, ou seja, sem continuidade. É priorizar eventos, como atos, marchas, passeatas, abraços a monumentos etc. O centro no evento é tão grande que a esquerda cai na própria armadilha de, por exemplo, ocupar um espaço e depois não saber sair dele. E, ao sair, acabar derrotada ou desgastada.
A ação da esquerda hoje não tem muitos desdobramentos, é concentrada no tempo presente. O curioso disso é que essa tentativa de simular uma espontaneidade é, na verdade, uma tentativa de fugir de um estigma que associa a esquerda ao autoritarismo, ao stalinismo, ao burocratismo. Tentando fugir desse estigma, o diagnóstico que eu faço é que a esquerda acaba por reforçá-lo.
CC: Como assim?
CG: Essa tentativa de fugir do estigma do burocratismo faz com que a esquerda priorize a política como evento. Só que, assim, ela mesma se burocratiza mais, porque deixa de dedicar o seu tempo a um trabalho continuado de formação política, de propaganda e de agitação e passa a se concentrar única e exclusivamente a organizar o evento, descolando-se ainda mais de suas bases sociais.
Esse estigma vem, em especial, do stalinismo. O stalinismo é um fenômeno que merece mais atenção, porque, muitas vezes, ele é resumido a um processo de burocratização. Mas a leitura que se fazia do stalinismo como um fenômeno de excesso de burocracia e de uma rigidez muito grande por parte do partido bolchevique gerou uma reação que eu identificaria em dois fenômenos.
CC: Quais?
CG: Um é a rejeição à própria forma de organização em partido. A outra é uma preponderância das bandeiras identitárias. Acho que a gente vive esse reflexo até hoje: a rejeição ao partido e a preponderância das pautas identitárias como contraponto a categorias mais universalizantes, como a própria categoria de classe.
Então, em face disso, o que acontece é um movimento, em especial, que tem como vanguarda o movimento trotskista, que vai vir na contramão desse diagnóstico da burocratização. O trotskismo tem como bandeira o combate à burocracia do partido e em especial o burocratismo. A burocracia é um mecanismo de segurança de qualquer organização coletiva, mas o burocratismo, a exacerbação da burocracia, passa a ser alvo do trotskismo.
Em especial, nas décadas de 80 e 90 para cá, o trotskismo passa a ser a corrente hegemônica no campo da esquerda no mundo, em especial, naqueles partidos que tem referencial no bolchevismo. Esse trotskismo vem acompanhado de um receio, um certo constrangimento, e eu aponto até para um aspecto meio patológico da rejeição a sua própria forma, a forma partido. Num sujeito coletivo, a rejeição a sua própria forma gera consequências graves.
CC: Quais são elas?
CG: A rejeição à sua própria forma, que aponto nas legendas revolucionárias ou contra-hegemônicas, leva o partido a atuar de uma forma que parece lembrar esses fenômenos de compulsão, identificados pela psicanálise, de infligir em si mesmo certos ferimentos. Isso marca uma presença, você se sente existindo e, ao mesmo tempo, produz o efeito de chamar atenção para si. Mas é o que se chama de Passagem ao Ato.
Uma repetição de comportamentos que revela um desencontro patológico do sujeito com seu próprio corpo, sem um exercício de elaboração, por uma suposta perda da influência de um Grande Outro. Algo que nos faz lembrar a bulimia, a anorexia e tem seu extremo no suicídio.
Mas há outra forma de compulsão que se chama na teoria psicanalítica de “acting out”. O acting out é uma forma de repetição em que o sujeito finge agir espontaneamente, mas está repetindo algo que ele já fez, na tentativa de que aquele que lhe negou a escuta, o ouça dessa vez.
E esse que lhe nega a escuta eu identifico como a grande mídia, que não deixa de ser um grande outro. Por isto, a ação performática estaria mais próxima de ser um acting out.
CC: Pode dar um exemplo?
CG: Há um exemplo muito interessante: um ato em apoio aos iraquianos na época da ocupação americana no país, em 2003. Na ocasião, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, foi até o Iraque e um jornalista arremessou um sapato em sua direção.
No Rio de Janeiro, foi organizado um ato em apoio aos iraquianos em frente à embaixada americana. E, para o ato, se organizou uma atividade em que os militantes jogariam sapatos na embaixada. É interessante porque era para mostrar que aquilo era espontâneo, fruto do acirramento dos ânimos dos manifestantes, mas os próprios manifestantes levaram um par extra de sapatos para jogar – e aqueles que estavam efetivamente com os ânimos acirrados, e pegaram carona naquele preparativo, quiseram jogar seus próprios sapatos nas vidraças da embaixada.
Nesse momento, os organizadores disseram no microfone para os militantes não jogarem na fachada, mas do lado, porque tinha sido combinado com os policiais que não haveria danos ao patrimônio.
Essa é uma ilustração perfeita do que é a tentativa de entrar em uma pauta midiática sem criar danos reais, na perspectiva de ser bem narrado – e descolado completamente dos anseios efetivos daqueles que estavam dispostos a demonstrar apoio aos iraquianos.
É um caso exemplar de acting out, porque é um sujeito repetindo um ato, na tentativa de ser ouvido.
O problema é que, quando você procura se desimplicar do próprio ato, na expectativa que o outro lhe dê sentido, você fica muito refém do outro. E a grande mídia não é companheira na hora de narrar os atos da esquerda, em especial da esquerda contra-hegemônica.
CC: É possível identificar isso em 2013, quando houve grandes atos com a presença da mídia?
CG: Sem dúvida. Acho que 2013 é o ovo da serpente de 2017. O que vivemos em 2013 foi uma experiência estritamente de agitação, que é você ir para a rua e denunciar. Quando você resume a prática política à mera agitação, sem um conteúdo que signifique propagar e enraizar esse discurso no imaginário, o que acontece é que aqueles que estão mais organizados e tem mais estrutura pegam carona e imprimem à agitação o sentido que querem.
CC: Como isso aconteceu em 2013?
CG: O ato começou com um movimento que tinha uma bandeira clara, contra o aumento da tarifa de ônibus. Era um movimento de uma vanguarda de jovens, que, mesmo rejeitando os partidos, era satélite deles, e que se reivindicavam autônomos e horizontais.
Aquele ano começa com a expressão disso e com os partidos pegando carona ali, tentando levar para o movimento estudantil e a classe trabalhadora as repercussões da organização desses movimentos sem estrutura. Com a aproximação dos partidos, começam as tensões, que são herdeiras disso de que ainda temos dívida, em relação a elaborar a respeito, que é essa herança do stalinismo. Então, os conflitos internos à esquerda começam a surgir, entre organizações sem estrutura e os partidos da vanguarda.
Paralelo a isso, os setores conservadores começam também a ocupar as ruas e pegar carona também no movimento, entendendo, e a direita cada vez mais entende, que ela precisa recuperar – curiosamente – o repertório da esquerda.
