Volta dos militares: a carta – não na manga – mas no coturno

Resenha de Piero Leirner sobre o livro “Carta no Coturno“, de André Ortega e Pedro Marin

Um ótimo livro está na praça. Trata-se de “Carta no Coturno”, de André Ortega e Pedro Marin. Lançado muito recentemente, e escrito no calor da hora, é um conjunto de ensaios, intuições e pesquisas que não tem paralelo organizado em uma só tacada. Tudo junto, forma um diagnóstico – que não dá para ser resumido, pois é profundo. Mas sem querer dar um spoiler, basta seguir o próprio subtítulo para ver qual é o horizonte que ele aponta: a volta do “partido fardado” no Brasil. A expressão é de um dos que mais entendeu do que se trata o papel militares do Brasil, Oliveiros Ferreira. Ele, que foi o responsável para colocar minha orientadora, Maria Lucia Montes, e eu, em 1991, para estudar “etnograficamente” os militares, sempre dizia: “O Partido Fardado é mais estado de espírito que organização”. Foi assim que fui estudar hierarquia, o que para ele é o equivalente sociológico para o espírito militar ao que é a política para o espírito da guerra: o limite do real, a necessidade imanente de se criar uma forma sintética à pulsão ilimitada que o poder e a violência projetam a partir dos seus fundamentos mais puros.

Oliveiros sempre detectou que o “partido” – quase uma expressão do descontrole dessa pulsão – é praticamente coator do Estado no Brasil. “O Exército, já o assinalamos, foi desde o início da nacionalidade, a grande armadura que sustentou a unidade da Pátria …” (Gen. Lyra Tavares); “O Exército, como instituição democrática por excelência, como verdadeira ossatura da nacionalidade é, por sua natureza a instituição que primeiro e mais rapidamente deve se recompor, tanto é verdade que a integridade da Pátria, mais que a do regime, repousa em sua eficiência.” (Gen. José Pessoa Albuquerque). A “Nação que nasce em Guararapes, junto com o Exército Nacional”, é o bordão atual. E as intervenções? E o que vimos na história da República? Desde seu início, volta e meia o “Partido” volta a aparecer irrompendo como uma sombra hobbesiana retro-projetada. A grande parte das análises acadêmicas sempre se perguntou “a mando de quem?”. Esse é um ponto que, se li certo, os autores são taxativos: ruindo os filtros que bloqueiam o acesso da guerra à política, as elites mandam as instituições às favas e a guerra passa a ordenar o jogo político (e este a ela), imbricando seus horizontes e coincidindo seus centros de gravidade: “As elites, até o momento, têm preferência pelas aparências democráticas (…). Por que parecem recorrer à via autoritária? Porque assim a têm na manga – ou no coturno” (p. 30).

O que vemos ao longo do livro é como os militares se prepararam em vários níveis para novamente realizar esta fusão de horizontes. Conclusivamente eles apontam, em várias partes do livro, que o destino não pode ser outro senão a tomada do poder. Retirando o tom exclusivista e um pouco irritante da conjunção entre análise e previsão (“só nós vimos, só nós sabemos”; “faltam especialistas”; “os que sabem não falam”, etc [p. 12]; gente, não é bem assim…), é verdade, e é nosso dever refletir a respeito, que pouca gente foi nessa direção. O Duplo Expresso também foi, mas não organizou livro; não faz revista; é caótico por opção, desde os tempos em que éramos um bate-papo reunido em “romulus.br”, com o Romulus Maya à frente, em 2016. Eu mesmo sou cobrado a fazê-lo, mas mesmo correndo contra o tempo, sabemos – como sempre dizem o meu parceiro Luiz Henrique de Luiz Henrique Toledo e minha companheira Aline Iubel – que o tempo acadêmico é insuportavelmente lento. Mas isso não importa. Importa o livro dos caras. Não se trata de concordar com 100% do que está lá, mas de se estar aberto para onde o diagnóstico aponta; por exemplo, minha hipótese sobre o que está acontecendo é “paralela”, vai na mesma direção só que em uma pista diferente. Não vou ficar detalhando o livro aqui ponto por ponto, até porque isso vale muita tinta, mas sobretudo porque acho que é interessante que todo mundo que estiver lendo esta mensagem compre o livro e veja por si.

