O Comunismo chegou ao Brasil
Por Pedro Augusto Pinho*, para o Duplo Expresso
A partir do “Patrimonialismo corporativo e o fim do populismo no Brasil golpeado”.
Não pense o caro leitor que estou sendo irônico ou, muito menos ainda, eufórico. Estou constatando uma realidade, conforme o que aprendi sobre este pensamento político-econômico-social e o que constato em nossa Pátria, nos últimos tempos.
A primeira e óbvia questão é: Quem manda no Brasil?
Muitas das respostas para esta questão fundamental estou retirando da magnífica palestra do cientista político Felipe Quintas, na terça-feira, 13 de novembro de 2018, no programa Duplo Expresso. Outras dos sites Morning Star e Market Screener sobre a composição do capital de empresas internacionais. E, por óbvio, de autores marxistas, de historiadores brasileiros, que destaco João Fragoso e Sheila de Castro Faria, e da imprensa virtual e impressa.
Comecemos pelo Estado Nacional Brasileiro. Quem o forma? Uma estrutura weberiana, ou seja, republicana, impessoal e de preenchimento meritocrático? Ou um acordo de classes? Ou seria um corporativismo de empresas? Ou de políticos?
Historicamente o Estado Brasileiro é uma formação privada que não deu certo – as capitanias hereditárias – e foi substituída por um acordo de interesses do Império, da Igreja Católica e dos estamentos militares e jurídicos, com a nada desprezável participação dos senhores de escravos.
A República surgiu dos descontentamentos com o rumo do Estado no sentido de contestar o modelo mais aberto e inclusivo. Mas a ignorância impediu que se tornasse efetivamente república e não atendeu aos escravistas. O modelo vigente era então o financismo inglês.
A ignorância sempre foi cultivada com o carinho que se dá a uma tenra plantinha. Não a liberdade ou a democracia, mas a escravidão e o populismo, que Felipe Quintas, com propriedade, denomina a “degradação da democracia”.
E a ignorância não se constrói apenas com a ausência das escolas públicas, uma constante em nosso País, ou de escolas sem partido. Também é alcançada com a permanente e competente publicidade, com a propaganda enganosa, abundante nos veículos de comunicação de massa e em declarações e estudos acadêmicos, para os quais nunca faltam “financiamentos”.
O Estado Nacional – constituído por uma burocracia especializada, meritocraticamente selecionada, mas igualmente, inclusiva para ter representatividade e capacidade de agir em proveito de toda população –, começou a ser tentado com a Revolução de 1930. Era das mais notáveis e profundas exigências dos tenentes.
E não é por acaso que a vemos surgir com força nos governos que mais implementaram estes ideais tenentistas dos anos 1920: Médici e Geisel. As “esquerdas” parecem só ver, ou só querem ver, os aspectos da truculência autoritária. Não identificam a construção, com erros e acertos, idas e vindas, de uma burocracia indispensável à Nação Soberana e Cidadã[DE1]. Bem como a criação de estruturas para desenvolver e apropriar para o País as tecnologias de ponta, indispensáveis para a autonomia nacional.
Venho dedicando-me, nesta última década, a demonstrar a avassaladora e devastadora presença do capital financeiro em nossa vida cotidiana, na apropriação e aparelhamento dos Estados Nacionais, em quaisquer estágios econômico, político ou cultural. Denomino, por abreviação, “banca” – o sistema financeiro internacional.
Desde o fim da I Guerra Mundial, o mundo passa por aceleradas transformações. Ideias, conceitos e até o significado de palavras mudam. Seriam Médici e Geisel de esquerda ou socialistas? Pois de 1971 (PRORURAL) a 1976, todos os brasileiros trabalhadores e seus dependentes, na cidade e no campo, passaram a ter direito à assistência e previdência social, que agora se lhes quer tirar. Também foi neste período que o Estado, de forma republicana, mais investiu no desenvolvimento tecnológico e econômico brasileiro. Já, em 2014, Dilma Rousseff nomeia Joaquim Levy (Bradesco, Banco Mundial, BNDES de Bolsonaro) e Nelson Barbosa (New School for Social Research, onde atua o think tank “The World Policy Institute”), respectivamente, para o Ministério da Fazenda e do Planejamento. Seria Dilma direitista ou esquerdista a serviço da banca?
No rol da ignorância planejada temos o desenvolvimento dos Estados Unidos da América (EUA). Um mínimo de conhecimento da história estadunidense revela a intensa e fundamental participação do Estado para o desenvolvimento econômico e tecnológico daquele país. Não só empreendendo diretamente obras de infraestrutura, financiando empresários privados, que se transformaram nas grandes fortunas e nas maiores influências políticas durante vários anos, mas com todo suporte indispensável para construir uma nação de consumidores e operários: escolas, hospitais, saneamento urbano etc. E sempre muita propaganda ideológica.