Ela começa a recuperar, não é nem fazer uso, é recuperar o repertório da esquerda. A palavra de ordem “vá para a rua” quem propaga é a direita e, sem dúvida, como fruto de uma ausência de quadros na direita. Setores conservadores vão para as ruas na perspectiva de deslocar o espaço da política para a rua, para fazer dali um terreno fértil em que surja um quadro (que até agora efetivamente não surgiu).
De lá para cá, o que temos é um processo de acirramento efetivo dos ânimos, quase como um clima de pânico generalizado e fantasioso por parte da direita e da classe média, que começam a perder espaço em face da crise econômica. Esses atores ocupam as ruas e vão dando volume para qualquer palavra de ordem ou “significante mestre”, para usar um termo em voga.
CC: O que é isso?
CG: Significante mestre é qualquer som que tenha o efeito de uma mãe dizer a uma criança: “é porque é”. Isso é significante mestre. A criança pergunta o porquê e você responde “porque sim”. O significante mestre tem esse poder. Em meio a uma multidão volumosa, aqueles que têm recursos, como a FIESP, por exemplo, têm plenas condições de colar ali o significante mestre que quiser. Por exemplo, bordões do antipetismo ou dizer que o Brasil vai virar Cuba.
CC: E com isso a luta pela tarifa de ônibus fica para trás.
CG: Sim. Hoje vivemos o reflexo de 2013: uma conjuntura em que tem uma massa de trabalhadores que não se espelham em nada e uma esquerda que perdeu um aspecto que era uma marca dela, que é a disciplina e a organização. Nesse contexto, qual é o melhor quadro político hoje?
É essa figura que não espelha ninguém e se revela um indisciplinado por excelência. Ou seja, aquele que não está vinculado a um partido e que age por si só. Por isso, figuras como o prefeito de São Paulo, João Doria, colam muito bem hoje. Ele não tem lealdade alguma a qualquer estrutura e tem uma coisa que, no contexto de crise econômica, é aquilo que podemos dizer que é a esperança de um povo que anseia pelo nada: o sucesso.
CC: Dentro desse contexto, como você analisa os movimentos de “greve geral” realizados em 28 de abril?
CG: Usa-se o termo “greve geral” para anunciar algo que, pelos preparativos e ensaios de paralisação, cresce no espaço e no tempo, ganhando aderência de diversas categorias e perspectiva de duração para além de um dia. O que é geral requer subsolo. E sendo uma greve desta natureza, cujo caráter político prevalece, a questão sobre a direção que assume um movimento paredista é fundamental para medir sua real generalidade, em termos de adesão massiva a um conteúdo comum. O êxito do dia 28 se explica por diversas razões que extrapolam a real capacidade hoje da esquerda organizar e mobilizar.
Quando você ameaça o capital, alardeando uma greve geral sem estas condições, provavelmente estaremos diante de um uso performático de um termo, e de um termo importante para a classe trabalhadora, que não pode ser usado de forma irresponsável.

É interessante, no dia da greve, o Michel Temer lançou o “cartão reforma”, um cartão para ajudar em obras. E, sem dúvida, ele tentou disputar o significado de “reforma”. No dia do ato contra as reformas trabalhista e previdenciária, ele lança o cartão reforma. Esse uso pouco honesto de um significante que é de peso, lembra um pouco o uso descuidado, por parte da esquerda, do termo greve e, em especial, greve geral.
Nós estamos vendo, sucessivas vezes, o uso do termo greve sendo feito pela esquerda de forma irresponsável. Quando, por exemplo, setores da educação aderem a uma greve já com prazo para terminar, que é a data de votação do orçamento do governo federal no Congresso. Imagine o que é começar uma greve já com prazo de validade: isso esvazia de sentido a palavra greve.
Por isso digo que não é só a ação performática, a própria narrativa é também performática. Então, fazer uma greve com prazo de validade chega a ser cômico, porque o patronato apenas espera.
Eu não posso dizer também que, na conjuntura de desorganização em que estamos, que a paralisação do dia 28 de abril não foi um sucesso. Para a conjuntura foi. E também não vou fechar os olhos para um dado novo, que é a adesão de setores da sociedade civil não integrados à vanguarda ou habituados à militância e à atuação coletiva, como, por exemplo, os professores da rede privada.
Mas eu queria registrar um ponto sintomático de tudo isso. Seja a adesão de setores novos ou a paralisação de setores de vanguarda, nenhuma das ações conta com organicidade necessária para os governantes sentirem que a gente não só resiste.
Existe uma diferença entre resistir e se insurgir. E quando a esquerda rejeita a forma partido, você tende a duas ações: uma delas é a de resistência, ou seja, imprimir obstáculos em face de uma certa política; e o outro é produzir modos de vida paralelos ao que existe hegemonicamente.
Essas duas formas de ação – produzir modos de vida paralelos e resistir produzindo obstáculos – não incidem diretamente na estrutura de poder, que permanece existindo. Ela pode não avançar em face desses obstáculos, mas, fora isso, ela fica intacta.
E perde-se de perspectiva a ação insurgente, que é colocar em ameaça a própria estrutura de poder. Isso é outro aspecto que se perdeu em face da crítica à forma partido. 
CC: Um movimento essencialmente performático é capaz de fazer oposição real a um governo como o de Michel Temer?
CG: Eu não acredito. Eu não tenho dúvidas de que 2013 foi o ovo da serpente chamada Michel Temer, que nem se chama Temer, mas, sim, PSDB. Mas eu não digo que as manifestações da direita foram as responsáveis por derrubar a Dilma.
Na verdade, a estratégia de derrubar a Dilma impulsionou os conservadores a ficarem nas ruas. Essa é a diferença de você entender um movimento organizado, cuja ação na rua é fruto do acirramento. Quando a esquerda parte da ação da rua, ela está invertendo o processo. Ir para a rua é o ápice.
A esquerda precisa recuperar a ação que fazia nos locais de trabalho, nas associações de moradores, nos núcleos partidários, nos movimentos sociais. Isso se perdeu e, atualmente, o sujeito que faz esse trabalho são as igrejas, oferecendo serviços de assistência social e fazendo até o papel de mediadora de conflitos, entre traficantes e moradores da favela. É claro que igreja e tráfico não deixam de ser braços do capital. Isto facilita muito o trabalho destas instituições. Mas, tal como a igreja, a esquerda precisa encontrar meios de voltar a estar presente cotidianamente na vida dos trabalhadores. De início, fazendo as vezes da face propositalmente ausente do Estado. Este é um trabalho primário, de dia a dia.
CC: Esse diagnóstico de que a esquerda precisa voltar para a base não é novo e, na verdade, já virou um lugar comum. Por que é tão difícil colocar esse discurso em prática?
CG: Em primeiro lugar, para fazer isso é preciso que os quadros da esquerda não façam só a autocrítica pública, mas imprimam um desdobramento prático à autocrítica.
