A importância da extensão da plataforma continental na exploração do Pré-Sal

Aqui a participação de Paulo César Ribeiro Lima no Duplo Expresso de 03/abr/2019:

 

Por Paulo César Ribeiro Lima*, para o Duplo Expresso

A plataforma continental brasileira começa a ganhar importância em 1968, quando a Petrobras descobriu o campo de Guaricema, no litoral do Estado de Sergipe. Em 1985 foi descoberto o campo gigante de Marlim e, em 1997, o campo gigante de Roncador, ambas na bacia de Campos.

Em 2006, foram encontrados os primeiros indícios de petróleo na província petrolífera do Pré-Sal na bacia de Santos. Essa província pode agregar reservas da ordem de 176 bilhões de barris de petróleo. Mas o mais importante são as altas produtividades dos poços já em operação e o baixo custo de extração. Isso torna o Pré-Sal um verdadeiro tesouro.

Já em 25 de abril de 1969, o Decreto-lei nº 553, determinou os limites do mar territorial brasileiro em 12 milhas marítimas, medidas a partir da linha de baixa-mar.

No entanto, em 25 de março de 1970, pelo Decreto-lei nº 1.098, determinou que o “mar territorial do Brasil abrange uma faixa de duzentas milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro”. Nessa época, já havia a percepção da importância da reivindicação unilateral sobre uma extensa área do mar adjacente às costas brasileiras. Esse Decreto, entretanto, não fez menção à plataforma continental.

O mar territorial de 200 milhas era polêmico e refutado pelos países desenvolvidos nessa época. Ocorreram importantes discussões diplomáticas ao longo da III Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM), durantes os anos de 1973 a 1982.

Assim, a versão final da CNUDM adotou um mar territorial com largura máxima de 12 milhas marítimas contadas a partir das linhas de base, e criou o conceito de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), de no máximo 200 milhas marítimas contadas da linha de base, ou seja, 188 milhas para os Estados que estabeleceram um mar territorial de 12 milhas marítimas.

Nos termos da Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, “o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura”. Já o artigo 2º dispõe que: “a soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo”.

Sobre a ZEE, essa Lei dispõe que ela “compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial”.

Sobre a ZEE, o Brasil “tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos”.

Ressalte-se, contudo, que, por meio do Decreto nº 28.840, de 8 de novembro de 1950, o governo brasileiro também declarou que a plataforma continental passava a ser parte integrante do território nacional. O art. 1º desse Decreto estabelece que “fica expressamente reconhecido que a plataforma submarina, na parte correspondente ao território, continental e insular, do Brasil se acha integrada neste mesmo território, sob jurisdição e domínio, exclusivos, da União Federal”. Contudo, o Decreto nº 28.840/1950 não delimitava os limites da plataforma continental brasileira.

Com promulgação da Lei nº 8.617/1993, foram estabelecidos os limites da plataforma continental preconizados na CNUDM. O art. 11 dessa Lei estabelece que plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

Entretanto, a própria CNUDM abre a possiblidade de expansão da plataforma continental além dos limites iniciais de 200 milhas marítimas. Desse modo, o Brasil pretende expandi-la.

A CNUDM só permite o aumento da plataforma continental dentro das condições e parâmetros fixados no tratado, não existindo qualquer possibilidade de expansão do mar territorial, ZEE ou qualquer outro espaço marítimo definido pela CNUDM.

Nos termos do artigo 76, § 1º da CNUDM, a plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

O § 2º estabelece a possibilidade de expansão da plataforma continental além desse limite inicial de 200 milhas marítimas das linhas de base, mas que não deve se estender além dos limites previstos nos parágrafos 4 a 6.

Simplificadamente, o estabelecimento dos limites externos da plataforma continental pode ser de 350 milhas marítimas das linhas de base ou 100 milhas marítimas da isóbara de 2.500 metros de profundidade. No entanto, os parágrafos 4 a 6 do artigo 76 da CNUDM são muito mais complexos do que essa simples regra.

