O “Efeito Lúcifer” Hard Core à brasileira

Por Maria Eduarda Freire, para o Duplo Expresso

Por meio de um experimento chamado “o aprisionamento de Stanford”, o professor americano Philip Zimbardo chegou à conclusão que um dos fatores para o “Efeito Lúcifer” é o exercício do Poder. Na pesquisa, os voluntários que eram estudantes sadios e comuns foram divididos em guardas e prisioneiros na “cara ou coroa”. O experimento da prisão de Stanford planejado para durar duas semanas completas não alcançou sequer metade, sendo interrompido no sexto dia, após a situação sair do controle. A construída autoridade dos guardas redundou na submissão dos prisioneiros, o que por sua vez provocava os guardas a exibir mais o seu poder, que se refletia em todo tipo de abuso e situação arbitrária, vexatória e humilhante, imposta aos prisioneiros.

O estudo de Zimbardo demonstrou empiricamente que o papel social incorporado pelos indivíduos através das Instituições modifica o seu comportamento individual, através da pressão ideológica do ambiente, os fatores externos em torno dos indivíduos.

A primeira Instituição do Brasil foi a escravidão que influenciou todas as outras, principalmente a da Justiça, classista e autoritária que serve à reprodução das desigualdades sociais e da estrutura verticalizada da sociedade. As pessoas que irão encarnar o papel institucional do juiz e do acusador, necessariamente irão reproduzir essa herança escravocrata. O aspecto central dessa herança é a separação ontológica na nossa sociedade, entre seres humanos de primeira classe e seres humanos de segunda classe.

Combinando a pressão ideológica punitivista dominante da Instituição de Justiça brasileira com o desprezo e o ódio ancestral da origem escravocrata sob os desprovidos de poder, marginalizados e excluídos temos o “Efeito Lúcifer” hard core à brasileira nos juízes e acusadores, a barbárie institucionalizada.

O fato do exercício do Poder não levar em consideração o Outro e desumanizá-lo é potencializado pela nossa Justiça ser uma Instituição montada a partir da escravidão, moldada por três séculos de ódio bruto ao escravo, que se perpetua em sua versão moderna, no ódio ao pobre. Dessa forma, o papel do juiz e do promotor que detêm o Poder sobre a vida e a liberdade de outras pessoas, tende a se tornar ainda mais perverso, pois são eles as autoridades responsáveis por julgar e acusar gente pobre, em sua maioria por crimes patrimoniais não violentos, mas que são associadas a uma condição secular de não cidadania e que previamente não são reconhecidas com o mínimo de dignidade e igualdade.

É essa dimensão homogênea de dignidade e igualdade compartilhada no sentido não jurídico e formal que precisa estar internalizada na pessoa que irá encarnar o papel de juiz e promotor, e salvo raríssimas exceções, não está. Esses agentes da justiça enviam pessoas para serem destruídas e se tornarem pastos sexuais nos nossos campos de concentração na ausência de qualquer responsabilidade moral pela miséria carcerária e pela consequência social e impacto humanitário de suas decisões sob a vida de pessoas de carne e osso. Tal como um burocrata nazista, tal como um Eichmann, esses juízes e promotores naturalizam a barbárie com uma canetada. A ânsia por encarceramento e a banalização da prisão que deveria ser “ultima ratio”, lota os nossos campos de concentração com presos provisórios que representam mais da metade das pessoas encarceradas no país, que são barbarizadas e exterminadas no cárcere. A Constituição brasileira veda a pena de morte no Brasil, mas ela é decretada em toda canetada de juiz e promotor que pede por prisão.

Esse é o Estado Leviatã que não se apieda, que não responde de forma mais humana e racional aos flagelos humanos sob a sua custódia. É inaceitável que uma sociedade que se julga civilizada compactue por omissão ou aplauso com um Estado de Barbárie dentro do Estado Democrático de Direito.

É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões” – Dostoiévski.

 

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