E como fazer esse desdobramento? Os quadros precisam estar dispostos a acolher, em seus aparelhos, sindicatos, centros acadêmicos, diretórios, comissões de fábrica, etc., novos membros, com mais coragem para se apresentarem às bases em nome de um partido ou organização. Porque o que está acontecendo é que a esquerda está envergonhada.
Quando ela vai à base é nos processos eleitorais internos, como uma eleição do sindicato. Fora disso, ela se recolhe e, vamos ser justos também, porque os próprios militantes precisam correr atrás de um ritmo de produtividade imposto pelo capital. Veja, o militante tem que responder ao patrão e também ao partido que também funciona como uma empresa, que estabelece metas para o militante. Ele precisa dar retorno sobre número de votos, de panfletos distribuídos etc.
Essa numerologia do trabalho do militante, seja o trabalho para o seu patrão do capital ou para o patrão do partido, esvazia de conteúdo efetivo a prática do militante.
A esquerda precisa ser mais humilde, mais disposta a acolher uma diversidade de métodos e de formas de pensar, porque a esquerda viciou-se em seu próprio conforto. Qualquer sujeito que critique seus métodos é expurgado. Não basta a autocrítica pública, é preciso acolher a crítica do companheiro.
CC: Como essas críticas são recebidas? 
CG: Qualquer um que faz críticas “pela esquerda” à esquerda é visto como alguém que alimenta e favorece a direita. Quando a esquerda perceber que a crítica pela esquerda é algo que faz com que ela avance, ela avançará.
*
Eis algumas reações iniciais à entrevista, a partir de minha primeira postagem.
Sandra: Eu já tinha lido e tenho concordâncias e ressalvas tb
Piero: Que dizer? Essa é daquelas entrevistas que vc diz: acertou demais, errou bastante.
Gostei muito mais das análises sobre a direita do que das sobre a esquerda. Essas do trotskismo e stalinismo também não me convencem.
De todo jeito, tem uma originalidade aí. Muito melhor que 90% do que a gente vê aparecendo com insistência…
Enfim, teu comentário não poderia ser mais preciso, Maria!
Maria: Acho que o que ela busca é um contraponto mais “ortodoxo” de esquerda a teorias como a da Judith Buttler, feminista identitária radical, de quem você não gosta.
Mas Buttler de fato te obriga a pensar o novo ao falar em política dos corpos na ocupação do espaço público*.
A novidade é pensar isso como performance, o que dá pano pra manga.
Dorotea apontou com razão a diferença entre manifestações de esquerda e de direita, que ela não leva em conta.
Acabei de partilhar um artigo de Fernando Horta sobre o ~processo político~ que leva à mistura de ambas. Nada a ver com trotskismo (ou não só), mas muito a ver com a sociedade do espetáculo do mundo neoliberal.
No mais, fico felizinha de você concordar com minhas discordâncias.
*Aqui algumas referências para aprofundar a questão:
1) BUTTLER, Judith. Towards a performative theory of assembly.pdf
2) Judith Butler: “A Politics of the Street” | Spring 2002 Wall Exchange
https://i.ytimg.com/vi/ylCHV19f8DE/hqdefault.jpg?custom=true&w=168&h=94&stc=true&jpg444=true&jpgq=90&sp=68&sigh=9Sp9Sn4Awr1bqztsXokr6rxlzCY
3) La resistencia política como acto corporal: Judith Butler
https://i.ytimg.com/vi/8sPZE32eCUU/hqdefault.jpg?custom=true&w=168&h=94&stc=true&jpg444=true&jpgq=90&sp=68&sigh=SQzENiCbd2YKQ8UYebXAc3Xbgh0
4) Violencia, pensamiento y crítica con Judith Butler
Dorotea: Tenho muitas ressalvas também e não sei se entendi bem o que ela quer dizer por ações políticas performáticas.
Abraçar um prédio, atirar um sapato na embaixada, ocupar uma escola? Não vejo pq ela as desqualifica, dizendo que elas traem a falta de espontaneidade.
Todas essas ações partem de gestos espontâneos, às vezes de um único indivíduo, como no caso do sapato, e se massificam pelo potencial comunicativo que têm.
A contraposição à disciplina de organização partidária não faz nenhum sentido para mim.
Porque não podem atuar simultaneamente?
É o caso de perguntar também se ela acha que a atuação política é prerrogativa exclusiva de indivíduos com vinculação partidária formal. 

Sobre as incursões pela psicanálise, a aplicação do termo ‘acting out’ às ações políticas performáticas mais confunde que explica qualquer coisa.
‘Acting out’ é manifestar pela ação (impulsiva) o que não é consciente, o reprimido, que por isso não pode ser expresso em palavras ou numa ação planejada. Enfim, não tem nada a ver. 

Independente da necessidade de organização pela esquerda de manifestações continuadas e mais efetivas, e de maior participação política de base, o que até as pedras sabem que se perdeu, importante é compararmos as “carnapasseatas” da direita – sem bandeiras (só com uniforme da seleção), com todos fantasiados, cada um querendo ser mais engraçado, mais parecendo disputa com as paradas gay e televisionados de cabo a rabo – e as manifestações da esquerda.
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Aquelas, sim, me parecem totalmente desprovidas de autenticidade e espontaneidade.
Regina: Excelente comentário, Dorotea.
Dorotea: Outra coisa, a busca de ser ouvido “pelo grande outro” (isso ela tirou do Lacan, que se referia ao analista, destinatário do “acting out”) a grande mídia, vejo nas manifestações dos coxinhas, que até mostravam os peitos para atrair a atenção dos cinegrafistas.
E os elogios à alegria, à paz e à organização são a tônica das reportagens. 

As manifestações políticas de esquerda são interpretadas, estereotipadamente, como de vândalos, de vagabundos, de paus mandados pelos sindicatos, etc.
Duvido que um único militante de esquerda tenha a esperança de ser ouvido e, principalmente, entendido pelo “grande outro”.
Regina: Perfeito. Faltou justamente ela considerar a ação da mídia na desqualificação das manifestações da esquerda e os efeitos de tal desqualificação na ação da esquerda.
Maria: Dorotea, performance, conceito saído do teatro, tem sido usado em outras áreas para analisar formas coletivas de comportamento de agentes sociais, p. ex., num excelente núcleo de estudos da USP, Antropologia, performance e drama – NAPEDRA*.
Mas acho que a moça usa mal a própria teoria da performance ao limitar o enfoque às ações espontâneas e sua autenticidade.
O fato de dramatizar simbolicamente um acontecimento e act it out (no sentido teatral, não psicanalítico, embora também tenha relação) como ação performática dá, sim, lugar ao que é “espontâneo”, isto é, não previsível (e até inconsciente, mas capaz de “contágio” e massificação pelo seu poder comunicativo), mas também exige organização, no teatro tanto quanto numa manifestação política.
.