Na realidade, a expansão da plataforma continental não é simples, pois envolve extensas pesquisas e estudos sobre as características geológicas da região submersa, que devem ser submetidas à Comissão de Limites da Plataforma Continental – CLPC.

A CLPC, uma das três instituições criadas pela CNUDM, iniciou seus trabalhos em 1997, seguindo a CNUDM, que havia entrado em vigor em 16 de novembro de 1994. A CLPC distingue-se de todas as outras comissões de caráter técnico criadas para lidar com temas de limites e fronteiras, porque a CLPC é a única comissão técnica e científica do gênero criada por um tratado multilateral, tendo como principal mandato o de analisar os pedidos de extensão da plataforma continental além das 200 milhas marítimas.

A CLPC é composta de 21 membros, peritos em geologia, geofísica ou hidrografia, eleitos pelos Estados-partes entre os seus nacionais, tendo na devida conta a necessidade de assegurar uma representação geográfica equitativa, os quais prestarão serviços a título pessoal. Trata-se de um órgão técnico e científico.

A necessidade de se criar uma verificação independente por um grupo de especialistas na delimitação do espaço estatal da plataforma continental além das 200 milhas marítimas – ao contrário de um simples ato unilateral do Estado – deve-se a dois fatores: (i) a complexidade dos critérios científicos e tecnológicos contidos no artigo 76; e (ii) o leito do mar, os fundos marinhos e o subsolo além dos limites da jurisdição nacional que foram declarados pela CNUDM como “patrimônio comum da humanidade”.

Dessa forma, apesar do caráter unilateral da delimitação por parte do Estado costeiro, os limites exteriores da plataforma continental além das 200 milhas marítimas são submetidos a um tipo de “endosso” pela comunidade internacional por meio da CLPC, afinal, como está consagrado no artigo 76, § 8º, os limites da plataforma continental são estabelecidos pelo Estado costeiro.

Desde 1986 o Brasil, por iniciativa da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar – CIRM e da Marinha, vem desenvolvendo um amplo programa de aquisição, processamento e interpretação de dados geofísicos e batimétricos, com o propósito de estabelecer os limites exteriores da plataforma continental. Esse programa, denominado Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira – LEPLAC), foi instituído pelo Decreto nº 98.145, de 15 de setembro de 1989.

Durante a fase de aquisição de dados, foram coletados cerca de 230.000 km de perfis sísmicos, batimétricos, magnetométricos e gravimétricos ao longo de toda a extensão da margem continental brasileira. A Proposta de Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira foi submetida à CLPC das Nações Unidas em 17 de maio de 2004.

Em setembro desse mesmo ano a proposta começou a ser examinada pela CLPC, numa subcomissão de sete peritos internacionais. A delegação brasileira encarregada de apresentar a proposta e responder aos questionamentos de ordem técnica e científica formulados pela CLPC era composta de especialista da Marinha, da Petrobrás e membros da comunidade científica.

A proposta brasileira de extensão de sua plataforma continental além das 200 milhas previa uma expansão de 911.847 km². Posteriormente, em fevereiro de 2006, o Brasil ainda fez uma adição, ficando a área total pleiteada em 953.525 km². Essa área se distribui principalmente nas regiões Norte (região do Cone do Amazonas e Cadeia Norte Brasileira), Sudeste (região da cadeia Vitória-Trindade e platô de São Paulo) e Sul (região de platô de Santa Catarina e cone do Rio Grande). Nesses termos, a área oceânica brasileira totalizaria 4.400.000 km², correspondendo, aproximadamente, à metade da área terrestre, o que lhe equivaleria o nome de “Amazônia Azul”.

Em termos petrolíferos, é muito importante o platô de São Paulo, pois nessa região podem existir gigantescas estruturas semelhantes à dos campos de Lula, Búzios e Mero, por exemplo. Lula é um campo que já produz mais de 1 milhão de barris de óleo equivalente por dia.

A figura 1 mostra a localização do polígono do Pré-Sal, nos termos da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, e a figura 2 mostra a localização do platô de São Paulo, parcialmente além das 200 milhas marítimas.

