No fio da história: partidos, movimentos sociais e ação política. Os desafios, hoje (II) (Parte 2)
No fio da história: partidos, movimentos sociais e ação política. Os desafios, hoje (II) (Parte 2)
Por Maria e bate-bola do núcleo duro, sobre o artigo “2013: as selfies revolucionárias horizontais e apolíticas” por Fernando Horta
A propósito de “ações performáticas” como manifestação política referidas por Clarisse Gurgel,, falávamos de espetáculo e festa e da alegria como poderoso fator de agregação das pessoas
Amnéris: A alegria já é política, pois indica aumento de potência…
Maria: Pois é… Mas, então, que fazer? Estou pirando ou existe aqui um problema verdadeiramente complicado?
*
O problema existe, e diz respeito à dimensão simbólica da política. Reconhecemos facilmente seus efeitos, mas raras vezes o tomamos como objeto próprio de discussão.
Ele está presente na cultura do ódio que “não suporta” as bandeiras vermelhas do PT ou na ideia de “corrupção” que acabou por ser associada exclusivamente ao partido e a Lula.
(Não por acaso, setores da direita e os eleitores de Aécio Neves ficaram sem ação, perplexos e desorientados, ao descobrirem que o mal atinge também seu ídolo!)
E está ainda no uso da linguagem e das figuras de retórica que permitem, por exemplo, construir uma notícia sobre um fato real de modo a falseá-lo pela inversão simétrica de seus elementos ou relações de causalidade, na lógica da chamada “pós-verdade”.
Haveria ainda muitos outros exemplos a citar.
Por isso vale continuar o diálogo com outros textos de Fernando Horta que nos permitem relativizar sua crítica aparentemente radical das manifestações de 2013 transformadas em “espetáculo”, bem como a desqualificação da “ação performática” politicamente ineficaz por Clarisse Gurgel.
Trata-se de pequenos artigos ou postagens do historiador, nos quais, sob diversas formas, ele aprofunda a reflexão sobre a dimensão simbólica do poder e da política.
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Foucault
Partindo de uma concepção de Michel Foucault, a noção de poder simbólico é utilizada para explicar parte da capacidade do atual presidente de resistir à opinião pública que exige com quase unanimidade #ForaTemer: a aparência que se quer “impecável”, a linguagem empolada com suas mesóclises, a jovem esposa “bela, recatada e do lar” etc.
Poder não é coisa, é relação, e supõe algum tipo de vínculo entre pessoas, grupos ou instituições que compartilhem um mesmo universo de sentido, para que a dominação se torne possível.
E note-se que não se trata do mesmo argumento de La Boétie no Discurso sobre a Servidão Voluntária, em que pareceria estar em jogo apenas uma questão de “vontade”.
Ao contrário, trata-se de relações concretas, processos, dispositivos, mecanismos e seus múltiplos arranjos, que permitem a construção de um imaginário da subalternidade.
Foucault, você e Temer
por Fernando Horta
Na década de sessenta e setenta, Michel Foucault revolucionou diversas áreas das ciências sociais. Existem inúmeras noções e conceitos criados pelo pensador francês que poderiam ser citados aqui; me interessa a noção de poder.
Até Foucault, a ideia de Poder parecia um atributo concreto, mensurável. Diversas teorias foram formuladas para medir o “poder”. Seja ligando com capital, ou com outros recursos materiais (como armas, tecnologia, população e etc.), o Poder era, portanto, algo quase palpável. Havia a possibilidade de “tomar” o poder, “manter” o poder, “aumentar” o poder, “perder” o poder… quase como uma caixa, um anel, um pergaminho … (…)
Foucault rompe radicalmente com esta ideia em favor de uma compreensão relacional. Poder é a relação que se forma entre pessoas, entre lugares e pessoas ou instituições e pessoas. Uma relação, portanto, precisa que o sujeito sobre o qual é projetado o poder o reconheça. Se não houver o reconhecimento, não há poder. É, portanto, um jogo que precisa, ao menos, de duas pessoas. Mesmo o poder projetado nos espaços (arquitetônicos, urbanos etc.) tem origem numa relação entre dois sujeitos. Os espaços são apenas condutores temporais do poder. Quando você entra na Capela Sistina, por exemplo, o arquiteto Baccio Pintelli e os mestres, Michelangelo, Bernini, Botticceli e Rafael Sanzio, exercem em você, diretamente do século XV, poder. O objetivo é sim fazer você se sentir pequeno, impotente e maravilhado com algo além das suas possibilidades.