Vamos dizer que o que mobiliza o livro são os eventos a partir de 2016. O impeachment como solução de uma substituição dos tais filtros que procuram produzir um rearranjo moral e institucional, mas que começam a virar pó ao acionar a “carta no coturno”. As análises começam nessa época também. O que não impede, em capítulos valiosos, mostrar como o gatilho estava sendo armado desde antes: a Doutrina Monroe e seus agentes internos; a Doutrina de Segurança Nacional, uma verdadeira cosmologia militar; um capítulo único sobre a Biblex e sua função de produção de uma “intelectualidade orgânica” que penetra as academias militares; amostras muito importantes de como se liga o anti-comunismo à noções de contra-insurgência, e, especialmente, das visões mais recentes que incorporam toda uma problemática (nada trivial e nada óbvia) de como o “sistema do terreno humano” e uma visão baseada na teorias do (Ex) Coronel da USAF, John Boyd formam, na verdade, um verdadeiro atestado para que o Exército se adaptasse aos novos tempos, e criasse sua versão atual do “inimigo interno” (Boyd, como insistentemente venho falando, é o protoplasma dos manuais “Opsi” da Guerra Híbrida, junto com outros que o seguem, como os Coroneis Richard Szafranski e Frank Hoffman [se estes são as mães desse monstrengo, Boyd é o pai]).

Vou tocar mais nesse tema, pois me intrigou por que, afinal de contas, tendo chegado a pontos que vão de encontro aos temas correlatos aos que tocamos toda santa semana no DE (entre eles, essa praga que falo desde 2009, o “Human Terrain”, que por motivos óbvios, só percebi seu por conta do envolvimento de antropólogos na linha de contato com o inimigo), os autores não insistem no tema da guerra híbrida no Brasil. Isso, imagino eu, é proposital, pois eles identificam uma certa oposição (em termos de cosmologia militar) entre uma passagem de Clausewitz para uma condição “pós-qualquer coisa” (que na minha interpretação jamais foi moderna, até por retomar Sun-Tzu); de um achatamento do nível estratégico para um “overload” tático; de um escamoteamento dos atores nacionais para uma “fractalização” da guerra em múltiplas escalas (o exemplo da Ex-Iuguslávia é excelente). Creio que eles têm certa razão em fazer uma defesa de Clausewitz (e colocar isso no livro, que, repito, o faz de maneira nada óbvia nem trivial), pois, no fim, essas noções podem (mas não necessariamente devem) levar a uma obliteração da ação imperialista que no fundo está acionando grande parte desse jogo. Nesse sentido vale adiantar a referência que eles trazem às obras de Moniz Bandeira.

Isso de um lado. Mas, de outro, fiquei também me perguntando se essa defesa de Clausewitz – e consequente construção de uma imagem mais clássica de um “golpe”, à maneira que Luttwack descreveu no sensacional “Golpe de Estado: um guia prático” (aqui traduzido pela Paz e Terra) –, no fundo também não tem a ver com o diagnóstico desesperador – e certeiro! – das respostas que o cirandeirismo da esquerda tem dado do outro lado. As resistências “multitudinais” e “fluidas” à Negri, “infinitesimais” e “biopolíticas” que resultaram numa leitura tosca do identitarismo, etc., enfim, toda a negação da esquerda em se filiar à estratégia como único ponto de sobrevivência frente ao óbvio: o trator não é só um arado motorizado, ele vem com todas as máquinas para transformar a terra em um grande cimentado. O apelo a Clausewitz tem assim toda a razão, a esquerda se tornou uma banana amassada. A cara de “não sei” do petismo enquanto Villas-Boas tuitava que o Exército estava agradecido pela “sinergia” com o TRF-4 me faz perguntar, até hoje, por que raios alguém ainda acredita que “as instituições estão funcionando”, e pensa que as eleições em 2022 vão ser diferentes (se houver) das de 2018.

