Os franceses voltam a se levantar
Por Alejandro Acosta
As enormes mobilizações nas ruas contra a reforma trabalhista, em 2015 e 2016, foram controladas pela retirada do projeto de Lei, que acabou passando posteriormente, por meio de um decreto, durante o governo de Emmanuelle Macron. O trator Macron, o filhote dos Rothschild, uma das 148 famílias que domina o mundo, parecia que iria passar por cima de tudo para reduzir o déficit fiscal do 2,2% do PIB para o 1,2%, com o objetivo de aumentar os repasses para os monopólios. Quando aumentou o preço dos combustíveis, veio uma surpresa: as enormes revoltas dos chamados coletes amarelos. Para controla-los, o governo Macron precisou aumentar o déficit público para o 3,2% do PIB; e situações similares aconteceram em vários países vizinhos ameaçados pelo contágio.
Os coletes amarelos ainda existem, embora que bastante menores, na comparação com o início do ano, e atuam aos sábados, enquanto as greves acontecem nas terças e nas quinta-feiras. Em Paris, são os mais fortes e organizados; por isso, o governo tenta controlar Paris por meio da militarização, da infiltração das manifestações, para fazer a campanha do vandalismo, e da repressão aberta; 25 pessoas tiveram os olhos cegados, por exemplo. Eles ganharam muita simpatia da população quando abriram os pedágios. No “democrático” Brasil, com as novas leis, quem ousar realizar uma operação similar ou pular uma catraca poderá ser enquadrado na Lei Antiterror.
Os ataques contra as condições de vida
A metade dos trabalhadores tem contratos precários, renovados cada poucos meses. Está aumentando a “uberização” embora que a outra parte ainda conte com contratos por tempo determinado.
Os franceses são muito revoltados com os pedágios, que existem em alguns trechos das rodovias e são muito caros. Muitas vezes se gasta mais de pedágio que de combustível. Quando Nicolas Sarkozy tentou colocar tudo em regime de concessões e inundou o país de radares, os bretões quebraram tudo. Na Bretanha, a partir de Nantes e Rennes, até Finisterre, não há pedágios por causa da resistência popular; François Hollande os retirou. Na Alsacia, há pedágios simbólicos, por causa da proximidade com a Alemanha, onde ainda não há pedágios.
As grandes regiões pobres na França estão localizadas no norte, que faz fronteira com a Bélgica, que tinha minhas de carvão e muitas indústrias, perto de grandes cidades como Lille, e na região de Marseille até a fronteira com a Espanha. A região próxima a Bourdeuax é conhecida como o cordão da pobreza. Nestas regiões, há muitos desempregados, principalmente jovens, que estiveram na base dos coletes amarelos. Antes deles, havia os bonés vermelhos na Bretagna, uma agropecuária (intensiva) em frente à Inglaterra, cuja grande resistência os inspirou e onde as greves e os atuais protestos estão muito fortes.
Como se desenvolvem os protestos?
Nas últimas semanas, vieram os protestos contra a reforma da Previdência Social. São uma série de greves parciais que se encadeiam e que, mais ou menos, uma vez por semana, desembocam em grandes greves gerais. As últimas aconteceram nos dias 10 e 17.12.2019, com ampla adesão. No dia 16.12, aconteceu a greve nacional dos trabalhadores rodoviários. A partir do sábado 14 de dezembro, começou a greve dos médicos gerais que se repetirá todos os sábados pelas manhãs. Uma greve nacional dos bombeiros está marcada para o dia 14 de janeiro de 2020.
As greves têm sido maciças em vários setores, principalmente o do transporte. Especificamente na SNCF (Société Nationale des Chemins de fer Français), a empresa pública de trens várias linhas têm sido paralisadas ou semi-paralisadas. Apesar da greve ser contínua em alguns setores, mas é de 100%, mas de 50% ou de 60%; depende da linha e do trecho.
A SNCF ainda não foi formalmente vendida, mas existem empresas de joint venture que exploram algumas linhas e fazem competição com a própria SNCF. Macron para tentar privatizar SNCF quis cobra-lhe uma dívida de 30 bilhões de euros, que tinham sido utilizados para expandir a malha de trilhos, ao longo da história, declarando que aceitaria dar um desconto de 10 bilhões. Mas não seria tarefa do estado investir na infraestrutura que agora está sendo colocada à disposição dos monopólios?
A SCNF é a maior proprietária de terrenos na França, que o governo quer libera-los para a especulação imobiliária.