Este poder simbólico, que se transmite pelo tempo, pelos espaços ou pelas instituições, é a forma menos custosa de poder. Entre manter um grupo de homens a punir todos os que questionam ou se recusam a se submeter ao poder e criar formas religiosas, artísticas, culturais, legais, institucionais ou capitalistas de convencimento, é muito mais barato, no tempo, o poder simbólico. Por isto você entra num tribunal e ele é suntuoso, normalmente com mármore, espelhos, metais reluzentes para todo o lado. Com um teto alto, tapeçarias, pessoas impecavelmente trajadas, mesas imensas e postadas de forma a que você sempre fique mais baixo que o interlocutor que exerce poder. É a forma barata de exercer um poder invisível sobre maioria das pessoas. (…)
https://www.facebook.com/moonbladers/posts/1334433376663903BLOGFERNANDO / DOM, 11/06/2017 – 17:38
Não será, portanto, um acaso que, ao tempo do primeiro governo Obama, Hillary Clinton, então Secretária de Estado, aparentemente opondo-se à tradicional política externa guerreira do país, passou a falar cada vez mais em soft power.
O poder da diplomacia x o poder das armas na resolução de conflitos, sem dúvida.
Mas também valores e idéias compartilhados, num mundo cada vez mais interconectado em escala global, de modo a facilitar o “diálogo com a/na diferença”. Tarefa com a qual os mais variados think tanks americanos não se cansaram de colaborar.
Assim se construiu o discurso, universalista e progressista, “politicamente correto”, que estranhamente jamais pareceu incompatível com políticas econômicas e sociais excludentes de cunho neoliberal.
Eis uma das chaves para se compreender o atual avanço do conservadorismo, nos Estados Unidos e no mundo, quando a experiência concreta de vida das pessoas começa a revelar sua incongruência com os valores e ideias “politicamente corretos”.
Então, a dissonância passa a ser corrigida pelo aprofundamento de políticas públicas neoliberais, paralelo à construção de um imaginário simétrico e inverso ao “progressismo”, num discurso radical de direita beirando o fascismo.
Por outro lado, a restauração progressista de ideias e valores “politicamente corretos” se torna difícil, senão impossível, sem a crítica das políticas que os acompanharam, enquanto por todo o mundo silenciosamente se consolidava, em maior ou menor grau, a implantação do neoliberalismo.
Armadilhas do poder simbólico…
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Poder simbólico: gostos e atitudes políticas
De como valores e ideias de referência, em aparência apenas individuais, como os “gostos” das pessoas, acabam se mostrando congruentes também com suas escolhas no campo político.
O pequeno texto, irônico e bem-humorado, retoma a questão dos símbolos para questionar o “nacionalismo” dos que “odeiam o vermelho das bandeiras do PT” em nome do verde-amarelo do pavilhão nacional em que se enrolam nas manifestações.
Eu acho estranho o discurso do “eu sou patriota” da direita…
Os nossos intelectuais de referência são Paulo Freire, Milton Santos, Darcy Ribeiro, Celso Furtado…
Os deles são Mises, Hayek, Friedman… Nenhum brasileiro.
Os nossos artistas referência são Chico Buarque, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Toquinho, Elis Regina…
Os deles são Oasis, Maroon5, Coldplay… Quando muito um Frank Sinatra… Nenhum brasileiro.
Os nossos escritores cultuados são João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda…
Os deles são Ayn Rand, Barry Goldwater, Alexis de Tocqueville… Nenhum brasileiro.
Nós usamos Havaianas, Ipanema mesmo…
Eles só Nike, Adidas… Nenhuma empresa brasileira.
Nossos lugares de viagem preferidos Paraty, Ouro Preto, Jericoacoara…
O deles é New York, Miami, Hawaii (eles dizem “rauai”)… Nenhum brasileiro.
A gente comemora festa junina, Parintins, Carnaval…
Eles é Halloween (eles dizem “ralouin”), Valentine’s day, Black Friday, Rave (eles dizem “reive”), nada brasileiro.
A gente quer Petrobrás brasileira, gerando trabalho e lucro por aqui.
Eles querem vender para a exxon, texaco, shell… Gerar lucro para lá… Nada brasileiro.
A gente defende o SUS, brasileiraço… Sendo melhorado e expandido. Gratuito.