Nada disso que estamos presenciando vai aliviar. A política parece funcionar para os comentaristas de jornal, mas a guerra continua agindo como uma “infraestrutura”. O problema, e eles reconhecem isso, é que em dado momento essas teorias que vem de Boyd – e que alimentam a tal guerra híbrida – não só começam a “pegar” como também começam a moldar o mundo à sua imagem. Por isso mesmo acho que não podemos nos desapegar tanto assim da guerra híbrida (aliás, eu nem diria tanto essa, seguindo aquele roteiro de “revolução colorida” + “guerra não convencional”; uso na falta de termo melhor e mais visível, mas para mim aqui foi e é o laboratório de uma versão 2.0 disso), uma vez que ELA PRÓPRIA INSTITUI OS MECANISMOS DE SUA AUTO-REFERÊNCIA. A guerra híbrida se orna uma profecia auto-realizável no momento mesmo em que ela dissimula a ideia de que ela existe. Afinal, ninguém está vendo tanques nas ruas. Mais do que isso, foi preciso, como bem notam os autores de “Carta…”, que as “ameaças” fossem disparadas ara dentro das Forças Armadas, para que o resto viesse: pilhas de procuradores e juízes fazendo cursos na ESG, Mourões & cia falando na Maçonaria, nos Institutos Milleniuns, nas XPs e etc.

Isto é, um dos pontos dessa nossa guerra híbrida foi em primeiro lugar usar seus mecanismos na desestabilização cognitiva dos seus portadores, os militares. Não dá para desenvolver isso aqui, mas quem acompanha o Duplo Expresso sabe que estamos insistindo há tempos que esses mecanismos – abordagem indireta, terceirização, infiltração, operações em “hedge”, estratégia de pinça, dissonância cognitiva, dissimulação, criptografia, contradições, confusões, hibridismos, false flags, viés de confirmação, etc. – foram aplicados também nas Forças Armadas, e por elas. Quem começou? Um grupo seleto de Generais, que sabem bem o que fazem. Aí tem cadeia de comando, nada começa com o tenente no pelotão. Se quiserem saber quem são basta ir à sua correia de transmissão, o defesanet, e olhar o que eles estão falando (e de lá “para dentro” inclusive, há tempos). Podemos sim os chamar de “Partido Fardado”, isso está cada dia mais claro.

Portanto, sem negar Clausewitz, diria que a cosmologia atual não matou a estratégia, mas se produziu a fusão dessa com os níveis operacional e tático como “função ilusória” ou “ideológica” com um propósito bem claro, que é… Estratégico! E qual seria? Este é meu ponto, que abre um paralelismo ao dos autores: quanto mais se mantiver a percepção de que “as instituições estão funcionando”; quanto mais se tiver um para-raios útil como Bolsonaro esticando a corda; quanto mais o jogo for traduzido em termos de uma falta de percepção de que os militares têm um projeto de longo prazo, que dispensa o “Governo” e torna este um acessório de um outro nível de atuação no Estado; enfim, quanto mais eles forem vistos como a alma racional e salvadora de toda sorte de caos que eles mesmos fabricaram, melhor (para eles). Não temos dúvida que o ponto é produzir um aparelhamento que torna a relação entre civis e elites produzida a partir do fim do regime militar obsoleta. Tudo agora terá que passar por eles, a começar toda a infra-estrutura, e a indústria de defesa. Não há mais Odebrecht nem estatal “petista” fazendo submarino… Ah sim, botaram na mão dos americanos e cia, mas se pergunte quem no board das decisões vai fazer as intermediações? Esse papel de “oficial de ligação” passa agora por uma turma que não vai sair de lá tão cedo, se é que vai. Tudo se encaixa com esse projeto de gerência local do alinhamento (Extra-Otan) aos EUA. Há também uma opção geopolítica e cultural aí, eles falam abertamente disso.

