“Democracias” neoliberais infantilizam homens e mulheres ou O Medo como Estratégia de Gestão [1]
Por Ceci Juruá, para o Duplo Expresso
Nos países europeus dotados de forte pensamento crítico, há uma denúncia recorrente: não interessa aos poderosos atuais (bilionários corporações e governos) que a humanidade evolua como sonhamos no imediato pós-Segunda Guerra. Sobre o conceito de liberdade, por exemplo, naquela época costumávamos acompanhar a filosofia de Sartre.
Liberdade não é fazer qualquer coisa a qualquer hora satisfazendo desejos, ensinávamos a nossos filhos. Transmitir regras de conduta é obrigação de todos os pais e de todas as mães.
Liberdade não é contrariar regras da sociedade. Quando agimos simplesmente para ser “do contra”, estamos sendo objeto, em lugar de sujeitos, objeto de impulsos e afetos ou traumas provenientes do inconsciente.
Dos ensinamentos de Sartre, grande filósofo do século XX, gravei particularmente:
Liberdade é sinônimo de emancipação. Só é livre o indivíduo capaz de formular suas próprias regras. Ditadas pela vivência e pela cultura, e conformes às suas necessidades psíquicas e materiais. De preferência em estreita harmonia com nossos sonhos e utopias.
Que homens e mulheres se tornem livres na concepção sartriana, de quem fui “aluna fiel”, não interessa aos poderosos da atualidade. Em um mundo absurdamente injusto, na ocasião em que as corporações destroem os últimos pedacinhos saudáveis do meio ambiente, nesta fase histórica em que o absolutismo imperial anglo-saxão corre o risco de sucumbir frente à ascensão de novos poderes, aconselhável é governar pelo medo.
Por que ?
Dizem certos autores que o capitalismo precisa de homens e de mulheres insaciáveis. Gente que sempre quer mais. Mais consumo, mais sexo, mais dinheiro. Os prazeres de curto prazo, que podem ser obtidos aqui e agora.
O capitalismo neoliberal precisa também de homens e mulheres aptos à servidão. Homens e mulheres que não pensam. Agem por reflexos. Gemem quando são chicoteados. Esboçam um sorriso e agradecem em voz baixa os afagos do patrão. Não é difícil encontra-los no Brasil, após cinco séculos de genocídio. Dizem até que um atual candidato tem filhos que são proprietários de escola de tiro. Atirar, matar bandidos e gente rebelde que ama a liberdade, como nós os brasileiros, é imprescindível ao exercício do poder.
Um poder cuja filosofia tem raízes lá nos setecentos e oitocentos, é o que nos ensina Dany Robert Dufour, renomado filósofo da Europa latina. Para este autor há um século estamos iludidos pela leitura de Max Weber, o qual nos levou a idealizar o capitalismo, imaginando-o como um sistema vitorioso, elogiável, por seus atributos específicos, tais como o respeito à autoridade, o puritanismo, o patriarcalismo, entre outros. Hoje devemos desconfiar das teses de Max Weber, o que é possível graças à leitura e à redescoberta de Bernard de Mandeville, orienta DRD:
Basta ler Mandeville para entender como os princípios considerados “vicieux” pelo próprio Mandeville, em 1705, contribuíram para reformar o mundo e reorienta-lo em nova direção, com um espírito absolutamente novo, o espírito do capital.[2] (p.15)
O progresso técnico tem suas contradições. Por um lado “nos libera das doenças, de restrições vinculadas ao tempo e ao espaço, por outro lado cria condições de novas formas de submissão e de servilismo, e de redução da esperança de vida. Por isto existem tecnologias espiãs, agrotóxicos e alimentos que favorecem a disseminação do câncer e outras epidemias.” [3] (p.128)
Continuando com lições retiradas da obra Governar através do medo, citamos:
Repetir infinitamente que a pressão sobre salários torna as empresas mais competitivas,
Ou então
Que os salários devem ser flexíveis para que as pessoas não se tornem preguiçosas
E ainda,
Afirmar que os desempregados e os que ganham salário mínimo são os responsáveis por esta sua situação.
Defender tais princípios ou ideias, não é Economia, dizem os autores de Gouverner par la peur. Pois a Economia é uma ciência que se desenvolveu estudando origens e repartição da renda social. Na verdade há atualmente um darwinismo social que procura nos isolar e nos amedrontar. Peremptoriamente enfatizam os autores:
Nenhum pesquisador digno desse nome, acredita ainda nesta frivolidade vagamente religiosa, conhecida como mão invisível. (ibid, p. 134)
Termino aqui este texto-resenha, ditado pela necessidade de refletir sobre o ambiente eleitoral de um país tropical cujos habitantes lutaram muito para sobreviver com margens satisfatórias de liberdade. Habitantes e eleitores hoje ameaçados por contextos importados. Macartismo norte-americano. Fascismo italiano. Nazismo alemão. Quem vencerá ?
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PS: Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2018 – 89º ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO DE 1930, que nos deu acesso aos direitos do trabalhador, à CLT, e ao sistema de previdência social de cunho universal.
[1] Uma resenha diferente da obra GOUVERNER PAR LA PEUR, de vários autores franceses. Em tradução livre diríamos: Governar através do medo.
[2] DUFOUR, Dany-Robert. MANDEVILLE: LE VÉRITABLE ESPRIT DU CAPITALISME OU SYMPATHY FOR THE DEVIL. In Bernard de Mandeville, la fable des abeilles. Partis, Ed. Pocket, 2017. Tradução livre.
[3] DAKHLI, MARIS, SUE e VIGARELLO. Gouverner par la peur. Paris: Fayard, 2007. Tradução livre.
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