Eles defendem o sistema americano e os americanos lutando pelo Obamacare, que é pior do que era o INPS da época dos militares…
Nós queremos um Banco do Brasil, o BNDES e uma Caixa fortes, sólidos, ajudando o nosso povo…
Eles defendem o Goldman e Sachs, o Bank of Boston, o FMI… Nenhum brasileiro…
A gente se preocupa com a cotação do pão…
Eles com a do dólar.
A gente bebe pinga mesmo, e licor de cupuaçu…
Eles Johnny Walker (eles dizem “djoni ualquer”)
A gente torce pro Corinthians, pro Flamengo, pro Grêmio…
Eles pros Giants (“djiantis”), Patriots (peitriótis) e 49rs (fórdinaineris)
Os deles são Mises, Hayek, Friedman… Nenhum brasileiro.
Os nossos artistas referência são Chico Buarque, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Toquinho, Elis Regina…
Os deles são Oasis, Maroon5, Coldplay… Quando muito um Frank Sinatra… Nenhum brasileiro.
Os nossos escritores cultuados são João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda…
Os deles são Ayn Rand, Barry Goldwater, Alexis de Tocqueville… Nenhum brasileiro.
Nós usamos Havaianas, Ipanema mesmo…
Eles só Nike, Adidas… Nenhuma empresa brasileira.
Nossos lugares de viagem preferidos Paraty, Ouro Preto, Jericoacoara…
O deles é New York, Miami, Hawaii (eles dizem “rauai”)… Nenhum brasileiro.
A gente comemora festa junina, Parintins, Carnaval…
Eles é Halloween (eles dizem “ralouin”), Valentine’s day, Black Friday, Rave (eles dizem “reive”), nada brasileiro.
A gente quer Petrobrás brasileira, gerando trabalho e lucro por aqui.
Eles querem vender para a exxon, texaco, shell… Gerar lucro para lá… Nada brasileiro.
A gente defende o SUS, brasileiraço… Sendo melhorado e expandido. Gratuito.
Eles defendem o sistema americano e os americanos lutando pelo Obamacare, que é pior do que era o INPS da época dos militares…
Nós queremos um Banco do Brasil, o BNDES e uma Caixa fortes, sólidos, ajudando o nosso povo…
Eles defendem o Goldman e Sachs, o Bank of Boston, o FMI… Nenhum brasileiro…
A gente se preocupa com a cotação do pão…
Eles com a do dólar.
A gente bebe pinga mesmo, e licor de cupuaçu…
Eles Johnny Walker (eles dizem “djoni ualquer”)
A gente torce pro Corinthians, pro Flamengo, pro Grêmio…
Eles pros Giants (“djiantis”), Patriots (peitriótis) e 49rs (fórdinaineris)
Mas eles se dizem “nacionalistas” porque se vestem de caturritas e fazem flashmob (fléchmóbi) pra televisão…
Edit 1. Arrumei o nosso escritor, maldito corretor.
Edit 2. Eles têm o Lee Harvey Oswald, nós temos o Michel Temer … até nisto o nosso é muito mais odiado.
Edit 2. Eles têm o Lee Harvey Oswald, nós temos o Michel Temer … até nisto o nosso é muito mais odiado.
A ideia era mostrar, mesmo com escolhas aleatórias, substituíveis por outras, que elas formavam um padrão claramente visível.
Muitas reações discordantes, até raivosamente negativas. Outras tantas ampliando os contrastes políticos cabíveis no padrão.
No entanto, alguns levantaram aspectos que colocam em debate uma questão crucial. Tomo uns poucos exemplos.
Pedro Antônio Cândido: Muito bom Fernando Horta. Pra complementar, eu gosto do João Guimarães Rosa e viajar pra Cordisburgo-MG visitar o Museu Casa Guimarães Rosa – Cordisburgo/MG e participar da Semana Roseana…
Fernando Horta: Olha aí! Só Brasil.
Salete Graciana: Que bom cada um faz o que quer de suas vidas, xô ditadura…
Fernando Horta: Não se trata de ditadura… Trata-se de verificar os espaços dados e julgados para determinadas culturas.
Fabiana Gomes: Na parte individual cada um faz o que quer, na parte coletiva estamos um desastre! Devíamos nos posicionar melhor, saber exatamente que peça somos nesse tabuleiro. Chega de nos lascarmos produzindo para os outros. Nosso PIB e nossas riquezas para outros. Escravidão coletiva já deu. Vamos construir uma nação esclarecida e digna de verdade. E isso nos interessa, mas definitivamente não interessa a quem nos domina.