Em Paris, há a RATP (Régie Autonome des Transports Parisiens), com ônibus e trens, o sistema de transporte local, com um grau de adesão muito grande desde o dia 5 de dezembro.
No dia 17.12.2019, a paralisação do transporte público foi geral. Os professores aderiram. Os trabalhadores da saúde também porque está havendo um sucateamento forte. Estão fechando leitos nos hospitais; aumentando o número de pacientes por profissional. Os aeroportos, que estão na fila da privatização, também se encontram em estado de greve ou em operação tartaruga; uma conexão, por exemplo ao invés de demorar duas horas, pode demorar 15 horas.
Paris é a cidade onde os protestos contam com a maior adesão. Até os policiais de rua, onde a taxa de suicídios tem aumentado muito, têm participado. Os ferroviários prometem continuar a greve no Natal.
Para controlar o setor da saúde, a política do governo Macron tem sido dar aumentos só para os parisienses com o objetivo de dividir a categoria, enquanto os salários a nível nacional estão congelados, aumenta o número de doenças e de idosos, e cada vez menos pessoas querem entrar na categoria. O governo levanta a campanha de culpabilizar os trabalhadores.
A liquidação da Previdência Social
O governo Macron recuou parcialmente nos ataques à Previdência Social por causa da pressão das ruas, mas devido ao aprofundamento da crise capitalista precisa atacar as massas com truculência. O primeiro-ministro Édouard Philippe, anunciou que o novo sistema universal de pensões na França vai abranger apenas as gerações nascidas a partir de 1975, e todas as regras do novo sistema só valerão para quem entrar no mercado de trabalho a partir de 2022.
A idade da aposentadoria base é de 60 anos e o governo busca passa-la para os 64 anos. A diferença da Alemanha, onde as pessoas se acostumaram com pagar previdência privada para complementar uma aposentadoria baixa, na França, ainda não acontece, é isso que estão tentando passar.
Algumas categorias têm aposentadorias de 100%, por causa do histórico de lutas históricas. Os maquinistas de trem, por exemplo, podem se aposentar mais cedo por causa de que no início da categoria, no século XIX, as empresas eram privadas e faltava mão de obra.
Uma das políticas aplicadas pelo governo é jogar uma categoria contra a outra, no conhecido “divide e vencerás”. Em paralelo, há a sobretaxação de quem ganha até seis salários mínimo, em 28%, e a sub-taxação de quem ganha mais somente, que pagará menos de 3%, sobre-concentrando a renda.
O sistema dos fundos de pensão não funciona mais; com juros baixos, não conseguem lucrar já que precisariam de 6% de ganho real anual. Só lucram investindo na especulação financeira e quem lucram são os especuladores financeiros. Há também o seguro de vida, que funciona como uma espécie de poupança, mas o objetivo é acabar com as profissões especiais e rebaixar tudo para obrigar todo mundo ir ao sistema de capitalização.
A situação se torna altamente explosiva considerando a carestia da vida. O metro quadrado na cidade de Paris é caríssimo, criando enormes dificuldades para o pagamento dos alugueis. Estão sendo alugados espaços com quatro ou cinco metros quadrados, apesar de que oficialmente no podem ser alugados espaços com menos de nove metros quadrados, por 700 euros mensais. O governo Macron busca criar regras diferentes para quem mora em Paris, para que os rentistas façam explodir os custos em Paris.
Os acontecimentos na França, no Chile ou na América Latina em geral representam apenas o aperitivo da gigantesca desestabilização social que aparece no horizonte, como prenúncio do maior colapso capitalista mundial. O grande capital se prepara para aplicar novamente métodos de guerra civil para esmagar em sangue e fogo a ascensão operária, os mesmos que foram aplicados pelo General Francisco Franco, Adolf Hitler ou o General César Augusto Pinochet. O objetivo é militarizar as sociedades para conduzir o mundo a uma nova guerra em larga escala como a única “saída” capitalista à crise devido às crescentes dificuldades para extrair lucros da produção. Por esse motivo, está sendo colocada em pé a estrutura de golpes militares pinochetistas no Brasil e no Chile, principalmente, e o fascismo avança vento em popa na Europa. Se trata de uma guerra de classes, a vida ou morte, que acontece de maneira mais aberta e por fatores objetivos, a apropriação da riqueza social.
Alejandro Acosta, sociólogo, editor da Gazeta Revolucionária.
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