Na minha terra tem palmeiras onde canta o eu sabia já

Por João de Athayde*, para o Duplo Expresso

Na minha terra tem palmeiras
Onde canta o “eu sabia jᔹ

Que as aves que aqui rapinam
Não rapinam como lá

Nosso céu tem mais firmas estrangeiras
Nossas valas tem mais corpos

Nossos bosques serão dívidas
Nossas vidas no teu seio tem mais dores

Oh pátria amada, idolatrada
Desperta e salva-te!

Oh pátria armada e infiltrada
Reage e salva-te!

Brasil um sonho imenso cai no abismo
E a burguesia escravagista se enriquece

Em teu escuro céu tristonho e ríspido
A estrela americana resplandece!

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Na minha terra tem palmeiras
onde canta o “eu sabia já”

Saber, eu já sabia, que o povo não se deve renegar
não se abandona nem se esquece na cadeia
um grande líder popular
de fala franca e empatia
e com tanto voto do povo
que nem com fraude ele perdia,
por que tirou o Brasil do mapa da fome
e virou modelo na internacional diplomacia.

Mas o inimigo não te trai,
por que já trava o combate declarado.
Só se pode ser traído
por aquele que fingia estar do seu lado.
Meu conselho é que se deve tirar logo do cesto
tanto o laranja podre
quanto o tomate estragado.
Um por que contamina os outros frutos,
o outro, por que parece vermelho
mas só resulta em molho azedo
por que foi ou age como cooptado.

Não se abandona operário, camponês, sertanejo
e retirante sem ter terra prá plantar
nem o futuro da família do sem teto na calçada
que esta noite não terá o que jantar

Não se abandona o favelado
que já vive abandonado
às botas e ao testemunho viciado
de um autoritário policial militar.
Por que o pobre já sofre com a barbárie e covardia
e vendem a ilusão de que segurança, só com armas de milícia
quando o que falta são ações coordenadas de inteligência
um estado presente social e forte
e uma verdadeira e cega justiça.

Eu sabia já
que perde tudo quem abandona a base
e quer falar só prá Vila Madalena, Jardins, Ipanema
e a Asa Norte de Brasília

Perde quem abandona a denúncia
de uma justiça cada vez mais injusta,
e vem cá, não se abandona a mídia pública
nem ao controle remoto
nem aos interesses de cinco poderosas famílias.
Porque é uma rapadura que parece bem doce
mas termina é alimentando as lombrigas
saúde assim nunca terás
terás saúvas em teu país, em tua memória e entre teus assessores
e perecerás politicamente em más companhias.

Não se abandona riquezas do subsolo
nem projeto de submarino nuclear
nem a defesa de um bravo almirante
este sim um verdadeiro nacionalista militar
muito menos referendo revogatório
nem os royalties do petróleo
para a educação e o hospital popular.
Porque se se abandona tudo que é justo
depois, por que causa iremos lutar?

Não se abandona a construção de universidades e a ciência
nem um projeto em andamento de um país soberano
mas prá isso tem que ter tutano
diplomacia, visão, honestidade e inteligência
e educar o povo prá política e prá resistência
praticando a solidariedade com os outros povos igualmente oprimidos
por que só unidos e coesos é que no confronto com certos países do norte
seremos respeitados e ouvidos.
Não se abandona assim a referência ao Mercosul nem aos BRICS
que podem ser no mundo
o embrião de uma nova forma de equilíbrio.

Não se abandona o julgamento estético, moral e artístico
a venais falsos puritanos
e sobretudo não se abandona
os padrões da justiça nacional
aos patrões Yankees de um certo Mr. Kenneth Blanco.

Não se abandona o trabalhador às feras terceirizantes do mercado
nem eleição às urnas eletrônicas inseguras, foi comprovado !
Democracia começa pelo direito de se averiguar
quem foi realmente votado

Na minha terra tem blogueiros
onde cantam o “eu sabia já”

sabiam que em brilho falso de Vênus Platinada
não se pode confiar
às oito tem o Jornal Antinacional
com efeitos e truques perfeitos só prá enganar
vejam só que ironia, uma fábrica de mentiras,
um Fake Tank da mídia
querendo nos dizer
em quem devemos acreditar!