O que me parece interessante é falar disso como
uma nova forma de ação política, que vale pensar por ela mesma, como algo próprio à sociedade pós-moderna
da comunicação instantânea e do espetáculo,
e não só como contraponto à ação partidária organizada, desqualificando a priori essa “novidade”.
O seu comentário, excelente no conjunto, tem razão em apontar as diferenças entre manifestações de direita e de esquerda, que não são levadas em conta, o que distorce a análise, numa generalização vazia.
O artigo do Fernando Horta que compartilhei agora trata do processo de aproximação entre as duas coisas.
E se se trata de pensar a necessidade da ação organizada a partir da volta ao “trabalho de base”, acho que o vídeo de um encontro da Frente evangélica pelo Estado de direito que comentamos faz os evangélicos (!!?!!) nos darem uma lição definitiva, que lembra de perto o trabalho das CEBs na época da Teologia da Libertação do Vaticano II, dentro da qual nasceu o PT. Vale conferir! 
Finalmente, o acting out da ação performática no plano social e político tem, sim, a ver com o inconsciente psicanalítico.
Mas o “reprimido” que emerge é tudo aquilo de que a sociedade “não pode” falar, sob pena de desnudar o que precisa esconder para funcionar “normalmente”, como se está vendo no horror do noticiário atual:
“Por trás da cena está o obsceno”, como diz Contardo Calligaris…
Por isso o “Grande Outro” lacaniano pelo qual se almeja ser ouvido está longe de ser a mídia, como se propõe na entrevista.
Aqui, é a sociedade inteira que ocupa agora o lugar do analista, e é na cara da sociedade que essa “verdade” (“moi, la vérité, je parle” sobre o imaginário + o simbólico que constituem o “real”), inconveniente e indesejada, precisa ser jogada, porque esta escuta é condição de “consciência”, “cura” e “transformação” social. Pelo menos é assim que eu leio a referência psicanalítica do texto.
Penso que melhor seria, para caracterizar esses processos, voltar ao “narcisismo”, como faz o Fernando Horta.
Anyway, obrigada pela contribuição de seus comentários tão pertinentes. Ajudam a pensar alguns dos problemas que mais me inquietam sobre os nossos caminhos políticos daqui pra frente, como a desconstrução da “cultura do ódio”, sem a qual a gente caminha direto pro fascismo neste país.
*Algumas referências:
Antropologia e Performance: ensaios NAPEDRA, de John Dawsey, Regina Müller, Rose Satiko e Marianna Monteiro (orgs.) http://www.terceironome.com.br/antropologiaeperformance.htmlhttp://www.terceironome.com.br/media/catalog/product/cache/1/image/840x668/17f82f742ffe127f42dca9de82fb58b1/a/n/antropologia_e_performance_-_9788578161279.jpg

John Dawsey – Turner, Benjamin… Campos 7(2):17-25, 2006.
Turner, Benjamin e Antropologia da Performance:  
O lugar olhado (e ouvido) das coisas
John C. Dawsey
USP
Um dos momentos mais expressivos para se pensar o surgimento da antropologia da performance ocorre nos anos de 1960 e 1970, quando Richard Schechner, um diretor de teatro virando antropólogo, faz a sua aprendizagem antropológica com Victor Turner, um antropólogo que, na sua relação com Schechner, torna-se aprendiz do teatro. Creio que esse encontro seja particularmente propício para se discutir o tema que se enuncia em subtítulo desta mesa: “abordagens teóricas num campo emergente no Brasil”. Evocando-se a etimologia da palavra teoria, que, assim como a de teatro, nos remete ao “ato de ver” (do grego thea), o empreendimento teórico sugere algo que poderíamos chamar, tal como Roland Barthes (1990:85) chamou o teatro, de um “cálculo do lugar olhado das coisas”. Daí o exercício que aqui se propõe: repensar o lugar olhado das coisas na antropologia da performance. Isso, a partir de uma audição dos ruídos.
À primeira vista, ao passo que se detecta na obra de Turner um percurso que vai do ritual ao teatro, na de Schechner emerge um movimento contrário, do teatro ao ritual. Na configuração de movimentos contrários e complementares irrompe um dos momentos originários da antropologia da performance. A seguir, pretendo me deter no percurso de Turner.
Convido os leitores (ou ouvintes) a se imaginar, tal como me imagino, em meio a uma espécie de rito de passagem. Iniciamos com um rito de separação, saindo de um lugar (supostamente) familiar: os estudos de Turner sobre ritos e dramas sociais. O movimento nos leva em direção a um lugar menos conhecido, onde nos deparamos, tal como num rito de transição, com um conjunto de escritos ainda não traduzidos de Turner. Nessa experiência de tomb and womb, de natureza exploratória e não-resolvida – no límen de sua obra –, entra-se em contato com alguns dos textos uterinos da antropologia da performance e da experiência. Um detalhe: a noção de drama social reaparece nesse límen sugerindo a possibilidade do terceiro momento de um rito de passagem, o regresso – num rito de reagregação – ao lugar (estranhamente) familiar. Porém, ao invés de fazermos esse regresso talvez seja mais interessante explorar o límen da escritura de Turner. Aproveitando o impulso de um movimento que nos leva às margens, vamos, então, às margens das margens. Ali, alguns dos ruídos suscitados por textos de Victor Turner podem evocar o pensamento de Walter Benjamin. (…)
Dorotea: Maria, estou me inteirando dos estudos s/ a adequação dos conceitos de ação performática do teatro e acting out da psicanálise às análises de formas coletivas de comportamento, como o caso que nos preocupa e mobiliza, as passeatas. 
A psicanálise sempre teve essa virtude de saltar além da clínica e deitar seu olhar sobre tudo. 

Logo que tiver tempo, vou agregar mais reflexões (melhor fundamentadas) ao seu interessantíssimo desafio. 
Regina: Tenho cá minhas dúvidas quanto ao domínio trotskista da esquerda… E você poderia também postar o vídeo?
Maria: Você está vendo algumas respostas nestes comentários e no artigo de Fernando Horta também postado aqui. Quanto ao vídeo, vai a seguir, com alguns comentários.
*
Em se tratando, na entrevista da cientista política Clarisse Gurgel, da “ação performativa” frente ao “trabalho de base” ao qual os partidos de esquerda são chamados a voltar, deve-se considerar com atenção a iniciativa de um movimento onde não esperaríamos reencontrar com tal clareza esse tema.
Trata-se da Frente evangélica pelo Estado de direito.  Este é o link do vídeo que documenta um encontro do grupo.  
"Encontro da Frente evangélica pelo Estado de direito BH, na casa do jornalista !"
Paulo Verdolin fez uma transmissão ao vivo.
29 de maio às 20:10 · Encontro da Frente evangélica pelo Estado de direito BH, na Casa do Jornalista !
Convém acrescentar a discussão que suscitou.
Maria: Nossa! Registro de um encontro extraordinário! Que não poderia vir em melhor hora! Louvado seja Deus!
