O “neoliberalismo” para o grande capital

A aplicação das “políticas neoliberais” tem levado a resultados desastrosos na economia e na sociedade capitalista sob a farsa do “livre mercado” e da “democracia”.

 

 

Por Alejandro Acosta

 

O sistema capitalista conseguiu se recuperar da Grande Depressão dos anos de 1930, somente com a Segunda Guerra Mundial, por causa do macabro plano de emprego gerado pelo esforço de guerra à custa de uma gigantesca destruição das forças produtivas. Em 1958, a economia capitalista alcançou o nível de pré-guerra. A partir da segunda metade da década de 1960, o capitalismo começava a “engasgar” novamente – inflação, desemprego, etc.

Os Estados Unidos, sufocados pelos gastos na Guerra do Vietnam, acabaram com os acordos de Bretton Woods em 1971 e, do dia para a noite, abandonaram a conversibilidade do dólar para o padrão ouro. A crise mundial do petróleo, de 1974, colocou em xeque as políticas keynesianas. O neoliberalismo, que tinha sido uma corrente econômica ultra minoritária até a década de 1970, foi catapultado ao primeiro plano da política econômica, em cima dos fartos recursos de Wall Street e da City de Londres.

 

Chile de Pinochet: a primeira (e desastrosa) experiência “neoliberal”

Apesar da propaganda neoliberal sobre a suposta necessidade de diminuir a intervenção do Estado burguês na economia, como mecanismo para fortalecer “os direitos individuais e a democracia”, as políticas neoliberais foram implementadas, desde o início, a sangue e fogo, com ataques gigantescos contra as massas trabalhadoras e a entrega dos recursos públicos a “preço de banana” para as multinacionais imperialistas. A repressão militar, as torturas, os assassinatos, a supressão dos direitos e as liberdades democráticas sempre estiveram associadas ao neoliberalismo, pois, além da “farofada” propagandística, o verdadeiro objetivo era viabilizar os lucros dos capitalistas a qualquer custo.

A primeira experiência que implementou as políticas neoliberais em larga escala foi a Ditadura Militar do sanguinário general Augusto Pinochet, no Chile. Durante os primeiros vinte meses de governo, após o golpe de Estado de setembro de 1973, o governo privatizou várias empresas públicas, abriu o país a novos esquemas da especulação financeira, aboliu o controle de preços, abaixou os impostos às importações e reduziu o orçamento público em 10%, apesar de ter aumentado os salários dos militares. 

Em pouco mais de um ano, a inflação e o desemprego dispararam. A inflação dobrou em 1974, passando para 375%. As empresas nacionais quebraram em massa devido à inundação de produtos importados. Perante tão rotundo fracasso, o próprio Milton Friedman, o “pai” do neoliberalismo, viajou para Santiago do Chile, em março de 1975, quando recomendou, como solução milagrosa, mais do mesmo “neoliberalismo”.

Hoje o grande capital não conseguiu colocar em pé uma política alternativa e, por esse motivo, se vê obrigado a impor uma onda a mais do “neoliberalismo”, com renovados ataques contra os trabalhadores. Em 1975, o orçamento público foi cortado em 27%. A saúde e a educação pública foram desmanteladas, a seguridade social e até os cemitérios foram privatizados. A economia se contraiu em 15% e o desemprego bateu o recorde histórico de 20% para alcançar, em 1982, 30% dos trabalhadores. Neste ano, o colapso econômico somente não aconteceu porque a ditadura de Pinochet não chegou a privatizar a Codelco, a empresa de cobre, responsável por mais de 80% das receitas provenientes das exportações. Na década de 1980, Pinochet voltou a nacionalizar várias empresas.

Políticas muito similares foram implementadas em outras ditaduras do cone sul, como no Uruguai e na Argentina, com os mesmos resultados catastróficos.

O capitalismo, de conjunto, se viu numa encruzilhada perante os efeitos das políticas neoliberais. A crise capitalista continuava avançando e as ditaduras que tinham proliferado após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de conter o avanço da revolução nos países atrasados enquanto que nos países desenvolvidos se implementava o “estado de bem-estar social”, passaram a desmoronar, uma atrás da outra, sob o efeito do novo ascenso das massas.