O ponto é que não dá para dizer que o Estado brasileiro foi vítima de uma “guerra híbrida” em termos “clássicos”. Ele próprio – aliás, a parte “dura” de seu núcleo de poder – foi produtor e indutor dela; e, é preciso dizer, ela não terminou. O ponto é mesmo fazê-la virar permanente – guerra e política se fundiram de vez, assim como guerra e paz. Nesse ponto, concordo com Ortega e Marin, mas a partir de outro “método” ou “meio”. Tanto que onde eles enxergam “passividade” e “crença nas Instituições” dos atores relacionados à Dilma Roussef em relação ao impeachment, eu vejo “infiltração” e “pinça”; onde eles viram uma “carta na manga” com a intervenção militar no Rio para caso a eleição desse errado, eu vi uma “Opsi”.

No primeiro caso, a infiltração resulta no desdobramento das leis 12850/2013 (Organizações criminosas, que incluem a delação premiada) e da lei 13260/2016 (anti-terrorismo), sem contar a Abinzinha da PGR, a lei da Ficha Limpa, a lei 12403/2011 art. 282 que libera as Prisões Preventivas, e, agora até o protoplasma de toda essa história de “patriotic act tabajara” (ver série de artigos e programas do DE, de 25/07 até agora) a partir do episódio dos “Hackers de Araraquara” e do Intercept, com a “Lei Carolina Dieckmann”; isso sem contar na condução da CNV e, especialmente, das nomeações para o Ministério da Defesa, que aparelharam as estatais que faziam a ligação entre o pré-sal, o setor nuclear e de defesa, além do lobby chinês no Planalto. Há ainda 3 anos de material do Duplo Expresso onde mostramos como isso foi lá do “geral” até a filigrana, certo Romulus Maya?

Já no segundo caso, a intervenção, basta pensar que essa foi a contrapartida ao Exército daquilo que foi o FX2 para a Aeronáutica e o Prosub para a Marinha. O que o Exército ganhou? Forças de intervenção sob a bandeira da ONU, mas, mais do que isso, o “Sisfron” aqui: monitoramento de atividades criminosas e de terrorismo nas fronteiras. Coisa de uns 10bi ou mais, onde se criou um batalhão de militares indo todo dia no Congresso batalhar por uma liberação de verba aqui, outra lá. Aprenderam e gostaram do jogo. Tudo isso revestido da segurança das fronteira e proteção do arco Norte, a Amazônia (que é um outro capítulo, já falei um pouco dele no Programa do DE de 30/06). Mas, claro, onde estão, a essas alturas, as Brigadas mais completas? No Sul, acho que com uns 40% do efetivo de todo EB. É de lá onde saiu a turma do apocalipse (ei, tem gente que foi “aumentar os pontos” comandando na Amazônia também, e lá eles sobrevoaram o suficiente para garantir que está tudo bem lá embaixo), e não é à toa que esse cenário de guerra da Cisplatina na verdade produz um giro de 180 graus na Cavalaria (alô defesanet, sabe de onde sai a bateria de S-300? Daí mesmo do RS, e são vocês que apontam os “reais” mísseis, direto para o Rio e Brasília…).

