Religião, Ciência e Política

Por Luiz Carlos de Oliveira e Silva.

1. Os discursos da Teoria da Evolução e do Gênesis, ao contrário do que muitos imaginam, não são discursos concorrentes acerca da “origem do Homem”. Não são concorrentes porque não são discursos de mesmo gênero. Portanto não faz sentido opor um ao outro. Quem insiste em fazê-lo são os criacionistas, por meio de uma leitura muito particular do texto bíblico.

2. Logo de início, é importante distinguir o Gênesis da sua leitura “criacionista”. Gênesis e o Criacionismo não são a mesma coisa, não são sinônimos.

3. O Gênesis é um relato mítico da origem do homem e da mulher. O Criacionismo é um movimento político-religioso baseado numa leitura ideológica que nega o caráter mítico, isto é, simbólico, do relato do Gênesis.

4. O criacionismo faz uma leitura literal do texto bíblico, motivada por um interesse político-religioso, de caráter “fundamentalista”, como se este descrevesse fatos histórico-naturais. Trata-se de um estratagema para opor o Gênesis à Teoria da Evolução, o que é uma enormidade.

5. A teoria darwinista e o relato bíblico da Criação referem-se ambos à origem do homem e da mulher, mas não têm o mesmo objeto. Não falam de uma mesma coisa e, por isto, não são discursos de mesmo gênero.

6. A Teoria da Evolução fala de processos naturais de transformações que resultaram no surgimento do homem e da mulher. Trata de história natural, portanto, sem qualquer interesse pelo plano simbólico ou religioso.

7. O Gênesis, por sua vez, sem qualquer interesse pela verdade dos fatos da história natural, visa atribuir um sentido ao processo de transformações naturais que resultou no surgimento do homem e da mulher.

8. Um fala de fatos histórico-naturais, sem falar de sentido da vida, por isto ser estranho à ciência. O outro fala de sentido da vida, e por isto fala de fatos simbólicos, sem referência, em geral, a fatos de história natural.

9. Repito: Gênesis e Teoria da Evolução não falam de uma mesma coisa, não são narrativas de mesmo gênero e, por isto, não podem ser discursos concorrentes. Um debate entre darwinistas e criacionistas é, em geral, uma impossibilidade lógica, um diálogo de surdos.

10. A Teoria da Evolução fala do surgimento do homem e da mulher do ponto de vista dos fatos da história natural, com o interesse de identificar e mostrar a cadeia de acontecimentos, a sua lógica interna imanente à natureza.

12. O Gênesis, isto é, o relato mitológico da Criação fala do surgimento do homem e da mulher com o interesse de dar um determinado sentido à vida humana.

13. À ciência não interessa o “sentido da vida humana”, e sim as “leis da natureza”. À consciência mítica, as “leis da natureza” só interessam na medida que revelem um sentido para a vida humana.

15. O interesse em identificar e mostrar a cadeia de acontecimentos e a sua lógica interna imanente à natureza é tão importante quanto a necessidade que temos de emprestar um sentido ao tudo o que nos cerca.

16. Ciência e mito são discursos distintos, de gêneros distintos, com intenções distintas, mas ambos, cada um a seu modo, atendem a necessidades humanas.

17. O Criacionismo luta, histericamente, para os “igualar” ciência e mito. Faz isto com um claro interesse político-religioso: fazer retroceder a marcha da história à pré-modernidade, quando toda produção espiritual humana (filosofia, ciência, arte etc.) tinha que estar subordinado aos chefes religiosos.

18. A modernidade emancipou a produção espiritual humana dos chefes religiosos, o que resultou em extraordinárias conquistas de Civilização. Max Weber chamou este processo de modernização de “autonomia das esferas de valor”, onde a política, a arte, a ciência libertam-se da tutela da religião.

19. A perda de centralidade da religião no Ocidente abriu a possibilidade para a própria religião reencontrar-se com a sua dimensão ética, existencial, perdida ao longo da história, quando se confundiu com moral e política.

20. O Criacionismo é, a um só tempo, historicamente regressista e religiosamente deletério. Ao impor, com um interesse politicamente reacionário, ao texto bíblico a sua leitura literal, a extraordinária riqueza simbólica que ali reside se perde melancolicamente.

21. O Criacionismo faz má política e má religião: má política por reacionarismo regressista e má religião por querer condená-la a seguir reduzida à moral. Permanecendo reduzida à moral, a religião perde a chance de redimir-se a si própria.

Luiz Carlos de Oliveira e Silva, professor de filosofia

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