Em 1979, aconteceu a revolução no Irã, que derrubou uma das ditaduras mais cruéis e próximas ao imperialismo norte-americano, responsável pelo fornecimento de grandes quantidades de petróleo. Em 1980, aconteceu a revolução na Polônia, que iniciou o fim da União Soviética. Na primeira metade da década de 1980, a crise capitalista continuava se aprofundando.

 

Dos Estados Unidos e Inglaterra para o mundo

A vitória de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e de Margareth Thatcher, na Grã Bretanha, nos anos de 1980, representou o ascenso da direita ao poder após o fracasso dos setores de esquerda do imperialismo em conter a crise – o democrata Jimmy Carter, nos Estados Unidos, e o trabalhista James Callaghan, na Grã Bretanha.

Carter tinha nomeado o neoliberal, Paul Vaulcker, como presidente da Reserva Federal no final do mandato. Em agosto de 1979, a economia estava em recessão, o desemprego e a inflação em disparada, e os juros chegavam a 21%.

Thatcher, que tinha vencido as eleições de 1979, tomou algumas medidas com o objetivo de desmontar o “estado de bem-estar social” na Grã-Bretanha e tentou enfrentar, sem sucesso, o Sindicato dos Mineiros do Carvão. Tal Sindicato, em 1974, provocou blecautes devido ao corte no fornecimento de combustível para as centrais térmicas, o que provocou a queda do primeiro ministro, Edward Heath. Em 1982, a inflação e o desemprego tinham dobrado e o governo estava tão desgastado, com a aprovação tendo caído para 18%, que era dado como certo que Thatcher seria derrotada nas eleições.

O neoliberalismo se encontrava muito desacreditado. Além do triunfo da revolução iraniana, em 1979, as ditaduras continuavam caindo uma após a outra – Nicarágua, Equador, Peru, Bolívia e outras. A situação foi revertida com a vitória britânica na Guerra das Malvinas, em 1982. Enquanto a Ditadura Militar argentina desabava, o índice de aprovação de Thatcher passou para 59% e ela acabou vencendo as eleições realizadas no ano seguinte.

O aprofundamento da crise capitalista continuava deteriorando a qualidade de vida dos trabalhadores. Em março de 1984, o sindicato britânico mais forte do País, o dos trabalhadores das minas de carvão, que tinham sido nacionalizadas em 1947 e eram subsidiadas em 70% pelo governo, entraram em greve. O governo enfrentou os grevistas com o uso intensivo da força policial, deixando centenas de feridos e prendendo milhares de trabalhadores, se manteve irredutível e conseguiu derrotar a greve após um ano de enfrentamentos.

A partir deste momento, as políticas neoliberais correram soltas. Até o ano de 1988 foram privatizadas a empresa de gás, as telecomunicações, os controles dos aeroportos, o setor do aço, a British Airways e a British Petroleum. O movimento sindical britânico entrou em refluxo, do qual somente começou a se recuperar nos últimos anos.

Nos Estados Unidos, o governo Reagan também tinha conseguido conter o avanço do movimento operário. Em 1981, derrotou a greve dos controladores aéreos após demitir 11.400 trabalhadores de uma só vez. O primeiro setor a ser desregulado nos Estados Unidos foi o da aviação. Com a implementação de reformas neoliberais em larga escala, em 1982, a inflação foi controlada nos Estados Unidos.

Após a consolidação do neoliberalismo como a política oficial nos Estados Unidos e na Grã Bretanha, o imperialismo avançou um passo a mais, impondo a mesma política em escala mundial.

 

“Neoliberalismo” em escala mundial

A partir da imposição das políticas neoliberais em larga escala na Grã Bretanha e nos Estados Unidos, o imperialismo passou a impô-las mundialmente.

A decisão da Reserva Federal norte-americana, de 1981, de aumentar a taxa de juros para 21%, mantendo-a nesse patamar até 1985, levou à disparada da dívida externa nos países atrasados, que tinham se endividado na década anterior, contraindo dívidas a juros flutuantes, para onde se direcionaram altos volumes de capitais parasitários excedentes.