Então é preciso sempre estar atento para uma dissonância entre discurso interno e externo; comando e tropa; e, agora, entre os Generais do apocalipse e seus subordinados, incluindo um certo Presidente aí. Um não, dois, pois de certo modo Bolsonaro é a continuação de Temer por outros meios, e ambos são a expressão englobada de táticas militares. Então o que vimos como discurso? “Não queremos a intervenção”, diziam Braga Netto e Villas-Boas. Mas não foi esse o papel do Comandante desde 2015? Sempre dizendo para fora que o “Exército se distanciou da política”; para dentro, desde antes até, incentivando Bolsonaro a fazer comício dentro da Aman e de outras Unidades. Qual é a “opsi” da “Operação Rio”? Certamente lançar no radar a coleta de sinais sobre como a instituição é vista em termos de “ordem no caos”. Isso sem contar o efeito colateral: com o Congresso travado, a “reforma da previdência” – quase uma “operação psi de espectro total” – caiu no colo de Bolsonaro, e assim ele virou o paladino das elites “subitamente”.

Não vamos nos esquecer que o General Etchegoyen, “Golbery 2.1?” do século XXI, permitiu o Temer ser rifado na incrível falha de segurança do Jaburu, quando Joesley Batista entra grampeado e acaba com o Governo (grampo, de novo, e hacker, agora; por que tudo isso tem o GSI por perto, hein?). Eis que, de repente, ele se torna o “homem forte”, e com toda discrição que lhe é permitida. E a partir daí, começa essa grande reestruturação do Estado, nos tornando um “deep state” governado pelo GSI: decreto 9527/2018 institui a subordinação de toda Intel de todos os setores do Estado ao GSI. Esse abriu as portas, o resto é desdobramento, coisas que já estavam na pasta: MP870/19 com a reorganização da burocracia, concentrando poderes nas mãos dos generais; decreto 9794/2019 passa pelo GSI os Cargos Federais; decreto 9819/2019 cria um conselho de defesa que é praticamente um conselho de guerra permanente; decreto 9830/2019, produzindo anistia antecipada. E agora a “solução final”, o “patrioct act tabajara”, que está no Congresso (PL 2.418/2019).

“Carta no Coturno” instiga, assim, a pensar que para além de tudo, “a quem serve?” a guerra, é possível dizer: a um monte de gente, mas também, e talvez sobretudo, aos próprios militares. O livro é um conjunto de ensaios excelentes, com belas intuições, insights e liberdade na forma de pensar e escrever – além de capítulos eruditos, pesquisas. Ele aponta também para como é possível se organizar frente a isso tudo, o que não vou detalhar aqui, pois, insisto, merece ser lido na íntegra. É só você procurar na página da Revista Opera que lá tem como achar. E quem sabe podemos conversar mais, e mais detalhadamente, com os próprios autores?

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Comentário de Romulus Maya

Romulus MayaExcelente resenha, Piero Leirner. Convidei Pedro Marin e André Ortega a virem ao DE (na próxima terça). Logicamente, tendo vc pra compor a bancada.
Só tenho um comentário adicional: implico um tanto com a expressão (clássica) “partido fardado”. Assim como implico com aquele que a “blogosfera progressista” criou em cima desse: “partido do judiciário”.
Partido vem de parte. Esses dois projetos – ou o mesmo (vai saber…) -, dos militares e dos juristocratas, são totalizantes. Não visam a entrar na disputa política – no jogo de angariar simpatias – mas pairar acima, controlando-a. Se há “partidos” à essa altura, estão au-dessus de la mêlés. Aí já seriam algo como “meta-partidos”, ou mesmo Poderes (de fato para além de de direito). Entre eles até poderia ser feita uma arbitragem “partidária”, nos marcos de um novo pacto político (que existe de fato mas não de direito; uma constituição “secreta” (?), sem texto constitucional), regulando o Estado.
E os… “partidos”.
Certamente aí deverá necessariamente haver algum grau de conflito (e.g., ocupação de espaço/ poder). Mas aí já seriam disputas entre Poderes. E não “partidos”.
Seguindo o que a gente vem falando desde 2016, teríamos um quadrunvirato NÃO ELEITO – do que decorre a impropriedade de falar em “partidos”: (i) Militares; (ii) Juristocracia; (iii) Finança; (iv) Mídia (velha e novas).
Lá de cima, esses PODERES controlam o “jogo” (?).
Inclusive dos… “partidos”.
Piero LeirnerSensacional, concordo em tudo! Bote lá também isso, e o que mais achar que deve!
Romulus MayaTeve quem caracterizasse o Exercito como o “Poder Moderador” do periodo Republicano. Nao é nem mais isso, já que o Exercito – e os seus 3 companheiros de quadrunvirato nao eleito – pairam acima dos “Tres Poderes” classicos de Montesquieu.
Note que o Judiciario veste 2 chapeus diferentes: o de Poder “classico” em Montsequieu, com as atribuições em nível de Estado (“operacionais”), mas também o de “Super-Poder” de fato, no quadrunvirato (“estrutural”) ACIMA do Estado.
Piero Leirner: aliás, não “modera” nada (no duplo sentido), pois não age no impasse, mas fabrica ele. E não é de se surpreender que eles ainda dizem que “se houver anomia, a gente entra”? Então eles até produzem a conversa de “podem vir a ser quem sabe” poder moderador, mas isso é p/ escamotear o que já são!
Romulus MayaQuanto a Marin e Ortega verem “passividade” em Dilma, uma mesa de bar, o audio do (auto) “grampo” em Dilma e Lula e uns offs que tenho (gravados) sobre a condução coercitiva de Lula resolvem a questao… rs