Cada um levantou um aspecto importante desse universo evangélico que é fundamental na luta pela democracia.
Anoto alguns.
Todos falaram da importância desse discurso religioso como de uma profunda convicção que os leva a tomar posição neste momento.
Um deles mencionou a presença desses valores religiosos na base de algumas das grandes revoluções do passado que moldaram a história moderna.
O outro (pastor) lembrou a presença e a influência da Igreja católica na fundação do PT. Esse é, como todos mostraram, um campo privilegiado para viabilizar a luta política.
Com a imensa vantagem de traduzir,
em termos de um universo conhecido das pessoas, valores do universalismo iluminista que fundamentou o pensamento de esquerda e que também é a base de uma leitura radical do cristianismo.
[Ou a possibilidade de passar do “senso comum” ao “pensamento crítico”, diria Gramsci…]
Há tempos falei que, contra o individualismo consumista da sociedade do espetáculo e do pensamento neoliberal, era preciso recuperar noções de coletividade, comunidade, solidariedade. Eles nos mostram como isso é possível.
Valdir: Maria, você tem razão, existem alguns aspectos que são importantes frisar …
Os evangélicos, principalmente Assembleia (fundada no Brasil pelos estadunidenses), apregoam que o Papa é comunista e lá nos Estados Unidos eles tem feito campanha contra a igreja católica argumentando isto, e que a igreja católica é ligada financeiramente com o Soros.
Desta forma eles vêm incentivando o ataque à igreja e ao Papa. A página em que há teoria sobre este assunto por parte da Assembleia é esta aqui https://yorechildren.com/
August 23, 2016
ImageAmong the many smoking guns uncovered in the Wikileaks data dump, lurks documents that should give Catholics great concern. The latest Wikileaks data dump of internal records from George Soros’ Open Society Foundation exposes the most shocking of all his political alliances. According to the leaked Open Society Foundation documents, George Soros funds efforts to promote his radical socialist agenda of income inequality by using the bully pulpit of Pope Francis. Soros seeks to “engage the Pope on economic and racial justice issues” by lobbying the Vatican.(…)
Agora tente adivinhar quem aqui reproduz estes assuntos?
Ela (Elisabeth Yore) é ligada a um dos Koch e também ao senador que interferiu no caso de Honduras, bem como na indicação do embaixador para o Brasil (o mesmo que estava em Honduras na época)
Maria: Essas informações sobre a ligação da Assembleia com o pior do mundo big business, financista e da comunicação, são de arrepiar, Valdir.
Eu conheço um pouco desse universo, mas por dentro, em termos de doutrina e igreja, e não de sua inserção social mais ampla, exceto pelo efeito ideológico na cabeça das pessoas.
IGREJA ELETRÔNICA: PROPAGAÇÃO DA FÉ NA CULTURA MIDIÁTICA BRASILEIRA
Adriana THOMÉ
INTRODUÇÃO
Durante toda a sua história, a televisão brasileira nunca teve uma programação religiosa tão grande. Inúmeros programas são apresentados todos os dias em vários canais, por todo o país. A “Igreja Eletrônica”, iniciada nos Estados Unidos da América (E.U. A), veio para ficar, no Brasil.
A percepção da realidade latino-americana é marcada pela situação de miséria das maiorias populares. Os documentos de Medellín, Puebla e tantos outros são explícitos neste ponto. Isto definiu a escolha do público dos programas religiosos da TV. Nesse contexto as igrejas históricas perderam espaço para as igrejas pentecostais, uma vez que manifestaram certa lentidão em adequar sua mensagem as necessidades materiais e religiosas das classes populares.
A Igreja Eletrônica dos EUA coincide com esses evangelistas atuantes na América Latina na medida em que, também ela, articula os códigos de suas mensagens ao redor das inseguranças, medos e incertezas próprias do desvairado capitalismo campeante naquele país. Mas na América Latina, os “milagres” as “curas divinas” e as “curas divinas” e as promessas de “salvação”, embora se valham igualmente de supostas intervenções divinas e recursos psicológicos triviais, se abastecem, sobretudo, de um referencial básico: a miséria extrema. (Hugo Assmann. A Igreja Eletrônica e seu impacto na América Latina, p.80) (…)
Também já discutimos longamente as igrejas neopentecostais e a teologia da prosperidade.
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OS NEOPENTECOSTAIS E A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE
Ricardo Mariano
RESUMO A Teologia da Prosperidade consta entre as principais mudanças doutrinárias e axiológicas ocorridas no chamado neopentecostalismo, vertente pentecostal encabeçada pela controversa Igreja Universal do Reino de Deus. Defendendo que os cristãos, enquanto sócios de Deus ou financiadores da obra divina, estão destinados a ser prósperos, saudáveis, felizes e vitoriosos em todos os seus empreendimentos, esta teologia, oriunda dos EUA, derruba por terra o velho ascetismo pentecostal, prejudica a imagem pública deste grupo religioso e concorre para pôr em xeque a tese que vê afinidades entre o pentecostalismo e o “espírito do capitalismo”. Palavras-chave: neopentecostalismo; teologia da prosperidade; ascetismo; capitalismo.
No entanto, alguns movimentos recentes no campo neopentecostal, e justamente no interior da IURD, trazem à tona uma surpreendente reaproximação com o “espirito do capitalismo”.
Trata-se da promoção de um novo individualismo competitivo associado à noção de empreendedorismo, que vem cada vez mais ganhando espaço nessa igreja.
As consequências sociais e políticas são imensas, pois isso acaba por minar as bases do associativismo operário, que sempre foi a base do pensamento de esquerda e da ação sindical e partidária.
COMO A SUBSTITUIÇÃO DO ‘TRABALHADOR’ PELO ‘EMPREENDEDOR’ AFETA A ESQUERDA
Como a substituição do 'trabalhador' pelo 'empreendedor' afeta a esquerda
João Paulo Charleaux – Discurso do PT passa por transformação profunda, com queda no sindicalismo e ascensão de autônomos e pequenos empresários. Novo cenário impõe desafio para o futuro da esquerda, diz antropólogo Carlos Gutierrez ao ‘Nexo’
O Partido dos Trabalhadores saiu desta eleição municipal de 2016 como um partido mais fraco e cada vez menos ligado aos trabalhadores. O binômio que justifica o nome da sigla perdeu grande parte do seu sentido original. E da mística de seu propósito de fundação também. (…)
“Há um processo de desconstrução da noção de classes sociais”, disse ao Nexo o antropólogo Carlos Gutierrez. Esse processo “faz com que não pensemos mais a partir da dicotomia operários e patrões, mas sim como colaboradores de um mesmo ideal, sem divergências de interesses. Isso mina a crítica social da esquerda e explica, em parte, o momento de sua derrocada no mundo”. (…)
O crescimento evangélico tem sido um dos vetores de transformação dessa mentalidade, sobretudo nas periferias. Se nos anos 1970 a Igreja Católica politizava os “trabalhadores”, hoje as igrejas evangélicas politizam os “empreendedores” (…). http://controversia.com.br/2061
Por outro lado, na esfera política, um dos elementos cruciais nos bastidores da eleição de Crivella no RJ foi a disputa entre a IURD, a Assembleia e denominações do protestantismo histórico como os presbiterianos.