Herminio Junior: No mínimo questionável.
Fernando Horta: Tudo é questionável… Basta ter coragem para questionar.
Herminio Junior: As preferências literárias e musicais por exemplo. Qual a base?
Fernando Horta: Não é uma questão de preferências, mas de mostrar um padrão. Teriam milhares ali para substituir, o padrão – ainda que caricaturizado – continuaria. Você quer botar Miles Davis, John Lee Hooker ou Aretha Franklin… Não tem problema. Não muda o argumento.
Herminio Junior: Só acho que as preferências políticas não ditam os gostos musicais e tampouco os literários. Vejo muitos de ambas as preferências políticas que apreciam e muito as referências citadas, sejam mescladas e ou até cruzadas. Uma outra questão é que estes gostos não ditam a forma de atuação, pois se assim fosse, os últimos anos teriam alterado e muito o cenário cultural do Brasil. Meu ponto de vista é obvio, mas achei interessante tua teoria. Podia fazer uma análise disso. Preferências musicais e literárias x ideologia política.
Fernando Horta: Mas não é esta a análise. No fundo a postagem se pergunta o que é ser “nacionalista”… E questiona o quanto o uso de certas cores pode significar ser nacionalista.
Herminio Junior: Pois é essa foi minha dúvida. Gostar apenas do nacional não significa ser nacionalista. Me parece mais um ufanismo.
Fernando Horta: Assim como vestir verde e amarelo e cantar o hino também não. Este é o ponto.
Herminio Junior: Concordo.
Rosevania Nunes: Eles se dizem Patriotas, se intitulam “povo”, donos da Bandeira, donos do hino, donos do país. Nós, os contrários, para eles somos forasteiros, é isso…
Fernando Horta: Exato.
Renato Accioly: Bom, eu gosto de post-punk inglês e rock/pop igualmente inglês, europeu e até alguma coisa americana, além de procurar pronunciar as palavras inglesas da maneira mais aproximada à deles. O que não me impede de gostar do que conheço de MPB, como Chico, Milton, Gil, Caetano (a música, não a figura pública, que me é insuportável), o gigantesco Belchior, Alceu Valença, Adoniran, que não era MPB mas era bem brasileiro, e tantos outros. Só acho que vale a pena ir atrás de referências de todos os lugares, não apenas as brasileiras. Mas de resto, assino embaixo. Quero melhoras aqui, urgentemente – não ficar lambendo as botas de colonizadores estrangeiros.
Cristina Prado: É bom descobrir e curtir o que o mundo inteiro tem a nos oferecer. O problema é desprezar nossa cultura; é insano e de mau gosto. Eu curto cultura americana, francesa, árabe e muitas mais e a nossa, é óbvio, que além de ser nossa é uma das mais ricas do mundo!
Patrick Alexsandro Uso Nike, ouço heavy metal e punk americano e tudo isso, além das comidas… Mas isso em caráter mundial… Mas jamais deixarei de apreciar tudo que me faz bem que vem do Brasil. Sou cosmopolita …rs
Eis aqui, implícitas, algumas das grandes questões políticas para se entender o poder simbólico.
Por certo não se trata de ver nas “superestruturas jurídico- políticas, religiosas, artísticas, culturais etc.” o mero “reflexo” da “estrutura econômica” da sociedade. Há muito Gramsci nos ensinou que é mais complicado que isso.
Então, como defender o “nacional” sem se tornar fascista e votar Bolsonaro? Por outro lado, é legítimo, ou mesmo possível, recusar o internacional, em tempos de globalização e em que a cultura é um dos principais instrumentos do soft power da grande potência que busca impor a hegemonia de seu poder sobre um sistema-mundo?
Lembremos que, como aponta Fernando Horta, o que está em jogo são variações de padrões e estruturas que se repetem.
Por exemplo, mesmo um governo fundado no poder das armas, como a ditadura civil-militar imposta pelo golpe de 64, não pode prescindir de um soft power que buscava assegurar sua legitimidade mediante mensagens entusiastas de compromisso nacionalista.
Recentemente, a discussão de uma análise de conjuntura de Romulus, que se referiu incidentalmente a Delfim Neto, deu lugar a um desfiar de memórias daqueles tempos sombrios.