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Resposta do autor:

Pedro MarinEnfim matei o leviatã e fiz salada dos pepinos! Piero Leirner, fiquei muito feliz com essa resenha, e mais feliz ainda por você ter capturado tão bem o espírito do livro e dos argumentos que colocamos nele. Bom, vamos lá:

– Eu espero que você não tenha encontrado numa das passagens do livro, em que cito “etnografia” sobre militares, como uma crítica à etnografia; realmente não é, inclusive porque mesmo o Oliveiros, creio eu, foi muito por esse lado (uma etnografia histórica, talvez?) e porque li também um bocado de etnografia militar para conseguir entender muita coisa que é relevante no argumento. Falo isso porque, lendo agora, percebi que esse trecho meu pode ser lido como uma crítica, mas realmente era só uma observação – que pretendíamos fazer algo ao mesmo tempo mais ousado e menos concreto e fundamentado; um “mini-manual estratégico”.

– Quanto à parte crítica em relação à “falta de especialistas” e etc, foi de fato uma provocação – mas àqueles intelectuais ou pupilos que há dois anos apontavam como uma loucura falar em ressurgimento do poder militar (são aqueles mesmos infectados por Negri que você cita depois kkkkk) e, de repente, no fim de 2018, passaram ao desespero. Quando a gente começou a formular esse argumento, especialmente em 2016, apanhamos muitíssimo; “meninos loucos achando que estão em 1964”, “não são nada e querem nadar contra a corrente, bater de frente com especialista” e coisas do tipo. Daí o porque eu quis destilar um pouquinho de veneno na introdução – mas, sem dúvidas, não era intencional que respingasse em você nem em outros que, sabemos, estão já preocupados com isso há muito tempo. Naturalmente nós compreendemos que o tempo acadêmico tem outro ritmo, inclusive porque o produto final tem que ter um outro aspecto – mas o que me irritava pessoalmente é que justamente sob a sombra da academia é que os golpes mais duros contra o que falávamos fossem feitos, quando, em se tratando de estratégia, aquela fórmula de “sempre atualizar as posições” é que é válida. Quer dizer, algumas pessoas usavam da carapaça do “especialista” e da proteção da academia para dizer que precisamente aquilo que os autores que eles deveriam ler para poderem se chamar “especialistas” dizem é, na verdade, uma grande besteira.