Em 1985, a Bolívia foi transformada na bola da vez. As políticas neoliberais, impostas sob a cobertura da contenção da hiperinflação, também trouxeram resultados catastróficos. O desemprego passou de 20% para 30% dois anos depois. Os salários reais se desvalorizaram em 40%. Estima-se que, em 1989, um de cada dez trabalhadores estava trabalhando no plantio da coca. A exportação de drogas ilegais superava as legais. Com o objetivo de conter os protestos populares, o governo de Victor Paz Estensoro decretou o Estado de Sítio.

A partir de 1989, a Polônia foi o primeiro país do bloco soviético a adotar as políticas neoliberais. Em apenas dois anos, a produção industrial caiu em 30% e, em 1993, o desemprego alcançou os 25%. Nas eleições seguintes, o sindicato Solidariedade, que tinha vencido de lavada as eleições de 1989, somente conseguiu 10,6% dos votos.

O exemplo polonês deixou claro para a burocracia que governava a União Soviética o que deveria acontecer a seguir. Mikhail Gorbatchev, o então primeiro ministro da União Soviética, encabeçou a chamada Glasnost e a Perestroika que, no fundamental, significavam a abertura do regime estatal soviético para uma “economia de livre mercado” neoliberal, sob o controle dos próprios burocratas e das multinacionais imperialistas.

Enquanto isso, na China, as gigantescas manifestações que levaram ao massacre da Paz Celestial, de 1989, tinham sido provocadas pela abolição do controle de preços, a liberalização dos salários, que conduziu a cortes e à disparada do desemprego, enquanto começavam a proliferar os novos milionários. Os protestos foram sufocados, mas as medidas neoliberais, inclusive as que tinham sido congeladas antes dos protestos estourarem, continuaram a ser implementadas. Em 1992, o XIV Congresso do PC Chinês definiu que o País faria uma reforma para passar de uma “economia planificada” para uma “economia socialista de mercado”. A província de Guangdong, onde tinham sido impostas as ZES (Zonas Econômicas Especiais) passou a ser o modelo a ser seguido e “aperfeiçoado”.

A partir do início da década de 1990, as políticas neoliberais eram estabelecidas em larga escala no mundo inteiro. A destruição das forças produtivas e a espoliação das massas trabalhadoras alcançavam níveis históricos.

 

Dos “neoliberais” ao saque da Rússia

As políticas “neoliberais” foram impostas na Rússia durante o governo de Boris Yeltsin, a partir de 1991, principalmente a partir do golpe de Estado de 4 de outubro de 1993. No dia 28 de outubro de 1991, Yeltsin suspendeu o controle de preços. A seguir foi decretada a liberalização do comércio e um gigantesco programa de privatizações que contemplava, na primeira fase, 225 mil empresas públicas. No ano seguinte, os ingressos russos caíram 40% e a terceira parte da população caiu abaixo da linha de pobreza. A especulação financeira correu solta. As bolsas rendiam 2000% em três anos.

A partir da reeleição de Yeltsin, em 1996, as privatizações a preço de banana e em cima de recursos públicos, avançaram para o “filé mignon” da economia russa – a indústria petrolífera, do aço, as ferrovias e o sistema bancário. Diferente do que aconteceu na maioria dos demais países, na Rússia, uma fatia importante da economia ficou nas mãos dos novos capitalistas locais, antigos membros da burocracia estalinista do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), que tinham fortes vínculos com o Estado russo. Sob esta base social está estruturado o nacionalismo russo atual.

Em 1998, a economia russa, extremamente fragilizada pela rapina neoliberal, desabou perante a pressão da crise capitalista que atingiu fortemente a Ásia. O índice de popularidade de Yeltsin caiu para o recorde mundial de 6%. Mais de 30% da população vivia em condições de pobreza extrema, miseráveis.

 

“Neoliberalismo”: a política oficial do imperialismo

No mês de novembro de 1989, o FMI, o Banco Mundial e o Tesouro dos Estados Unidos lideraram a validação de uma série de políticas que ficaram conhecidas como o Consenso de Washington.

Havia dez componentes principais, cuja implementação passou a ser monitorada pelos principais organismos controlados pelo imperialismo – o FMI, o Banco Mundial, o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), transformado, posteriormente, na OMC (Organização Mundial de Comércio e a OCDE. Na Europa tinham a UE (União Europeia), a Comissão Europeia e o BCE (Banco Central Europeu).

