A produção e refino de petróleo como utilidade pública

Por Paulo César Ribeiro Lima¹, para o Duplo Expresso

Como bem estabelece a Constituição Federal, em seu art. 177, tanto a lavra quanto o refino são monopólios da União, que, por sua vez, pode contratar essas atividades com empresas estatais ou privadas. Transcreve-se parcialmente, a seguir, esse artigo.

“Art. 177. Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

(…)

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995)

(…)”

Também é importante destacar que o abastecimento nacional de combustíveis é considerado atividade de utilidade pública, nos termos da Lei nº 9.847 de 26 de outubro de 1999:

“Art. 1º A fiscalização das atividades relativas às indústrias do petróleo e dos biocombustíveis e ao abastecimento nacional de combustíveis, bem como do adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e do cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, será realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ou, mediante convênios por ela celebrados, por órgãos da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1º O abastecimento nacional de combustíveis é considerado de utilidade pública e abrange as seguintes atividades:

I – produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, comercialização, avaliação de conformidade e certificação do petróleo, gás natural e seus derivados; (…)”

Em resumo, a produção e refino de petróleo não podem ser tratados como um simples negócio privado com foco no lucro empresarial e no mercado como tem ocorrido, ilegalmente, no País.

O Brasil, com a descoberta da província petrolífera do pré-sal, tem oportunidade única de se tornar autossuficiente tanto em petróleo quanto em combustíveis. Importa ressaltar que o país é exportador líquido de petróleo, mas importador líquido de derivados de petróleo.

Nos anos recentes, o Brasil tem sempre exportado petróleo pesado e importado petróleo mais leve para gerar uma carga adequada para as refinarias. No entanto, nos últimos anos, foi muito grande o aumento das exportações de petróleo, conforme mostrado na Figura 1.


Figura 1 – Evolução das exportações de petróleo cru.

Em 2005, o Brasil exportou cerca de 100 milhões de barris; em 2017, as exportações foram superiores a 350 milhões de barris. Se esse petróleo exportado, produzido a partir da exploração de um bem da União, nos termos do art. 20 da Constituição Federal, fosse refinado no Brasil, seriam gerados empregos e autossuficiência em derivados de petróleo, propiciando alavancagem no desenvolvimento do país.

A consequência das exportações de petróleo cru e a pouca importância dada às atividades de refino é o aumento das importações de derivados, como mostrado na Figura 2.


Figura 2 – Evolução das importações de derivados básicos.

Em 2005, o Brasil importou apenas cerca de 15 milhões de barris de óleo diesel; em 2017, a importação desse derivado ultrapassou 80 milhões de barris. No passado, o país era exportador de gasolina; em 2017, o Brasil importou mais de 28 milhões de barris desse combustível. Também grande foi o aumento das importações de gás de cozinha, o chamado gás liquefeito de petróleo (GLP), cujas importações aumentaram de cerca de 5 milhões de barris em 2005 para mais de 20 milhões em 2017.

Essas importações provocam um grande impacto nos preços aos consumidores brasileiros, pois são importados a preços de mercado internacional em dólares e sujeitos a variações cambiais. Além disso, há um custo de logística e transporte para trazer esses combustíveis para o Brasil.

As licitações de blocos da província do pré-sal são, então, uma grande oportunidade para fazer com que o Brasil se torne autossuficiente em derivados básicos como óleo diesel, gasolina e GLP.

Bastava que as resoluções do CNPE e da ANP, que estabelecem as condições contratuais, condicionassem as exportações de petróleo cru ao abastecimento do mercado nacional com combustíveis produzidos no Brasil. Se isso ocorresse, estariam resolvidos os graves problemas do mercado nacional de combustíveis.

Atualmente, o custo de extração do pré-sal já é inferior a US$ 7 por barril. O preço mínimo do petróleo para viabilização dos projetos do pré-sal (break-even ou preço de equilíbrio), que era de US$ 43 por barril no portfólio da Petrobras de três anos atrás, caiu para US$ 30 por barril no plano de negócios em vigor, o que representa uma redução de 30%². Adicionados ao custo de extração outros custos como depreciação e amortização, de exploração, de pesquisa e desenvolvimento e de comercialização, entre outros, o custo total de produção pode chegar a US$ 20 por barril.

Mas não é apenas o custo de produção do pré-sal que é baixo, o custo médio de refino da Petrobras no Brasil também é baixo, muito inferior ao do exterior, conforme mostrado na Tabela 3. Nos últimos quatro trimestres, o custo médio de refino da Petrobras foi inferior a US$ 3 por barril.


Trimestre

Figura 3 – Custo médio de refino da Petrobras.

O custo total de produção somado ao custo de refino totaliza apenas US$ 23 por barril. Se o preço de equilíbrio for somado ao custo médio de refino, em vez do custo total de produção, chega-se a um custo médio de US$ 33 por barril de combustível.

Somados outros custos administrativos e de transporte, o custo médio de produção de óleo diesel, por exemplo, seria de, no máximo, US$ 40 por barril. Utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,7 reais por dólar e que um barril tem 158,98 litros, o custo médio de produção do diesel é de apenas R$ 0,93 por litro.

Ocorre que a Petrobras, antes da redução de 10% no preço do óleo diesel por 15 dias³, estava praticando um preço médio nas refinarias de R$ 2,3335 por litro, o que representa uma margem de lucro de 150%. Depois dessa redução, o preço do óleo diesel nas refinarias reduziu-se para R$ 2,1016 por litro.