O liberalismo, como o livre comércio, só chega quando a empresa ou o país detém o monopólio ou participa do oligopólio ou do oligopsônio (entre tantos trabalhos: “História dos Estados Unidos desde 1865” de Pierre Melandri, “Uma nova história dos Estados Unidos: A era colonial” de Herbert Aptheker, “Uma breve história dos Estados Unidos” de James West Davidson, “A história da Constituição Americana” de Charles L. Mee, Jr., e os sempre úteis “Relatório sobre as Manufaturas” de Alexander Hamilton, e as “Cartas ao London Times” de Henry C. Carey).
O fim da II Guerra trouxe para o mundo, já dividido em uma parte capitalista e outra socialista, um período de desenvolvimento econômico e social que economistas franceses denominam “os 30 gloriosos” (Associação Francesa de Economia Política – AFEP). Este período se encerra com as crises que a banca detona contra o industrialismo, tendo por mote o petróleo, a partir de 1968 até 1980. Mas não ficou só nestas ações. Foi importante extinguir o “Acordo de Bretton Woods” (1971-1973).
Os lemas conduziam para liberdade absoluta do capital – este apenas financeiro – e traziam como suporte ideólogos austríacos que não sobreviverão à história, diferentemente de Friedrich List, cada vez mais procurado e lido como capaz de reverter esta queda vertiginosa da humanidade no abismo do neoliberalismo.
A partir de 1990 uma nova era se inicia: o domínio da banca. Ela se apropria da economia, das comunicações, da política, das manifestações culturais e aparelha os Estados Nacionais ou os destrói.
Vamos exemplificar, inicialmente com quatro empresas: duas europeias e duas estadunidenses, como domicílio das sedes, pois suas propriedades já não são mais identificáveis: Unilever e Royal Dutch Shell e General Electric e Bank of America (BofA), este ameaçando tornar-se dono do Banco do Brasil sem um centavo de custo.
São acionistas (com o respectivo percentual capital) da UNILEVER:
01) The Vanguard Group Inc (doravante Vanguard), com 15,12%;
02) a própria Unilever NV (tesouraria), com 14,50%;
03) BlackRock Fund Advisors (BlackRock), com 4,78%;
04) Norges Bank Investment Management (Norges), com 1,82%;
05) Amundi Asset Management (Amundi), com 1,60%;
06) DWS Investment GmbH (DWS), com 1,24%;
07) Wellington Management (Wellington), com 1,22%;
08) Fidelity Management & Research (Fidelity), com 0,76%;
09) Oakmark Fund (Oakmark), com 0,27%;
10) FMI Large Cap Fund, com 0,12%;
11) Artisan International, com 0,07%;
12) American Funds, com 0,04%;
13) Manning & Napier Overseas, com 0,03%;
14) Diversos fundos financeiros com 0,02% e 0,01%, totalizando 0,18%.
Estes fundos financeiros possuem 41,68% desta multinacional.
Há algumas dificuldades na coleta destas informações. Muitos fundos aparecem com diversas designações, nem sempre identificáveis, como o Vanguard/Wellington Fund Inc. e Vanguard Fenway Funds-Equity Income Fund. Adicionando um fundo da Univeler, que detém 18,40% das ações, este conjunto financeiro é proprietário, entre outras, da Unilever UK Ltd., Boyu Capital Advisory Co. Ltd., Ingleby Farms & Forests ApS, Majid Al Futtaim Properties LLC, Salling Holding A/S, Catalyst, Inc., R. Færch Plast A/S, Electrabel SA, The Leverhulme Trust, Unifeeder A/S, Rederiet A.P. Møller A/S, etc etc etc.
Vejamos agora a Shell.
O grande acionista é um organismo de investimento holandês denominado Nederlands Centraal Instituut Voor Giraad Effectenverkeer BV (Instituto Central Holandês de Circulação de Valores Mobiliários) com 41,20% do capital. Seguem-se:
01) BlackRock, com 4,70%;
02) Vanguard, com 3,26%;
03) Franklin Advisors (Franklin), com 2,93%;
04) Legal & General Investments Management, com 2,76%;
05) Norges, com 2,52%;
06) State Street Global Advisors (SsgA), com 2,39%;
07) FIL Investment Advisers UK, com 1,84%;
08) Clearstream Banking, com 1,60%;
09) Invesco Advisers, com 1,26%, totalizando 64,46% do capital.
Passando para os EUA, nem podemos metaforicamente escrever “atravessando o Atlântico” pois o controle pelos fundos significa que o dinheiro lícito e o ilícito, em paraísos fiscais ou pertencente a famílias da nobreza europeia, misturam-se neste controle de conglomerados e empresas.
Uma afirmativa podemos fazer. Não há competitividade ou concorrência pois estes grandes conglomerados financeiros, com trilhões de dólares, vários PIBs brasileiros em suas contas, articulam a rentabilidade máxima dos negócios. Ao destratar a Argentina, o Mercosul, os latinoamericanos, apenas foi revelada a enorme ignorância do mundo da banca. Sentam-se Volkswagen, Ford, General Motors, Fiat, todas com BlackRock, Vanguard, SSgA, Fidelity em seus conselhos de administração e concluem que o modelo X será fabricado no México e exportado para a América Latina e Caribe, os modelos Y e Z aproveitarão as facilidades do Mercosul e serão fabricados um no Brasil e outro na Argentina, e assim por diante.
