Mercado vs. Lula vs. Bolsonaro: sinais trocando?

Por Piero Leirner[1], para o Duplo Expresso

Movido por uma informação que está em excelente artigo do Romulus ontem, de que “o Duplo Expresso recebeu relatos sobre uma reunião na última semana entre membros da alta Finança, em SP, em que a hipótese de uma saída para a crise – com Lula como timoneiro – chegou a ser “aventada”, liguei uns pontos aparentemente desconexos que a Folha de S. Paulo soltou durante o fim de semana, que sugerem que há algo de interessante acontecendo ali.

O primeiro e mais óbvio é o editorial intitulado “Sem Provas”, que comenta a decisão sobre a absolvição de Lula no caso “Delcídio”. Não há comentário sobre o triplex, mas o editorial simplesmente arrasta a bola para a pequena área e deixa quem estiver por lá com o gol aberto e sem goleiro. Os comentários dos leitores fugiram ao padrão reacionário habitual, e a maioria cobrou a mesma posição em relação à atual condição de Lula preso.

Na mesma safra, Otávio Frias Filho escreve uma coluna intitulada “Demagogos que se tornam tiranos”, “resenha” do livro “Como as Democracias Morrem”, cujo conteúdo bate de frente com Trump. Na lista que remete ao título da manchete estão “Fujimori (Peru), Chávez/Maduro (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Putin (Rússia), Erdogan (Turquia), Orbán (Hungria)”. Nenhuma menção a Lula, nem ao caso brasileiro. Vale destacar o seguinte parágrafo: “Conforme se desenvolvem os mecanismos democráticos de denúncia e apuração de falcatruas e negociatas políticas, cresce o sentimento de que a corrupção é o grande problema da sociedade (quase nunca é) e de que o sistema inteiro está comprometido (verdade parcial, que comporta nuances)”. Posteriormente, ele fala de um reavivamento de sentimentos ilusórios que existem em saudosismos de períodos ditatoriais. Prá bom entendedor, meio Bolsonaro basta.

Uma terceira coluna, do sábado: “Problema do Estado não é tamanho, mas injustiça, afirma economista”. Vá lendo e deduzindo. Lá pelo meio, diz: “Ademais, o Brasil deveria vltar a tributar dividendos (…), elevar alíquotas sobre rendimentos de aplicações financeiras (…), redirecionar a atuação do Estado para os mais pobres (…). De nada adianta reduzir o tamanho do Estado se ele continuar concentrando renda e ignorando a pobreza em que vivem milhões de brasileiros”. Claro, ele também fala de “privilégios do funcionalismo do Executivo”, e uma bobagem sobre as Universidades Federais, mas parece ser um defensor contumaz do bolsa-família. Tudo bem, sabemos disso certo? O que não sabemos é a novidade: o autor: “Marcos Pinto, mestre em direito pela Universidade de Yale, mestre em economia pela FGV-RJ e doutor em direito pela USP, é sócio da Gávea Investimentos”. GÁVEA, aquela mesma do…. Armínio Fraga.

Agora a quarta coluna, aquela mesma que parece não ter nada a ver, mas diz tudo: “Li Jinzhang: Bullying comercial não vai funcionar”. Nela, o embaixador chinês diz que “Em novembro próximo, a primeira Feira Internacional de Importação da China vai oferecer maior acesso ao mercado chinês. Na qualidade de convidado de honra, o Brasil vai incrementar a visibilidade e o embarque de seus produtos com vantagem comparativa. A China vai aplicar o conceito chinês de abertura e benefício mútuo para contrabalancear a política “America First” e, junto com os outros países, servir como estabilizador do sistema multilateral de comércio e defensor do novo processo de globalização”.

É aqui que a coisa pegou. É possível que a Folha finalmente tenha detectado que o antes “espantalho de Lula” chamado Bolsonaro agora tem o interesse direto da Casa Branca. Podemos suspeitar também que para a Finança Internacional é interessante esse tipo de gente governando em pontos localizados, assim cada Macron que aparece por aí se torna uma espécie de miragem de esquerda, sem sê-lo. Trata-se de controlar criando frações, estratégia tão antiga quanto aquela dos imperadores romanos que dividiam o senado de propósito. Está cada vez mais claro que Trump agora vê no Brasil uma possibilidade de ter um espelho, o que não é pouca coisa. De maneira bastante sutil, o embaixador chinês deu o sinal para que o povo acorde por aqui. Talvez a Folha tenha começado.

Nesse sentido, esta notinha plantada ontem no Painel da Folha pode ser o indício de que vai começar a temporada de caça ao ex-Militar.

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  1. Doutor em Antropologia pela USP (2001), Professor na UFSCar.

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