Religião e Política:
medos sociais, extremismo
religioso e as eleições 2014
Autores
Christina Vital da Cunha
Paulo Victor Leite Lopes
Janayna Lui
Fundação Heinrich Böll Brasil & Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Rio de Janeiro, 2017
Enfim, todo mundo sabe do crescimento assombroso dos evangélicos, sobretudo neopentecostais, no Brasil, a ponto de constituírem uma força política considerável, representada por aquela abominação chamada “bancada da Bíblia” no Congresso.
Pois bem, é exatamente por tudo isso que eu acho que é preciso prestar a máxima atenção ao vídeo desse encontro que você mesmo postou, da Frente Evangélica pelo Estado de Direito.
*
Dentro desse universo, é uma primeira iniciativa sistemática de oposição a todo esse horror e, sobretudo, uma incrível lição de política para todos nós.
Por isso me propus comentar alguns aspectos desse movimento inédito e mais que bem-vindo.
Começo pelo pastor, que iniciou sua conversa perguntando a que igreja pertenciam as pessoas do público, para mostrar a enorme diversidade de denominações sob a mesma designação de “evangélicos”.
E por que, apesar disso, todas se diziam igrejas “cristãs”.
Para, enfim, mergulhar no sentido profundo dessa palavra, numa leitura absolutamente radical do fundamento igualitário e comunista do cristianismo.
De repente eu me senti de volta aos tempos do Vaticano II da Teologia da Libertação, ouvindo uma pregação que encheria de alegria o Papa Francisco!
Aliás, nenhum sinal de sectarismo no discurso, que mencionou o fato de inúmeros pontos doutrinários de algumas igrejas evangélicas serem herdeiros diretos da Rerum Novarum.
E uma distinção radical, em relação à nossa ideia do senso comum sobre os evangélicos exploradores da fé do povo, na definição do papel do pastor: servir a Deus, no cuidado dos pobres, necessitados, injustiçados, cabendo aí todas as vítimas de preconceito, discriminação, perseguição, negros, mulheres, LGBT, imigrantes.
E, no contexto atual do Brasil, todos os trabalhadores cujos direitos estão ameaçados pelo golpe.
Assim como os manifestantes que saem às ruas para denunciar isso e são confrontados pela violência da repressão.
Tal como os jovens negros assassinados nas favelas pela polícia etc. etc.
Assim, a ideia de “justiça divina” – arraigada no povo – mostra sua descrença nas instituições judiciais ou em qualquer justiça para os pobres numa sociedade desigual.
E este é o mote para a entrada num discurso político radical de esquerda, que nada ficaria a dever a Paulo Pimenta, Lindbergh ou Requião.
A ira santa da indignação contra a injustiça social e política da desigualdade, porque isso é o contrário do que prega a fé cristã, que nos considera a todos como irmãos.
Difícil pensar um discurso político de maior eficácia, que qualquer pessoa do povo pode entender.
Exatamente como acontecia nos anos 70 e 80 nas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja católica.
    CEBs_cartaz  
Até a oração conjunta ao final da sua fala trazia de volta o clima das CEBs.
O discurso católico – abandonado pela Igreja de João Paulo II e Bento XVI, e que Francisco tem hoje dificuldade de retomar ante a resistência dos hierarcas do Vaticano – inteiramente recuperado e apropriado no meio evangélico!
É ou não é para se cantar Aleluia?!
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Mas a melhor lição, e a mais impressionante, é mesmo a descrição do trabalho da Frente feito pela jornalista negra.
O relato sobre o pastor – negro e pobre – da Cidade de Deus enfrentando a polícia junto com a comunidade, para resgatar o corpo do filho assassinado pela polícia, é de arrepiar!
        O confronto entre a violência, a arbitrariedade, a humilhação imposta pela polícia, e a dignidade, a coragem, a força da fé do homem de Deus que arrasta atrás dele a comunidade, é simplesmente épico, de uma incrível
eficácia política.
E vale por um tratado inteiro de sociologia da desigualdade e da violência.
Na verdade, é um minucioso relato etnográfico
que a jornalista faz do seu encontro
com uma realidade conhecida apenas na literatura,
e o duro aprendizado dos valores e costumes
inscritos nos códigos de sobrevivência da população,
ao se ver presa numa igreja por 5h,
em meio ao tiroteio cerrado
do “caveirão” e do tráfico!
A rede de contatos com as demais igrejas evangélicas da Cidade de Deus que foi preciso montar para viabilizar um culto pelos jovens assassinados, mostrada como construção da base para o trabalho da Frente.
A atuação em outros locais e em diferentes contextos.
No ES, durante a crise da greve da polícia.
No NE, onde a criatividade da cultura local – música, mamulengo, folguedos – é instrumento para o ensino dos direitos básicos de cidadania.
Os encontros com velhinhas quatrocentonas paulistas, que se tornam defensoras e divulgadoras dos direitos humanos!
Tudo isso não é a descrição do famoso “trabalho de base”, ao qual se diz que a política da esquerda deveria voltar? Hora de aprender com esses evangélicos!!
Patricia: É exatamente esse relato da jornalista que retrata como nós estamos tão longe dessa realidade!
Maria: Dessa realidade do cotidiano do povo, a “base” para a qual a política deve voltar seu trabalho?
Ou a realidade do “trabalho de base” cotidiano que falta aos partidos da esquerda?
De qualquer modo, lembre-se de que a própria jornalista disse ser “de família de classe média, como a maioria de vocês que estão aqui”.
Daí a importância da crença intensa nos valores de sua fé religiosa para levá-la à ação, permitir seu aprendizado e sustentar o seu trabalho.
Será isso que falta na política, uma verdadeira crença naquilo que dizemos (ou deveríamos) defender através da nossa ação?
Patricia: Maria, foi isso o que quis dizer sobre a diretasjá! Que deveríamos acreditar realmente nisso.
E o trabalho de base quem ta fazendo é o Boulos, que convive e, observando, pode constatar quem é essa população.
O episódio do pastor pra resgatar o corpo do filho é de chorar… as crianças com armas então… nem sei o q dizer…
Maria: Eu entendi perfeitamente, Patrícia.
Daí minhas respostas, que tentavam falar da necessidade de se levar em conta os dois lados da questão.
A “racionalidade” da análise feita para um
público como o do blog, mas também a “crença”,
para além da afirmação retórica, no valor
da causa que o povo está na rua defendendo.
A escolha do puro analista é a que, no máximo, pode te permitir não se decepcionar com a derrota da causa.