Mesmo após essa redução de 10%, a margem de lucro da Petrobras de 126% seria altíssima Assim sendo, não faz sentido a estimativa de que a União poderia ter que repassar R$ 4,9 bilhões à estatal até o final do ano. Em relação ao óleo diesel produzido a partir do petróleo nacional, essa redução de 10% representa apenas uma diminuição nas margens de lucro de 150% para 126%, ambas altíssimas.

Se todo o óleo diesel consumido no Brasil fosse produzido internamente a um custo de R$ 0,93 por litro, o preço nas refinarias, mesmo com uma margem de 50%, seria de R$ 1,40 por litro, valor muito inferior ao praticado pela Petrobras, de R$ 2,3335 ou R$ 2,1016 por litro.

Estima-se, a seguir, qual seria o preço nos postos se o preço de realização da Petrobras, nas refinarias, fosse de R$ 1,40 por litro. A esse valor têm que ser acrescidas as seguintes parcelas, por litro:

– Cide e Pis/Cofins: R$ 0,46⁴;

– Biodiesel: R$ 0,18;

– Margem de distribuição e revenda (cerca de 9%): R$ 0,24;

– ICMS (15%, em média): R$ 0,40.

Observa-se, então, que se o petróleo do pré-sal for refinado no Brasil, ele poderá ter um preço nos postos de combustíveis de R$ 2,68 por litro, sem considerar o biodiesel; preço muito menor que o atualmente praticado que chega a R$ 4,00 por litro.

Conforme mostrado na Figura 4, a carga tributária incidente sobre o óleo diesel, da ordem de 30%, é muito baixa quando comparada a outros países. Na Europa, a carga tributária sobre esse combustível é bem superior a 50% e mesmo o diesel sendo importado, o valor pago na refinaria é menor que no Brasil. Os tributos cobrados chegam a ser três vezes maiores que no Brasil.

Nesse contexto, não faz sentido que a União deixe de arrecadar, anualmente, cerca de R$ 14,4 bilhões, relativos a Pis/Cofins, como aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, no dia 23 de maio de 2018, e aproximadamente R$ 2,5 bilhões, relativos à Cide. Registre-se que 29% da Cide é repassada a Estados e Municípios.

Os dados mostrados na Figura 4 demonstram, claramente, como a atual política de preços no Brasil é tecnicamente equivocada.

Figura 4 – Composição do preço do óleo diesel em diversos países.

Dessa forma, não se justifica reduzir tributos sobre esse combustível, que podem ser importantes para a consecução de políticas públicas em quadro de crise fiscal. A grande parcela, e que precisa ser reduzida, é o valor pago ao produtor, que representa 55% do preço nas bombas.

O alto preço de realização nas refinarias do Brasil decorre do fato de a política de preços da Petrobras acrescentar ao preço no Golfo (Estados Unidos) um custo de transporte, de taxas portuárias e de margem de riscos⁵. Assim, o preço da estatal é mais alto que o preço no mercado internacional.

Está também sendo repassada para os consumidores, até diariamente, a volatilidade tanto dos preços no mercado internacional quanto do câmbio para a população, o que não faz, tecnicamente, o menor sentido. A redução dessa volatilidade pode ocorrer por diversos métodos, como bandas ou médias móveis, como ocorre nos países não autossuficientes em derivados. Nesses países, os períodos de amortecimento variam de semanas a meses.

A Figura 5 mostra os preços de realização nas refinarias da Petrobrás do óleo diesel S-10 e S-500, assim como o óleo diesel de baixo enxofre nos Estados Unidos (Golfo).

Figura 5 – Evolução dos preços do óleo diesel depois da nova política da Petrobras.

Como mostrado na Figura 5, além de voláteis, os preços nas refinarias do Brasil são mais altos que nos Estados Unidos (Golfo), em razão da atual política de preços da Petrobras.

Em suma, mesmo com uma margem de lucro de 50%, o óleo diesel poderia ser vendido nos postos por R$ 2,30, desde que o petróleo fosse refinado no Brasil. Daí a importância de se combater o Edital da 4ª Rodada de Licitações do pré-sal, por não fazer qualquer exigência relativa a refino no país.

Se os contratos assinados com as empresas petrolíferas estabelecessem esse tipo de exigência, por certo não estaríamos vivendo a dramática crise de abastecimento que ora assola o país.

Notas

1 Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia pela Universidade de Cranfield, Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e Ex-Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às terças-feiras.

2 Disponível em http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/vamos-bater-meta-de-producao-e-reduzir-custos-de-extracao-afirma-parente-na-otc.htm. Acesso em 24 de maio de 2018.

3 Disponível em http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/preco-do-diesel-tem-reducao-de-10-em-nossas-refinarias.htm. Acesso em 24 de maio de 2018.

4 Disponível em http://www.fecombustiveis.org.br/wp-content/uploads/2018/05/Carga-tribut%C3%A1ria-estadual-Maio-2018-2%C2%AA-quinzena.pdf. Acesso em 27 maio de 2018.

5 Disponível em http://www.petrobras.com.br/pt/produtos-e-servicos/composicao-de-precos-de-venda-as-distribuidoras/. Acesso em 25 de maio de 2018.

 

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