Faltam-nos instituições contramajoritárias ou da incompreensão do papel do STF
Texto revisado pelo Coletivo de Tradutores Vila Mandinga, com a adição de links “jornalísticos” e um “outro lado, radicalmente outro”, epigrafado. Segundo eles, o “Pessoal aki não é fácel. Tudumundo é kumunista.”
Por Luiz Moreira
Para conhecer um ‘outro lado’ radicalmente ‘outro’, ver também:
· 10/10/2016, “Contra o(s) Supremo(s) Tribunal(ais)”,
Rob Hunter, Jacobin Magazine, traduzido no Blog do Alok
· 28/8/2018, “Em defesa de dar um jeito na Suprema Corte”
Todd N. Tucker, Jacobin Magazine, traduzido no Blog do Alok
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Recebi no dia 21/10/18, de amigo, vídeo [é de março, mas ‘viralizou’ em outubro, segundo a Jovem Pan, SP (NEds.)] de um dos filhos de Jair Bolsonaro, em que ele responde à pergunta de qual seria sua posição em caso de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão.
O filho de Jair Bolsonaro responde que bastaria um soldado e um cabo para fechar o STF e suscita a questão: quem os defenderia? Haveria manifestações populares, caso algum ministro do STF fosse preso, ou se o STF fosse fechado?
Como o poder do Direito, do STF, é apenas simbólico, sem força concreta, como efetivar esse poder?
A comunidade jurídica brasileira, sobretudo a acadêmica, padece de ignorância incrível. Desde a promulgação da Constituição de 1988, os especialistas brasileiros, sobretudo de academia, defenderam que tanto o judiciário como o ministério público tivessem “vontade política” para transformar a sociedade.
Evidentemente, ao ter “vontade política”, o sistema de justiça abdicou de seu papel contramajoritário, passando a agir como se o seu poder emanasse do voto.
Daí, quando mais o país precisa de instituições contramajoritárias, para opor resistência a provável abuso da maioria, onde estão essas instituições?
Interferências várias foram promovidas pelo sistema de justiça, sempre justificadas por essa “vontade política” de “transformar”, em que judiciário e ministério público avançaram sobre prerrogativas dos Poderes Executivo e Legislativo – poderes eleitos –, reivindicando para seus membros reconhecimento social e fama, e os aplausos decorrentes daquela tal “vontade política”.
Essas atuações foram traduzidas em parcerias permanentes com a ‘mídia’, transformada em ‘assessoria de imprensa’ do judiciário e do ministério público.
Na TV Justiça, os votos são prolatados e decisões são tomadas com o propósito de agradar ao telespectador, como se as decisões judiciárias fossem expressões do sentimento popular, em vez de cumprirem o que esteja previsto no ordenamento jurídico.
Ministros do STF defendem aberta – e espantosamente – que suas decisões contemplem o sentimento popular, como se fossem representantes de algum povo.
Essa profunda incompreensão do papel das instituições contramajoritárias, embalada e alimentada tanto pela academia jurídica quanto pelos membros do sistema de justiça, acabou por comprometer a credibilidade do judiciário, a ponto de só ter a confiança de 24% da população; e o ministério público, de 28%.
É conhecido o ditado popular que ensina que, para haver magia, é indispensável acreditar no mágico. Pois bem, a tal “vontade política” do sistema de justiça corroeu sua credibilidade, a tal ponto que a população reconhece nessa atuação a expressão disfarçada de atuação político-partidária – que configura uma espécie de “militância togada”.
Sendo assim, ante governo de extrema direita, os juízes do STF são tidos como “políticos” com toga. A questão é: se o STF é instituição majoritária, por que seria dado cumprimento às suas decisões, se há outras decisões com mais apoio popular?
Uma das tarefas mais importantes dos próximos anos será desfazer os equívocos conceituais sobre o papel do sistema de justiça em democracias constitucionais. Também será preciso explicitar o papel conservador das instituições jurídicas, cuja organização interna é sempre corporativa.
Fazer transformação social, inclusão e gestão pública é tarefa dos Poderes Executivo e Legislativo; ao sistema de justiça cabe atuar de modo técnico, pautada por atuação retrospectiva.
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