– Quando você fala da sua análise ser “paralela”, é precisamente o que eu pessoalmente compreendi também – e também de algumas coisas que, depois de ter terminado o livro, pude ver no Duplo Expresso. Além de ser paralela, de certa forma é maximalista – nós estamos de certa forma na outra ponta, tratando do mesmo objeto, mas limitando o escopo pra estabelecer que se o “mínimo” do programa do Partido for aplicado, já é uma tragédia; por isso também o livro em alguns trechos toma aquela forma de “tese” – “antítese” – a síntese do leitor tem que preocupá-lo o suficiente para ele pegar as lições básicas e refletir sobre o que pode fazer (já que, em muitos sentidos e por várias razões, não podemos falar exatamente o que pensamos que deve ser feito).

– Quanto à questão da guerra híbrida e do “pós-qualquer-coisa”, acertou em cheio. Isso parte primeiro de uma preocupação de que a constatação do hibridismo da guerra, misturado com a força do “termo da moda”, leve o nosso público – que se caracteriza por uma tradição política bem específica, da qual compartilhamos – à confusão. Quer dizer, que a própria constatação de que a guerra toma formas diversas e multifacetadas faça com que, mecanicamente, as pessoas que compartilham da nossa tradição pensem que a resposta deve seguir pelo mesmo caminho (o que seria uma espécie de suprassumo da guerra híbrida; ela não só como estratégia de determinados atores, mas também como medida geral dos adversários) – daí o porque de eu estabelecer de forma tão “fechada” o esquema bases-estratégia-moral no começo; nós consideramos que a nossa moral e nossas bases sejam incompatíveis com essa lógica. Isso pode levar-nos ao niilismo (“não há o que fazer, eles tem isso, aquilo, etc.”), à perspectiva de deixar de lado a importância do “poder concreto” das bases (“agora o que decide as coisas é o Whatsapp”), ou a ações feitas na lógica do espetáculo (que no meu outro livro, “Golpe é Guerra”, eu considerava úteis no contexto de 2016, para impedir o golpe, mas, no contexto atual, já considero desatualizadas). Em resumo: de fato, eu concordo que há no contexto atual há uma preponderância da tática sobre a estratégia que, como você aponta, também serve a uma determinada estratégia. O problema é que, se não tivermos uma leitura dessa estratégia, e acima de tudo se não tivermos uma estratégia própria e nos focarmos somente nos avanços rápidos da tática do outro lado, vamos acabar engolidos por eles – inclusive porque não temos os mesmos recursos que eles têm (de várias formas eles conseguem inclusive “pautar” nossa percepção; eles podem dispor da Globo, por exemplo, ou criar estruturas complexas de disparo de mensagens – nós não; mas podemos assegurar grupos concisos, por exemplo, com uma forma de organização que eles não têm e em lugares onde eles não chegam).

– Quanto à questão da pinça e infiltração versus passividade e imobilismo, voltamos àquilo que apontei sobre o “mínimo”. Não descartamos a possibilidade de uma pinça – mas aí somos utilitaristas de novo (risos); olhando no micro e apontando a passividade e o imobilismo como os pecados, estamos também apontando, por contraste, o que é virtude; que lições práticas podem ser tiradas. Mas mesmo tomando isso em conta, eu também me pergunto até que ponto as teorias hegemônicas dentro do PT não forçaram uma situação de apaziguamento.

– “Não vamos nos esquecer que o General Etchegoyen, “Golbery 2.1?” do século XXI, permitiu o Temer ser rifado na incrível falha de segurança do Jaburu, quando Joesley Batista entra grampeado e acaba com o Governo (grampo, de novo, e hacker, agora; por que tudo isso tem o GSI por perto, hein?).” /// eu tinha me esquecido disso! É mais um exemplo a ser citado.

Enfim, é isso. Muitíssimo obrigado pela resenha – agora temos uma André Ortega! – e sem dúvidas vamos seguir em contato. Estamos disponíveis 🙂

Um abração

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Pedro Marin e André Ortega estarão no Duplo Expresso (assim como Piero Leirner) na próxima terça-feira, para falar do livro — e muito mais. O livro pode ser adquirido aqui.

 

 

 

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