Quem está na ação precisa acreditar que a vitória é possível.
A questão é de onde e para quem você fala.
E também de experiência de vida.
Não sou nem nunca pretendi ser analista do jogo político. No máximo sugiro temas e questões para reflexão sobre a ação política, tentando mostrar impasses ou formas de ajudar quem pensa ou está envolvido com ela.
Daí porque me estendi nos comentários sobre o vídeo. Não sei se ou a quem poderá servir. Só faço o melhor que posso, no lugar onde estou e num campo em que melhor sei pensar.
Patricia: Maria, pra mim já serve demais!!
Maria: Há alguns elementos importantes a considerar nesse trabalho da Frente.
Não são um grupo que sai com uma teoria ou uma doutrina pronta debaixo do braço pra ir “ensinar” aos outros o “dever ser” de suas crenças.
Como fazem as Testemunhas de Jeová, ou os especialistas da doutrinação política, nos partidos ou fora deles.
Ao contrário, sua fé é a base e o impulso inicial para a ação.
Mas ela se dá sempre no contexto concreto de problemas reais encontrados nas comunidades.
Trabalhando a partir deles para levar a reflexão ao problema político do Estado democrático de direito e a necessidade de sua defesa frente ao golpe.
Afirmam claramente a distinção entre esse trabalho e as atividades assistenciais próprias às igrejas, que podem ajudar, sem se confundir com elas.
Discutem o que fazer quando a comunidade entende a mensagem e a necessidade de participação e se vê depois confrontada com o pastor que diz que as manifestações são “coisa de comunista, vagabundos que deveriam estar trabalhando”.
Que fazer com a dúvida? Como decidir quem está certo? O pastor poderia estar errado?!
Há também a clara afirmação (na última fala, do jornalista) de que a “bancada da Bíblia” – parte da famosa “bancada BBB”: bala, Bíblia, boi –  é o pior inimigo a combater.
Porque são responsáveis por ecoar o reacionarismo da maioria das igrejas evangélicas e pela sua (má) imagem na opinião pública.
Por que “a maior igreja do Brasil” (Assembleia? IURD?) não emitiu nenhum comunicado sobre o massacre indígena no Maranhão, que só a Frente e o CIMI denunciaram?
Por que nenhuma delas disse uma palavra sobre as manifestações contra as reformas, tal como fizeram a Frente e a CNBB?
São posicionamentos políticos definidos, próximos dos partidos de esquerda e movimentos sociais, cumprindo a mesma função das antigas CEBs no próprio momento em que, com sua ajuda, foi fundado o PT.
Já faz algum tempo que mencionei a importância do papel do Papa Francisco como líder de uma instituição normalmente pensada como “de fora” do campo da política, não se confundindo com partido, governo de um Estado ou instituição internacional como a ONU.
Pois acredito que o trabalho da Frente evangélica pelo Estado democrático de direito hoje confirma em outro registro religioso esse mesmo papel, bem como a
importância de valores
(religiosos) de alcance universal
como mediadores do “trabalho de base”
da política de esquerda que hoje é preciso reaprender.
Só posso agradecer ao Valdir pelo vídeo e a oportunidade de compartilhar essas reflexões.
Henrique: Toda igreja é um partido político na “venda” da sua ideia. Na busca pela hegemonia.
Toda religião é socialista na sua filosofia, na sua essência.
Igreja e religião casam bem com a política partidária, propriamente dita….
O que se tem que ter no radar são os religiosos.
Orai e vigiai!
*
Depois desse longo desvio pelo “trabalho de base”, talvez seja possível retornar agora ao nosso ponto de partida para reavaliar com um olhar mais abrangente as ressalvas iniciais, fazendo avançar a reflexão crítica.
Que começa com uma autocrítica, partindo da contribuição do debate no interior do “núcleo duro”.
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Gustavo: Maria, este artigo da Clarisse Gurgel vai no mesmo sentido da entrevista.
Também há uma entrevista com ela na Lavra Palavra sobre o tema, cujo link posto em comentário a este comentário. rs
Ação Performática: sintoma de uma crise política
Clarisse Gurgel  
Este artigo pretende apresentar o conceito de ação performática como tática preferencial de comunistas e socialistas organizados hoje. O conceito é fruto da articulação entre a teoria da ação e a do teatro de performance. Chamamos de performática aquela ação que, tal como no teatro, apresenta-se como “comportamento duplamente restaurado”(SCHECHNER, p.34-35): comportamentos marcados, emoldurados, ou acentuados. Denominá-la assim não significa atribuir a ela qualquer grau de performatividade. Veremos que a ação performática esconde um sujeito político que não obedece às seis regras básicas do ato de fala descritos por John Austin (1975, p.12), em especial no que diz respeito à necessidade de as pessoas e as circunstâncias serem apropriados para a invocação do procedimento específico; os pensamentos ou sentimentos serem de fato verdadeiros por parte de quem os invoca; e o procedimento ser de fato subsequente à sua invocação. (…)
Gustavo: Se não me engano, é este aqui: 
https://bloglavrapalavra.files.wordpress.com/2016/03/clarisse-a.jpg?w=1400
Por Clarisse Gurgel
Militante e professora do departamento de Estudos Políticos da UNIRIO, Clarisse Gurgel aponta, a partir do conceito de ação performática, para um sintoma na esquerda que tem origem na crise da forma partido.
LavraPalavra: Poderia nos esclarecer rapidamente o significado do conceito de ação performática?
Clarisse Gurguel: O conceitode ação performática é um termo forjado para ilustrar uma tendência que temos observado nos partidos revolucionários a priorizar a realização de eventos como manifestações e protestos em detrimento de trabalhos mais metódicos e continuados, tais como os de organização de núcleos por locais de trabalho e de moradia, em que se recupere o papel de combatividade dos sindicatos e de instrumentos como as associações de moradores, por exemplo. O termo performance se deve a este tipo de ação: efêmera, pouco ensaiada, concentrada no tempo presente e exposta de forma histriônica, extraordinária, como recurso de simulação de radicalidade. A ação performática, portanto, é uma tática de visibilidade compensatória em face da ausência de enraizamento real de sujeitos coletivos nas suas bases sociais. Assim, é uma simulação de acirramento de ânimos, de radicalização e de força, quando representa seu oposto, o resultado da burocratização das organizações de esquerda, da ausência desses sujeitos coletivos no cotidiano da classe trabalhadora. Sob o disfarce de ação direta e espontânea, por trás de um discurso de rejeição de métodos tradicionais das organizações partidárias, revela-se um processo de produção de ações esporádicas, com preparações centralizadas, burocratizadas, e que não representam de fato nem a adesão da classe trabalhadora, nem mesmo a unidade das bandeiras e reivindicações desta classe. Ocorre algumas vezes de as próprias bases sociais se rebelarem contra as simulações de suas direções, como ocorreu nas greves das universidades federais do Brasil, em 2012, e tal como se apresentou na greve dos professores municipais do Rio de  Janeiro, em 2014. Isto porque, do recurso à ação performática, derivam-se mais outros problemas. Tais problemas podem ser causa ou consequência. Resumir a ação revolucionária à preparação de calendários de atos e marchas passa por uma certa indisposição e descrença dos partidos de sua real capacidade de diálogo e de organização. Muitas vezes, julgam suas bases mesquinhas e resumidas a interesses imediatos, incapazes de pensar para além do bolso. Esta espécie de crença serve aos partidos como fantasia ideológica para reivindicarem pautas recuadas, resultados tangíveis, tal como Lênin nomeava, e, assim, poderem alardear vitórias. Até mesmo as derrotas são comemoradas como vitórias. Mas tudo isso vem atualizado em um contexto que nos convoca a novos desafios, pois estamos diante de um momento histórico de expectativas decrescentes, em que o passado perdeu o caráter de obra histórica e o futuro parece nada mais prometer que não catástrofes. Diante disto, o tempo efêmero do presente, como pura vivência, serve de instante que resta para uma sensação de ansiedade sem projeto. Assim, na condição de tática preferencial da esquerda, os atos e protestos de rua servem, em grande medida, como este expurgo, como esta sensação de que algo, ao menos, está sendo feito, como uma espécie de recurso de evasão nirvânica.