Dorotea: Eu levei muito tempo para conseguir voltar a ler o Delfim depois da redemocratização. Ele me ficara entalado na garganta. E o elefantão não descia… Depois fiz as pazes com ele, mas qual não foi minha surpresa: ele rodopiou novamente!
Assim não dá! …
Desconfio muito desse tipo de inteligência “versátil”.
Tania: Somos duas.
Romulus E Maya Vermelha: Pois é, gente…
É que eu só fui traído pelo Delfim uma vez… rs
É que eu só fui traído pelo Delfim uma vez… rs
Não tava aqui na outra ainda… rs
Só “ouvi falar” rs
Tania: Nunca engoli a história de ter que deixar o bolo crescer primeiro pra depois repartir.
Valdir: Tania, até funcionou, mas aí entraram os amigos do Norte querendo também o sangue, aí tinha que degringolar.
Tania: Mas essa frase é do tempo dos militares.
O bolo na verdade cresceu mesmo já sendo distribuído, na era Lula.
Valdir: Tania, eu nasci 2 anos antes do golpe … ?
Tania: Eu já era grandinha nessa época…
Valdir: Ainda me dói no ouvido lembrar “povo limpo é povo desenvolvido”.
Tania: E “este é um país que vai pra frente”?
A frase agora deveria ser “meia volta, volver!”.
Dorotea: Romulus E Maya Vermelha, traído só uma vez. Sorte a tua. Tania, essa frase – fazer o bolo crescer… – até hoje está entalada na minha garganta. E o FHC a repetiu durante OS DOIS mandatos.
Valdir: Vixi.
Maria: Uma das vantagens de ser mais velho é guardar mais coisas na memória, como os elefantes…
Zeca: “Ame-o ou deixe-o” creio que foi a pior delas.
Dorotea: Com certeza, Zeca. O adesivo preso em quase todos os automóveis e aquela música – “eu te amo, meu Brasil, eu te amo”. Como sempre, o sequestro de símbolos nacionais para ufanar falsamente os brasileiros, enquanto a violência institucional patrola a população.
Dessa vez foi a camisa da seleção…
Dessa vez foi a camisa da seleção…
Na verdade, já naquela época, o futebol – “paixão nacional”– foi usado abertamente pelo regime militar. Figueiredo chegou a interferir pessoalmente na escalação da seleção para a Copa do Mundo e na montagem do Campeonato nacional.
Felizmente o Dr. Sócrates, à frente da Democracia Corinthiana, impediu o Timão de participar daquele escândalo. E outros times o seguiram. É só dar uma olhada na Wikipedia. Tem até trabalho acadêmico analisando a propaganda do regime.
O povo, que não é bobo, logo inventou um slogan pra rebater: “Onde a ARENA vai mal, mais um no nacional…”
E o Doutor nunca parou de atuar. Na Emenda e na campanha pelas Diretas. Sua herança ainda está presente na luta contra o golpe.
Se a gente tivesse um pouco mais de memória e entendesse o poder dos símbolos, não teria sido tão fácil pros coxinhas se apropriarem deles no terreno do futebol.
Aliás, alguém duvida que essa unanimidade do uniforme da Seleção possa ter sido planejada? Quem sabe por alguém beeem enrolado com a CBF? rsrs…
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Da operação do poder simbólico
Em uma pequena postagem polêmica por brincar com a imagem do “sossego” baiano para “explicar” a lentidão da reação popular ao golpe, depois de críticas iradas, Fernando Horta invoca em sua defesa uma reflexão complexa e altamente sofisticada de Milton Santos sobre espaço e tempo na ordenação das relações sociais. O tema já estava presente em seus exemplos, ao tratar da concepção de Foucault sobre o poder.
O texto que segue é um esboço de uma velha ambição que jamais pude realizar (espero poder realizá-la ainda) que é oferecer um curso de pós-graduação sobre o tempo. Ainda que não seja filósofo, sou geógrafo, parto da ideia de que a Geografia é uma filosofia das técnicas, considerando a técnica como a p…
Para o geógrafo, o tempo “se amontoa”, congelado nas formas de organização do espaço de ruas, avenidas e praças de uma cidade e nas técnicas e estilo de suas edificações. E o espaço, por sua vez, “distribui” as pessoas em agrupamentos mais ou menos definidos, no centro, nos bairros mais ricos e bem cuidados das classes altas e nos da periferia.