Composição acionária da General Electric (GE), onde a própria GE tem em tesouraria 25,7% do capital:
01) Vanguard,com 7,1%;
02) BlackRock, com 4,1%;
03) SsgA, com 3,88%;
04) Fidelity, com 2,14%;
05) Capital Research & Management, com 1,45%;
06) Franklin, com 1,22%;
07) Northern Trust Investment, com 1,19%;
08) Geode Capital Management (Geode), com 1,09%;
09) Harris Associates, com 1,02%;
10) Manulife Asset Management, com 0,97%;
11) Oakmark, com 0,55%;
12) J Hancock Fundamental Large CapCore Fund, com 0,29%.
Agora o Bank of America, que tem entre os acionistas a Berkshire Hathaway, de Warren Edward Buffett e sua fortuna pessoal de US$ 84 bilhões. Alguém duvida que receberá por acordos de cooperação, atuações compartilhadas e mais uma série de esquemas legais e imorais, o Banco do Brasil sem gastar um centavo a mais do que o suborno, já incluído no custo?
Isto é o domínio de um mesmo sistema sobre todo País.
Vejamos a composição do capital do BofA:
01) Berkshire Hathaway, com 6,8%;
02) Vanguard, com 6,74%;
03) BlackRock, com 6,39%;
04) SsgA, com 4,09%;
05) Fidelity, com 3,52%;
06) Wellington, com 2,01%;
07) JP Morgan, com 1,77%;
08) Dodge & Cox, com 1,33%;
09) Norges, com 1,12%;
10) Geode, com 1,11%. Totalizando 34,88% do total.
O Brasil está e continuará subordinado a um “patrimonialismo corporativo” como se expressou Felipe Quintas. Pelo patrimonialismo estará usando os recursos públicos, de toda natureza – patrimonial, financeiro, estamental, funcionários –, como se fossem privados, por estas corporações. Como já vimos que estas corporações são propriedades de fundos de investimentos, poderemos concluir que nossa Pátria é propriedade do capital financeiro.
O capital financeiro não pode assumir publicamente esta situação. Criará diversos inconvenientes, para sua própria segurança e para os que atuam em seu proveito. Logo é necessário a difusão da ignorância e a farsa nos propósitos.
Exemplo, estaria a banca interessada no combate à corrupção? Óbvio que não. Apenas nos controles que evitem que seus agentes a roubem. Mas corromper políticos e estamentos inteiros, como o judiciário, faz parte de sua atuação.
Evitar a educação pública é fundamental. Assim tratará de cobrar mensalidade nas universidades públicas, inventará convênios que transformem instalações de ensino público em de uso privado, e, cerejas nos bolos, entregará para estes fundos todo investimento rentável brasileiro: Petrobrás, Embraer, Eletrobrás, do modo mais barato para estes “compradores”.
Livre mercado é uma ficção, pois faz abstração das infinitas motivações e desejos humanos. Como se expressou Quintas, ignora as assimetrias.
Mas é ótimo aproveitar o “livre” para discutir questões morais e identitárias, fugindo das questões mais relevantes e profundas do emprego, renda e segurança social.
O Estado Mínimo é o modo de evitar o surgimento de outros Vargas, Médici, Geisel. No limite do empoderamento da banca, as Forças Armadas que já estão sendo usadas para segurança pública, ficarão restritas a estas atividades. O que evitará também os onerosos investimentos em defesa nacional. Mas sempre ficará uma porta aberta para os tecnologicamente dispensáveis renderem algum trocado extra, antes da aposentadoria definitiva destes equipamentos: aéreos, terrestres e marítimos.
Um presidente popular será sempre desejável para o populismo da banca, mas ficará cada vez menos necessário, na medida em que ignorância, desemprego, insegurança social e patrimonial, e a repressão seguirem cumprindo seus papéis.
Concluindo, em uma intervenção à exposição de Felipe Quintas, Carlos Krebs (do Duplo Expresso) recomendou o documentário de 2003, dirigido e produzido por Mark Achbar e Jennifer Abbott, The Corporation (“A Corporação”).
Ótima sugestão, a qual gostaria de acrescentar Inside Job (“Trabalho Interno”), dirigido por Charles H. Ferguson (2010), focado na “crise” de 2008,
E acrescento Four Horsemen, dirigido por Ross Ashcroft (2012).
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Pedro Augusto Pinho é avô e administrador aposentado.
DE1 – Estranho o fato do presidente militar seguinte na sequência de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) e Ernesto Beckmann Geisel (1974-1979), o general da arma de Cavalaria – João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985) ter criado o Ministério da Desburocratização. Sob o comando inicial de Hélio Beltrão, tinha por objetivo diminuir o impacto da estrutura burocrática na economia e vida social brasileiras.
Post Scriptum – A propósito da nota DE1, gostaria de manifestar meu entendimento dessa sucessão Geisel – Figueiredo. Em alguns artigos, que trato da influência da banca no Brasil, digo que Geisel foi quem recebeu o primeiro golpe da banca. Assim, teve que indicar Figueiredo.
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