Os principais recursos dos países foram direcionados para a especulação financeira, sob o controle e para o benefício das potências imperialistas. Disciplina fiscal se tornou sinônimo da priorização dos pagamentos da dívida pública a qualquer custo: 

Redução dos gastos públicos: cortar os gastos com os programas sociais e os serviços públicos; 

Reforma tributária: redirecionar os impostos para os gastos estatais prioritários, em primeiro lugar, a dívida pública; 

Juros de mercado: favorecer o sistema financeiro;

Câmbio de mercado: deixar as moedas nacionais à mercê dos interesses dos especuladores imperialistas;

Abertura comercial: desestruturar as indústrias locais e abrir para as importações, conforme os interesses imperialistas; 

Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições: entregar os recursos nacionais em massa para os imperialistas. 

Privatização das estatais: entregar as empresas públicas a preço de banana para os imperialistas.

Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas): reduzir amplamente os impostos dos capitalistas, arrocho salarial, além da situação de verdadeiro faroeste, que conhecemos hoje muito bem, em favor dos maiores lucros a qualquer custo. 

Direito à propriedade intelectual: monopólio tecnológico pelas multinacionais imperialistas, que usufruem royalties parasitários.

 

A OMC, fundada em 1995, foi dotada de poderes supranacionais que lhe permitem interferir nas legislações nacionais. O papel do BCE, dominado pelo imperialismo alemão, foi impulsionado, principalmente, a partir de 2002, pelo chanceler alemão Gerhard Schroder.

 

Colapso “neoliberal” da Argentina

Desde 1989, o governo argentino, liderado por Carlos Menen e o ministro de Economia, Domingo Cavallo, aplicou, ao pé da letra, as políticas neoliberais impostas pelo FMI e os demais organismos imperialistas. Praticamente todas as empresas estatais foram privatizadas, o comércio exterior liberalizado e o controle de câmbios eliminado. A própria Constituição passou a impedir a mudança da paridade do peso em relação ao dólar. As demissões de funcionários públicos aconteceram em larga escala e os salários e aposentadorias foram arrochados. Em apenas uma década, o País entrou em colapso. A dívida externa passou de US$ 16 bilhões para US$ 132 bilhões.

Após ter mergulhado quatro anos em profunda recessão, em dezembro de 2001, a economia argentina entrou em colapso. Perante o enorme descontentamento social, o próprio presidente Eduardo Duhalde, que assumiu o governo a seguir, declarou a necessidade de mudar o modelo que, segundo ele, “atirou para a pobreza dois milhões de compatriotas, destruiu a classe média, arruinou as nossas indústrias e reduziu a nada o trabalho dos argentinos”.

 

O saque “neoliberal” da África

Os chamados “anos dourados” capitalistas, que se seguiram durante aproximadamente duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, se restringiram exclusivamente aos países imperialistas. A África conheceu o avanço das lutas anti-imperialistas no período, que levou à tomada do poder por movimentos nacionalistas um grande número de países, a partir da década de 1960, que passaram a adotar medidas que favoreciam as massas trabalhadoras e eram contrárias aos interesses das potências imperialistas.

O apito inicial para a escala do neoliberalismo na região foi dado pela África do Sul, o país mais desenvolvido da África negra. O regime do apartheid tinha ficado muito enfraquecido devido ao aprofundamento da crise capitalista. Isso provocou o ascenso do movimento grevista e revolucionário, acentuado após a derrota do exército racista na histórica batalha de Cuito Cuanavale, em 1987/1988, pelas forças angolanas, cubanas e os guerrilheiros da Namíbia.

No início de 1990, Nelson Mandela, que tinha ficado encarcerado durante 27 anos pelo regime do Apartheid, fez um acordo com o governo racista de F. W. Klerk para promover a “transição pacífica para a democracia”. O pacto foi uma enorme capitulação à burguesia racista branca e ao imperialismo, que se comprometia a manter os privilégios econômicos “em pé” e concordava em promover as políticas econômicas em larga escala no País.