Neles, porém, o tempo – dando acesso às tecnologias de ponta, sobretudo de uso individual – rompe as barreiras do espaço, voltando a embaralhar limites definidos. Quem hoje, mesmo na periferia, não tem um celular e não usa o whatsapp, o popular “zapzap”, como meio de comunicação e informação?
O mesmo vale para a distância – em termos de valores, formas de comportamento e convivência, mais ou menos individualistas ou comunitários etc. – entre a metrópole e os centros urbanos menores, entre a cidade e o campo.
Assim, Milton Santos propõe que, ao lado da distinção entre o “tempo longo” da História e o “tempo dos acontecimentos” – Histoire événementielle, em oposição à longue durée – distingam-se também tempos “rápidos” e tempos “lentos”, marcando os ritmos da vida humana em sociedade, em diferentes espaços.
Por esse critério também se pode entender a disparidade das reações coletivas, mais ou menos vagarosas ou imediatas, a um fenômeno político como o golpe de Estado sob o qual vivemos. E a dificuldade para que, em um país com as dimensões do Brasil, essas manifestações heterogêneas possam vir a se agregar e se fundir numa reação unitária em escala nacional.
Da mesma forma se compreende a intenção do outro pequeno post do historiador, quando afirma que não se trata de alinhar gosto individual e posicionamento político.
Trata-se mais bem de mostrar quais os espaços socialmente construídos e legitimados para determinadas expressões de cultura, e não para outras, além do tempo e dos meios disponíveis para sua divulgação e difusão.
Isto é o que lhes confere uma importância diferenciada. Este era o padrão a ser mostrado.
Assim, tanto quanto a cultura, também a cidade, de que se ocupam o geógrafo, o historiador ou o antropólogo, se torna “legível”, como um texto, nas múltiplas dimensões de sua complexidade. Também os cientistas políticos, e principalmente os analistas da política, deveriam compreender isso…
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Espaços e tempos da ação política
Pelo mesmo caminho também se entende que o acesso aos diferentes espaços da cidade constitua uma reivindicação e um direito de cidadania.
Não por acaso, em São Paulo, João Dória, “gestor” neoliberal, busca transferir à iniciativa privada o patrimônio público de parques e áreas de lazer da cidade, como o estádio de futebol do Pacaembu ou o Anhembi da Passarela do Samba.
O VÍDEO EM QUE DORIA PROMETE VENDER TUDO EM SÃO PAULO, ATÉ O IBIRAPUERA
Em tour de negócios por Dubai, João Doria (PSDB) apresentou um vídeo de quase cinco minutos, em que lista todos os bens e serviços que a Prefeitura está disposta a privatizar; após uma breve exaltação sobre os predicados econômicos e culturais da cidade, o vídeo anuncia “o maior programa de privatização da história de São Paulo”; no feirão do prefeito, quase tudo está à venda: o Parque do Ibirapuera, o estádio do Pacaembu, o Mercadão Municipal, os terminais de ônibus, o sistema de Bilhete Único e até os serviços funerários, entre muitas outras coisas (…)
15 DE FEVEREIRO DE 2017 ÀS 05:50 // 247 NO TELEGRAM // 247 NO YOUTUBE
E além disso, o prefeito tentou confinar o carnaval e a Virada Cultural ao Autódromo de Interlagos e aos espaços mais distantes do centro “nobre” de sua “Cidade Linda”, que dele expulsa moradores de rua e drogados.
(As imagens das operações policiais são verdadeiramente aterrorizantes.)
Nele também não há lugar para a arte pública dos grafites, banida das grandes avenidas ou dos túneis sombrios, e menos ainda para os “pixos”, intervenção urbana considerada típica de moradores de periferia, tão demonizados quanto os Black blocs nas manifestações políticas.
Todas essas ações buscam impor um domínio pelo controle do espaço urbano. Isso é poder simbólico.
Assim como é também expressão desse poder a carga simbólica que marca os lugares dos grandes eventos públicos, como a Av. Paulista ou o Largo da Batata, a Presidente Vargas ou Copacabana.
Cada cidade tem seu lugar próprio que acaba sendo a eles destinado e é conhecido de todos.
Neles se celebra vitória de campeonato de futebol, se festeja o Réveillon ou se organizam grandes manifestações políticas. Da Parada Gay ao #ForaDilma! Do #NãoVaiTerGolpe! ao #ForaTemer! e #DiretasJá!
