López Obrador, a retomada do nacionalismo popular no México e a esquerda latino-americana
Segue, abaixo, o resumo escrito do comentário do cientista político Felipe Quintas no Programa Duplo Expresso de 4/dez/2018, com o tema “López Obrador, a retomada do nacionalismo popular no México e a esquerda latino-americana”. O início da fala de Quintas já está marcado na janela de vídeo abaixo, bastando clicar play para inicia-la.
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López Obrador, a retomada do nacionalismo popular no México e a esquerda latino-americana
Por Felipe Maruf Quintas, para o Duplo Expresso
A vitória de López Obrador (popularmente AMLO) no México significa o retorno de um governo de matiz nacional-popular após mais de três décadas, tendo sido os últimos os de Luís Echeverría (1970-76) e o final do governo de José López Portillo, quando esse nacionaliza o setor financeiro e impõe controle cambial em resposta à fuga de dólares em contexto de moratória. Essa vitória assume grande importância para a América Latina pois é um contraponto à onda de direita no continente.
No entanto, os desafios ao novo presidente são enormes. O estado aprofundado de degradação social e econômica no México é resultante de décadas ininterruptas de neoliberalismo, começando com Miguel de la Madrid (1982-1988) e sendo aprofundado nos governos nos governos seguintes, seja do PRI (Salinas de Gortari, Ponce de León e Peña Nieto) ou os do PAN (Vicente Fox e Felipe Calderón). A desregulamentação financeira, privatizações, abertura comercial aos EUA e austeridade fiscal como parte de pacotes de estabilização monetária reverteram grande parte do relativo progresso existente desde a modernização no século XIX nos governos de Benito Juárez (1858-1872) e Porfírio Diaz (1884-1911), cujas contradições desembocaram na Revolução Mexicana na década de 1910, que ensejou a partir de então governos nacionalistas, populares e desenvolvimentistas que criaram leis trabalhistas, fizeram a reforma agrária em favor dos camponeses e desenvolveram a infraestrutura e a indústria nacionais. Com o neoliberalismo, a soberania do país foi fortemente atacada com a desarticulação e desmantelamento da indústria petrolífera nacional mesmo sem a privatização integral da Pemex, devido ao sucateamento e venda da distribuição, do refino e da petroquímica, mais lucrativos, mantendo a atuação estatal na prospecção, de maior custo e menor lucro, o que compromete a capacidade de investimentos da empresa. A utilização do petróleo cru como moeda de pagamento da dívida externa levou a um extrativismo sem compromisso com o abastecimento da população e o desenvolvimento do país. A privatização do setor elétrico, iniciada com Salinas de Gortari (1988-1994), avançou a passos largos no governo recente de Enrique Peña Nieto (2012-2018). A adesão ao NAFTA em 1994 levou à desnacionalização produtiva do México e teve como algumas de suas condições a independência (dos governos mas não dos financistas, obviamente) do Banco Central, a retirada de leis trabalhistas e a privatização dos ejidos, terras públicas, com o Estado eximindo-se de garantir terra aos pequenos agricultores, o que levou ao êxodo rural e inchaço das cidades. Em 1997 houve uma reforma da seguridade social que substituiu, na Previdência, o regime de capitalização em substituição ao de repartição, além da proliferação de fundos privados de pensão, espinha dorsal da financeirização. O poder de compra do salário mínimo caiu 60% no período, estando entre os mais baixos do mundo, conforme denunciado pelo próprio López Obrador.
Os caminhos indicados pelo presidente recém-empossado apontam para o sentido inverso ao que se adota no México desde os anos 80, pelo menos em alguns aspectos que não são desprezíveis. Em seu discurso de posse, apesar de reafirmar a manutenção da independência do Banco Central, prometer “austeridade republicana” e a redução de impostos, ele denuncia as privatizações e a injustiça e a ineficiência do neoliberalismo nos últimos 30 anos, promete a resgatar os investimentos em petróleo e energia para tornar o país menos dependente do exterior e atender as necessidades da população com menor custo para essa, além de dobrar o salário mínimo e estender e aperfeiçoar os serviços públicos e a proteção social. Também evoca a memória de Simón Bolívar e José Martí, ícones da esquerda anti-imperialista latino-americana. O símbolo do governo, em vermelho-grená (cor do Morena, partido de López Obrador cujo nome evoca a identidade étnica do povo mexicano), apresenta as figuras históricas dos presidentes nacionalistas Benito Juárez Miguel Hidalgo, José María Morelos, Francisco Madero e Lázaro Cárdenas. O novo presidente da Comisión Federal de Electricidad é o político nacionalista e anti-privatizações Manuel Bartlett. Também foram anunciados investimentos sociais para evitar o fluxo emigratório rumo aos EUA, de modo a fixar o povo mexicano em sua pátria, evitando que ele se torne mão-de-obra aviltada e sem cidadania no vizinho do norte.
Apesar dos poréns, o governo AMLO abre mais uma esperança de emancipação nacional para os mexicanos e os latino-americanos em geral. Cumpre às forças nacional-populares no continente, em especial no Brasil onde historicamente há um afastamento entre os dois países, buscar uma aproximação com o novo governo e as forças que o sustentam, de modo a construir uma aliança internacional dos países periféricos para expandir sua soberania, incrementar sua posição relativa no cenário geopolítico e abrir mais portas de desenvolvimento. Apenas unidos poderão esses países fazer frente aos comandos imperialistas e valorizar seus recursos territoriais, naturais e humanos, utilizando-os para dentro e não mais para fora em benefício dos centros e das oligarquias apátridas locais. Maduro, Evo Morales e Miguel Díaz-Canel entendem isso e foram à posse de AMLO, em gesto de solidariedade patriótica latino-americana. Coincidência ou não (em política e ainda mais internacional é muito difícil haver coincidências), a “frente progressista internacional” abertamente anti-nacionalista do senador democrata estadunidense Bernie Sanders, ocorrendo paralela à posse de AMLO, ofuscou esse momento importante, centralizando a atenção de parte da esquerda brasileira mais em Nova Iorque, sede da espoliação imperialista, do que na Cidade do México, onde está uma parceria bem mais interessante aos nossos propósitos. Estará a esquerda brasileira pronta para retomar a construção nacional do seu país em bases soberanas, a partir de uma visão realista da geopolítica e da posição periférica do Brasil no mundo?
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