Já fabricaram um Collor, um impeachment e um Cardoso
e muito colaboraram com a ditadura militar
fabricam um agora um esfakeado palhaço Bozo
que eles mesmo pariram e fingem não gostar.
Por que o bicho político quando é mansinho
todo mundo quer acariciar,
mas em se tratando de cachorro bravo babando e louco
o dono que o criou diz que ele fugiu e não sabe onde está.

Na minha terra tem blogueiros
onde cantam o “eu sabia já”

Sabiam que
ou se toma partido ao lado do povo
ou se escolhe o mercado e o banco
ou você ainda acredita que exista tubarão vegano?
Acha que um monopólio
vai abrir mão do seu poder pelo “bem da sociedade” ?
Acha que as piranhas neo-fascistas-liberais vão deixar você
nadar no rio do quotidiano
assim em toda tranquilidade?
Como fizeram com o velho mestre de capoeira
eles enfiam é a faca doze vezes
No seu bolso, no seu país, no seu futuro
e na sua carne.

Já viu né?
Então agora, se o fascista chegar
tem que levar é pernada;
há que se organizar hábitos de auto-defesa
é limite sutil:
utilizar a força quando necessário sem porém tomar gosto
pelo ato específico da violência;
formando uma rede brasileira e internacional de análise, denúncia e resistência.
e não ficar chorando sonhando esperando pela sobremesa
quando acabaram de surrupiar todo o almoço da sua mesa.

Então vou te explicar algo com umas palavras de ciência :
vem do Gregory Bateson, é antropologia
Mas serve para entender
psicologia pessoal, social e
da família
se aplicando também
na política nossa do dia-a-dia.

O termo é cismogênese.
É a criação doentia de um cisma, uma divisão.
Processo gradual
que resulta da acumulação
de ações de um mesmo tipo
que se dá entre dois indivíduos.

Um toma uma posição de atacante
e o outro se deixa recuar;
o primeiro então prende um aspecto dominante
e o segundo se retrai, só a se desculpar

o desequilíbrio assim só vai aumentando
é a “cismogênese complementar”;
se complementam numa neurose:
um toma cada vez mais gosto em bater
e o outro, como um vira-latas que se sente culpado,
se resigna cada vez mais em apanhar

É assim que fascismo cresce,
quando se deixa ele tomar corpo e se criar

Cismogênese é palavra complicada
para fenômeno muito simples.
observe numa discussão:
quanto mais o tímido murmura
mais o extrovertido vai gritar
e no final não há mais diálogo,
só se ouve uma voz grossa
como numa ordem militar.
Também é assim que corroem seus direitos, suas liberdades e sua aposentadoria
se você não falar alto e resistir, e ficar aí só a se lamentar.

Mas tem outra cismogênese :
é quando o outro chega prá bater
sabendo que também vai levar.
Por que aí é a competição de forças:
é a “cismogênese simétrica”.
Um acusa daqui, o outro acusa de lá.
Um chama uma igreja, o outro chama a China.
Pode ser uma escalada
mas é situação que tende ao equilíbrio
por que você mostra que tem defesa,
também parte pro ataque e não se faz mais de besta,
reúne assim verdadeiros aliados,
e teu adversário então te teme e te respeita
e aí sim, mantendo posição firme, coerente e digna
se pode finalmente negociar.

Esta é a boa política.

Na minha terra tem palmeiras
blogueiros e rede de internet
onde canta o “eu sabia já”.

É povo que agora
não mais se ilude
vacinado que está
contra canto falso de sereia.

 

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Notas

1 Este texto foi parcialmente inspirado no poema « Canção do Exílio », de Gonçalves Dias (1823-1864), e em trechos do « Hino Nacional », cuja poesia é de Joaquim Osório Duque Estrada e que, por sua vez, tem versos inspirados neste mesmo poema.

 

*João de Athayde é antropólogo carioca residente na França (Aix en Provence). É ligado ao IMAF (Institut des Mondes Africains/ Instituto dos Mundos Africanos), na Universidade de Aix-Marselha, França. Realiza doutorado sobre as heranças culturais ligadas ao tráfico de escravos no contexto do Atlântico Negro, em especial sobre identidade, religião e festa popular entre os Agudàs, descendentes dos escravos retornados do Brasil ao Benim e Togo, numa perspectiva comparativa entre a África e o Nordeste Brasileiro.

 

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