Tudo é espetáculo e festa. E, quem vai, faz questão de registrar a presença e a participação: Eu estive aqui!
Não importa a natureza do evento, festa ou espetáculo, ação performática ou manifestação política, de direita ou de esquerda.
Não é, portanto, pela sua característica espontânea ou de um acting out, como performance lúdica ou protesto, que se explica a presença dessas formas de ação, mobilização e participação – sim, espetáculos! – no universo da política.
São linguagens urbanas contemporâneas de presença e participação cidadã no espaço público, que não se trata de “aceitar” ou “rejeitar”, goste-se ou não delas. Elas ~existem~ e é
também por meio delas que os indivíduos, as pessoas, os grupos, os movimentos sociais, os partidos, se comunicam – ou não! – entre si e com a sociedade, transmitindo determinado tipo de mensagem política.
São parte de um Zeitgeist, do espírito de uma época. Por isso é que se torna necessário compreender o que são e como operam essas linguagens.
*
Nos comentários do texto de Clarisse Gurgel, uma das observações mais constantes foi acerca da limitação de explicar as formas de atuação das organizações políticas de esquerda pela natureza de sua direção, segundo ela, de orientação trotskista.
Por certo, a isso a obriga o foco da ciência política, ao tomar como objeto de análise a estruturação do partido enquanto organização revolucionária e a eficácia de sua ação.
Entretanto, o partido político não existe num vazio social, de história e cultura.
Por isso estranha a ausência de qualquer referência a esse “ambiente externo” em que o partido se organiza e desenvolve sua ação, num meio em que cada vez mais avança em escala mundial o pensamento e os governos de filiação neoliberal.
Individualismo, prevalência do privado sobre o público, Estado mínimo são hoje referências inescapáveis na definição do perfil do inimigo gigantesco que cabe à esquerda combater.
O horror à burocratização e à rigidez stalinista que o trotskismo herdou de sua experiência soviética sempre foram características históricas das organizações políticas onde exerceu sua influência.
Mas é indubitável que ela pode melhor florescer em ambientes em que o poder simbólico, a capacidade de convencimento no plano da cultura, atua a partir de referências mais frouxas, instáveis, de uma “modernidade líquida”. A “pós-modernidade”, em suma.
Um longo caminho foi percorrido para que se chegasse até aqui. Não só no plano dos valores e comportamentos, mas também da organização social, econômica, política e do avanço tecnológico.
No plano do conhecimento, transformaram-se igualmente as epistemologias que sustentam a construção do pensamento científico, como base da análise da vida social.
Que começa na crítica do racionalismo individualista para trazer, ao final do percurso, seu retorno triunfal.
*
No que se refere às várias ciências que se ocupam da sociedade – e nem sempre elas foram áreas autônomas de conhecimento – trata-se da crítica à concepção de racionalidade como inerente ao ser humano que, na economia política, por exemplo, sustenta a ficção do “homo oeconomicus” da teoria clássica.
Uma ficção metodológica que compartilha a fé no poder da razão, transformada pela filosofia política do século XVIII e o positivismo do século XIX em critério do pensamento científico moderno, em valor moral do comportamento individual e em medida de eficiência na vida social.
Hoje, a chamada pós-modernidade corroeu de modo irreversível essa crença, mostrando a perspicácia antecipatória de Marx ao perceber, na “destruição criativa” do capital – e na velocidade vertiginosa da sua expansão, na ânsia pelo “progresso” – o que seria a marca dos novos tempos, em que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”.
Assim, o elogio da razão cientificista triunfante do século XIX deu lugar à sua crítica radical, para mostrar a complexidade de realidades cuja rápida mudança sempre se deve a múltiplos fatores, sendo, portanto, impossível submetê-las ao esquematismo de modelos formais abstratos.
Isto é o que, na teoria econômica, leva à crítica de acadêmicos e executores de políticas públicas que Luís Nassif chama de “cabeças de planilha”.
E que, aqui no blog, a dupla Romulus-Ciro d´Araujo não se cansa de ironizar, por tentarem enfiar a marteladas a realidade teimosa dentro de modelos matemáticos, tão simples e elegantes, que em teoria se mostravam perfeitos…
É para escapar a essa armadilha que novos paradigmas para a análise econômica se baseiam na “confiabilidade” de projeções construídas sobre cálculos que levam em conta a complexidade das realidades a que devem ser aplicados e a rapidez de sua transformação.