 

Para conter o avanço das massas populares, a frente popular que subiu ao governo foi estruturada com base no acordo entre o CNA (Conselho Nacional Africano), a Cosatu (central sindical) e o PCS (partido estalinista), que possibilitou manter a estabilidade do novo regime até as enormes greves dos trabalhadores mineiros que estouraram em 2013.

As medidas neoliberais se sucederam uma atrás da outra. Independência do Banco Central. Permanência no Ministério das Finanças do ministro branco racista e neoliberal, Derek Keyes. Proteção à propriedade privada a qualquer custo, o que impossibilitou a implantação da reforma agrária, uma das principais bandeiras históricas do CNA e da luta do pobre negro. 

O programa econômico, publicado em 1996, colocou em prática, de maneira plena, as medidas estipuladas pelo Consenso de Washington e inviabilizou qualquer possibilidade de melhoria das condições de vida das massas trabalhadoras: mais privatizações a preço de banana, cortes nos investimentos públicos e nos gastos sociais, ataques contra os direitos trabalhistas, abertura comercial e cambial etc. O governo chegou a rejeitar a sugestão da Comissão de Verdade e Reconciliação, que propunha um pagamento de 1% do faturamento das empresas, uma única vez, para levantar fundos com o objetivo de indenizar às vítimas do apartheid. No sentido oposto, o governo do CNA continuou a pagar as dívidas contraídas pelo regime racista, o que, só até o final da década, custou US$ 4,5 bilhões.

No final da década de 1990, os preços e o desemprego tinham disparado, milhões de pessoas deixavam de ter acesso aos serviços públicos básicos, como água encanada, energia elétrica e telefonia, devido à impossibilidade de pagar as altas tarifas. A burguesia branca e as multinacionais imperialistas continuaram controlando a mineração, principal componente da economia, os bancos e os principais setores.

Políticas parecidas foram impostas nos demais países na região, que foram direcionados à produção espoliadora de matérias primas. Os programas sociais e os investimentos públicos, que favoreciam o desenvolvimento local, foram desmontados. Ao lado da burguesia branca começou a crescer uma camada burguesa tão exploradora e reacionária quanto a primeira.

 

O saque neoliberal do Brasil

No Brasil, o neoliberalismo foi imposto de maneira mais lenta que nos países vizinhos devido às peculiaridades históricas e locais. Tendo herdado a maior dívida externa do mundo e altas taxas de inflação do regime militar, o governo Fernando Collor de Mello tentou implementar políticas neoliberais, de maneira acelerada, sob a máscara de combate a hiperinflação que, em 1990, tinha alcançado 1500%. O descontentamento de setores importantes da burguesia nacional levou ao impeachment, apenas dois anos mais tarde, com a desaceleração ou congelamento das medidas.

Foi o governo FHC que impôs as políticas neoliberais em larga escala no País, a partir de 1995, de maneira tardia na comparação com os demais países da região. O Plano Real conseguiu controlar a inflação ancorando a moeda nacional no dólar, ainda quando FHC era ministro das Finanças do governo de Itamar Franco. O controle das massas trabalhadoras somente foi possível devido ao apoio do PT e da CUT.

 

Os principais setores da economia nacional foram repassados para as multinacionais imperialistas em cima de recursos públicos – o setor financeiro, as telecomunicações, a siderurgia, a indústria metalúrgica, o setor elétrico, a saúde e a educação. A Vale foi vendida por apenas US$ 3 bilhões, menos de 2% do seu valor de mercado, dos quais uma parte foi financiada com recursos públicos e outra foi estornada na forma de abatimento nos impostos. A Petrobras, apesar de não ter conseguido ser privatizada formalmente, foi colocada sob o controle das multinacionais – 40% das ações foram colocadas na Bolsa de Nova Iorque por ridículos US$ 7 bilhões, quando na verdade valiam pelo menos oito vezes mais. Os serviços ficaram sob o controle das petrolíferas. A lei de royalties, de 1997, é uma das mais espoliadoras em escala mundial. Situações parecidas aconteceram em praticamente todos os demais setores.

A abertura das fronteiras levou à compra por preços irrisórios de ícones da indústria nacional como a Metal Leve, Cofap e Cobrasma. O chamado agronegócio, que representa a aliança entre os latifundiários, o setor mais reacionário da burguesia nacional, e as multinacionais, orientou a agricultura para a monocultura depredadora e orientada à especulação financeira. O parasitismo financeiro disparou.