Maria: Obrigada, Gustavo pelas indicações. E em primeiro lugar, uma autocrítica. Eu devia ter procurado saber mais sobre a autora antes de expressar minhas dúvidas e discordâncias.
Os dois textos são muito esclarecedores. De fato, é uma reflexão instigante, feita em profundidade por quem é do ramo. Mas eu tratei o texto como notícia e partilhei esperando alguma discussão simples e de sentido mais prático.
Ela, ao contrário, discute, em diálogo com os clássicos, a teoria do partido revolucionário, para pensar partidos, movimentos sociais e ação política na nossa realidade atual.
Eu não queria matéria para reflexão? É o que não falta aqui!
Gustavo: Maria, eu estou tentando “me livrar” de uma série de trabalhos q preciso terminar para, primeiro, poder (re)ler a entrevista, ler o outro artigo da C. Gurgel e “aquela outra” entrevista na Lavra Palavra pra, se possível, ainda conseguir escrever  algo sobre isso. rsrs
Mas, veja só, esse texto está “se espalhando” por aí. Por exemplo, em Curitiba, onde vivo, há um grupo bastante recente de estudos sobre Teatro e esses textos da C. Gurgel estão na pauta da próxima discussão. 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       
Patricia: Maria, o que me incomoda na entrevista dela é que ela parte do pressuposto que 2013 “começou” espontâneo, e isso nunca consegui engolir.
Já falei isso aqui em algum lugar, eu já estava fora do país, e achei o cúmulo a população se mobilizar pra protestar contra o GOVERNO FEDERAL pelo transporte público, que é algo de responsabilidade de cada município, no máximo, da esfera estadual.
Achei muito estranho. Por isso falar em espontaneidade soa muito falso…
Maria: Lembre que ela faz uma “crítica pela esquerda” e está preocupada com a teoria do “partido revolucionário”… Soa familiar isso?
O MPL era de esquerdíssima, um legítimo filho do Fórum Social Mundial, e nem dava pra chamar o “movimento” pra negociar porque era “horizontal”, não havia “líderes”, cada um só falava “por si” mesmo…
Recentemente, uma publicação ligada às FFAA, DefesaNet, em artigo do General Pinto Silva sobre estratégias da “guerra híbrida”, traz em nota de rodapé uma interessante informação sobre o MPL, que eu desconhecia. Diz o texto:
No Brasil Tatiana Farah informa que: O Globo, 23/06/2013 – Passe Livre se inspira em zapatistas do México. Jovens que iniciaram protestos no país trocam experiências com exército pacífico indígena de Chiapas. SÃO PAULO. “Abajo y a la izquierda está el corazón”. A frase do subcomandante Marcos, do Exército Zapatista de Libertação Nacional, do México, embala o discurso do Movimento do Passe Livre (MPL), que deu início às manifestações pelo país, forçando a queda no preço das tarifas de transporte público. “Abaixo” estão os grupos marginalizados e as minorias, que o MPL chama de “os de baixo”. E “à esquerda”, o discurso anticapitalista. Formado por universitários da USP e trabalhadores da periferia, o movimento se intitula anticapitalista, apartidário, pacífico, autônomo e horizontal.
 http://www.defesanet.com.br/ghbr/noticia/26069/GenEx-Pinto-Silva—Negros-Horizontes-para-o-Brasil/
Em plena efervescência das “jornadas de junho” o artigo mostra, portanto, que os órgãos de informação e segurança mantinham sob vigilância o movimento radical.
*
Fechando o circuito desta discussão em torno de partidos, movimentos sociais e ação política no Brasil hoje, deve-se dizer, em resumo, que, embora muitas das ressalvas iniciais à entrevista de Clarisse Gurgel pudessem ser críticas apressadas, algumas persistem, como questões a serem aprofundadas. E, em primeiro lugar, a própria questão central em debate:
Performance x partido.
Espontaneidade x organização.
Eficácia simbólica x eficácia política.
Por que separá-las em campos antagônicos,
e não pensar sua complementariedade,
tomando por base as teorias da performance ?
Por outro lado, a perspectiva teórica do enfoque de Clarisse Gurgel por certo justifica as categorias abstratas de sua análise interna do funcionamento de um partido: recrutamento, mobilização, propaganda, estrutura organizacional permanente,
estrutura administrativa, formação política, quadros, militantes, ação de curto e longo prazo, programa, tática, estratégia etc.
Portanto, uma análise perfeitamente correta e competente, segundo os parâmetros da Ciência Política, e em vista do objeto de seu estudo: os partidos revolucionários de esquerda.
Entretanto, apesar da sofisticada análise presente em sua entrevista à LavraPalavra, parece evidente que, nesta que consideramos aqui, faltaram distinções e mediações para explicar, para além da mera forma da ação política, o uso intercambiável dessas categorias teóricas, no campo da esquerda ~e~ da direita.
Em outras palavras, faltou a análise dos processos de sua contaminação e transformação recíproca.
Esta análise é da ordem da história.
Por isso uma leitura crítica adequada da entrevista e dos demais textos de Clarisse Gurgel requer uma complementação.
Como a que pode ser encontrada num artigo de Fernando Horta justamente sobre um dos eixos fundamentais de sua análise, as “jornadas de junho” de 2013 e seus desdobramentos até o golpe de Estado que nos precipitou no limbo em que se debate a economia, a política e a própria sociedade no Brasil de hoje.
Isso tudo merece análise detalhada.                                                                                            
Ela será objeto de um próximo emocionante capítulo desta emocionante novela, por enquanto sem final feliz à vista…                                                                                                                                                                                       

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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