 

Figura 1: Localização do polígono do Pré-Sal

Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

 

Figura 2: Localização do platô de São Paulo

Fonte: Escola de Guerra Naval

 

A figura 3 ilustra a extensão da plataforma continental conforme proposta do governo brasileiro.

 

Figura 3 Solicitação de extensão da plataforma continental brasileira

Fonte: Universidade Estadual de Campinas

Nos termos do documento CLCS/54, de 27 de abril de 2007, ficou registrado o exame dos documentos apresentados pelo Brasil à CLPC em conformidade com o disposto no parágrafo 8 do artigo 76 da CNUDM.
As recomendações da CLPC aprovadas no documento CLCS, de 27 de abril de 2007, foram no sentido de não atender integralmente o pleito brasileiro. Do total da área reivindicada pelo Brasil, a CLPC não concordou com cerca de 190.000 km², ou seja, 20% da área estendida além das 200 milhas.

Tendo o Brasil recebido as recomendações da CLPC, os esforços para elaboração de uma nova proposta foram ato contínuo, especialmente por meio da atuação do Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Proposta do Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira (GT LEPLAC), da Subcomissão para o LEPLAC e da CIRM.

Em 10 de Abril de 2015, o Governo Brasileiro encaminhou a “Proposta Parcial Revista da Margem Continental Sul”, que abrange a região situada entre o Sul do Platô de São Paulo e a fronteira marítima do Brasil com a República Oriental do Uruguai. Esta Proposta foi apresentada ao Plenário da Comissão no dia 26 de Agosto de 2015, estando atualmente em análise por uma Subcomissão de sete membros constituída pela Comissão para este fim.

Em 08 de Setembro de 2017, o Governo Brasileiro encaminhou a “Proposta Parcial Revista da Margem Equatorial” para a análise da Comissão. Esta Proposta abrange a região situada entre a fronteira marítima do Brasil com a República da França (Departamento da Guiana Francesa) e ultrapassa o Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), a Leste. A Proposta ainda não foi apresentada ao Plenário da Comissão e nem foi constituída Subcomissão para analisá-la.

Atualmente, o GT LEPLAC está trabalhando na “Proposta Parcial Revista da Margem Leste”, que vai contemplar a região compreendida desde o limite Sul do Platô de São Paulo até Paraíba-Pernambuco, com a inclusão da área da Elevação (ou Platô) do Rio Grande nesta proposta.
Os limites exteriores da plataforma continental brasileira são fundamentais para a exploração soberana das possíveis descobertas no Pré-Sal além das 200 milhas marítima. Dessa forma, pode ser gigantesco o ganho econômico envolvido no pleito brasileiro.

Entretanto, existe o riscos de que o Brasil e a CLPC entrem em um processo de “vai-e-vem”, ou seja, o Brasil solicita a revisão de limite exterior da plataforma continental além das 200 milhas novamente e a CLPG não contempla a solicitação na integralidade; o País faz estudos adicionais a essa proposta revisada e novamente a solicitação não é contemplada. É importante destacar que o regulamento interno da CLPC não prevê nenhum tipo de restrição a propostas adicionais do Estado costeiro.

Além disso, outra possibilidade seria o Brasil fixar os limites da plataforma continental estendida com base em sua proposta revisada, ou seja, desconsiderando as recomendações “definitivas e obrigatórias” da Comissão.

Em termos jurídicos, o art. 76, § 8º da CNUDM consagra a ideia de que os limites da plataforma continental são estabelecidos pelo Estado costeiro, com base nas recomendações definitivas e obrigatórias da CLPC. Ainda que “definitivas e obrigatórias” não deixam de ser recomendações.

Plataforma Continental – imagem de uma apresentação no Senado Federal cuja fonte é o general José Benedito de Barros Moreira – ex-comandante da ESG.

 


* Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia Mecânica pela Cranfield University (1999), ex-consultor legislativo do Senado Federal e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às quartas-feiras.

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