As condições de vida das massas trabalhadoras se deterioraram fortemente devido aos processos de terceirização, externalização, deslocalização, fragmentação e o trabalho temporário ou eventual. Durante o governo FHC, a indústria brasileira perdeu mais de dois milhões de postos de trabalho, o que levou a uma enorme propaganda sobre o suposto fim da classe operária. O movimento sindical, que tinha experimentado um ascenso importante até a metade da década de 1985, entrou num enorme refluxo do qual começou a se recuperar recentemente, conforme a crise capitalista mundial tem se aprofundado no Brasil.

 

Segundo choque neoliberal nos Estados Unidos

Os governos de George Bush Jr. sucederam os governos de Bill Clinton, que, por sua vez, aplicou o programa econômico do Partido Republicano. Tomando como bandeira demagógica a chamada “guerra contra o terror”, as políticas neoliberais foram implementadas em escala ainda maior.

O ponto de partida do governo, em janeiro de 2001, era a necessidade de encontrar novas fontes de altos lucros, já que essas “fontes” tinham se esgotado com o estouro da bolha da Internet e com a queda do Índice Dow Jones em 824 pontos. A terceirização dos serviços públicos avançou de maneira acelerada, assim como a redução dos impostos para as empresas e os especuladores.

Em apenas dois anos, o Pentágono duplicou as verbas repassadas a fornecedores privados, US$ 270 bilhões anuais. As agências de espionagem repassaram US$ 42 bilhões, o dobro de 1995. O recém-criado Departamento de Segurança Nacional (Homeland Security) repassou, entre 2001 e 2006, US$ 130 bilhões. Somente em 2003, o governo Bush Jr. desfiou US$ 327 bilhões nos contratos com fornecedores.

 

No Iraque, a farra financeira alcançou níveis apocalípticos. Logo após a invasão, Paul Bremer, o encarregado pela política econômica no País, abriu as fronteiras às importações e declarou que as 200 maiores empresas seriam privatizadas, a começar pela empresa nacional de petróleo.  As medidas incluíram a redução dos impostos pagos pelas grandes empresas, de 45% para 15%, as multinacionais puderam ser proprietárias de 100% dos negócios, a remessa de lucros poderia ser de 100% e ainda sem pagar impostos. As concessões tinham duração de 40 anos com a possibilidade de renovação. A privatização da empresa nacional de petróleo foi adiada até 2007, mas os invasores se apropriaram dos US$ 20 bilhões que havia em caixa.

Fartos recursos públicos foram destinados às multinacionais imperialistas para a reconstrução do Iraque. A privatização do esforço de guerra foi levada ao extremo. Estimativas apontaram que, em certos momentos, havia dois contratistas para cada soldado norte-americano em solo. A resistência do povo iraquiano foi responsável pelo colapso das políticas dos invasores no País. A guerra do Iraque enfraqueceu enormemente o imperialismo norte-americano que, além de ter aumentado imensamente o endividamento público, foi derrotado militarmente. Ambos os fatores o obrigaram, inclusive, a reformular a política militar.

Apesar do fracasso, as políticas neoliberais têm continuado a ser impostas devido à falta de alternativas para manter as obscenas taxas de lucro dos especuladores financeiros. Elas foram muito além da privatização dos serviços públicos em New Orleans, após o desastre que aconteceu com a passagem do furacão Katrina, para a qual foram destinados nada menos que US$ 20 bilhões em recursos públicos.

O colapso capitalista de 2007/2008 levou à lona o sistema financeiro norte-americano e várias multinacionais não financeiras. Os trilhões repassados nos últimos quatro anos, assim como as políticas públicas, levaram o endividamento público a bater, de maneira recorrente, todos os recordes históricos imagináveis, numa espécie de keynesianismo neoliberal. Os mecanismos de contenção desabaram em escala mundial, a partir do segundo semestre de 2011 e, com particular força, no ano passado, deixando evidente a gigantesca podridão da economia e da sociedade.

 

Alejandro Acosta, Sociólogo – Gazeta Revolucionária

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