A outra metade, jurista, de Romulus forma par, no blog, com Giselle Flügel Mathias Barreto, para mostrar uma crítica análoga feita ao Direito que, segundo os novos paradigmas pós-modernos, deve se basear na “razoabilidade” da interpretação, mais que no entendimento dogmático da lei.
O que significa que as decisões devem levar em conta a complexidade das circunstâncias do feito a ser julgado, bem como a responsabilidade do próprio juiz, dividido entre sua compreensão subjetiva, intuitiva, eivada de seus próprios valores, e a letra da lei, a que deve obedecer.
O triste resultado, para muitos juristas, como Lenio Streck, é que a “interpretação” muitas vezes se sobrepõe à lei, como ocorre escancaradamente em todo o poder Judiciário hoje.
E isso é o que acaba fazendo da jurisprudência a fonte principal do ensino do Direito, em detrimento da própria lei, tal como inscrita na Constituição e nos Códigos de regulação dos direitos dos cidadãos e das penas em que incorre quem os viola, na sociedade brasileira.
Para além do interesse político imediato dessas análises, interessa refletir sobre a questão de fundo que a elas subjaz, o individualismo que elas põem em relevo, evidenciado nessas e outras áreas, na sociedade contemporânea. Não só por seus efeitos políticos como também pelos seus fundamentos, que é o que persiste e retorna como sua justificativa.
Pois é aqui que a visão sociológica da pós-modernidade irá convergir com o que será mais tarde chamado neoliberalismo, filosofia e teoria econômica cuja prática, hoje florescente por grande parte do mundo, mostra à saciedade seus efeitos maléficos.
De fato, não é difícil expressar inquietação e uma desconfiança geral sobre os conceitos que buscam definir a pós-modernidade, que em muitos aspectos se sobrepõem ao neoliberalismo, tendo no centro uma nova visão do lugar do indivíduo na vida social.
Que é precisamente aquela que corrói no plano dos valores e das condutas noções como solidariedade, organização coletiva de interesses em associações, sindicatos e partidos ou, de um modo geral, a legitimidade de instituições representativas e, no limite, do sistema político e do poder de Estado.
Se a complexidade exige que se considerem a diversidade, a heterogeneidade e a instabilidade que atravessam toda a vida social, a centralidade do indivíduo fará dele âncora e agente essencial a ser levado em conta.
Aquele ator social de cuja iniciativa e responsabilidade se espera a construção da ação política, assim como da ação econômica, jurídica, cultural, artística, religiosa etc.
Mais ainda, agora será necessário considerar essa ação não só a partir do invólucro aparentemente racional de sua motivação, como também explorar mais fundo os seus móveis.
Em outras palavras, é inevitável que, dentro desses novos marcos, a questão das subjetividades venha a ocupar um lugar privilegiado, parecendo autorizar a expressão irrestrita de suas demandas.
Inclusive aquelas provenientes do inconsciente, que agora se trata também de explorar, não só em benefício do equilíbrio psíquico individual, como nos ensinou a psicanálise, mas também enquanto princípio metodológico de análise da vida social.
E não deixa de ser uma ironia que, procurando criticar o racionalismo metodológico individualista do pensamento clássico – que Marx e Freud tanto trabalho tiveram para desconstruir, mostrando as estruturas profundas, inconscientes, que organizam e sustentam a vida das sociedades e dos indivíduos – a pós modernidade volte a um individualismo ainda mais radical que aquele professado no século XIX.
É nos meandros desse caminho que precisamos buscar entender o insidioso alcance do chamado neoliberalismo, no contexto da pós-modernidade.
Isso é necessário, se quisermos avaliar a crítica de Clarisse Gurgel às “ações performáticas” a que se dedicam partidos políticos de esquerda.
E também a convicção de Fernando Horta de que “o pós-modernismo nada tem a oferecer como ferramenta de luta contra um capitalismo financeiro transnacional aliado à onipresença das redes sociais e comunicação imediata”.
Um longo percurso e uma longa discussão que, por isso mesmo, ficam para mais um emocionante capítulo da emocionante novela de se pensar, no fio da história, a questão da organização: partidos, movimentos sociais, ação e participação política.
Afinal, não são estes alguns dos nossos grandes desafios, hoje, na luta contra um golpe de Estado que vem destruindo o país?
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