O Memorando, os Generais e o Acobertamento de Assassinatos por parte dos EUA

Por Yorkshire Tea, para o Duplo Expresso

Se ainda havia alguma dúvida quanto ao envolvimento direto dos generais-presidentes na repressão e na execução sumária de opositores do regime civil-militar de 1964 – além do conhecimento e acobertamento desses assassinatos em massa por parte do governo dos EUA –, hoje, essa dúvida se desfez por completo. A desclassificação (ainda que parcial) e a revelação de um memorando preparado por William Colby, então Diretor da CIA, para o Secretário de Estado Henry Kissinger, durante a gestão do Presidente Nixon, expõe o fato ao público.

O documento assusta não só pelo que revela, mas pela maneira como o tema – assassinatos extrajudiciais de opositores do regime – é tratado pelos envolvidos: de maneira fria e calculista. Burocratas selando o destino de cidadãos, decidindo quem pode viver e quem deve morrer. Generais brasileiros encarnando a banalidade do mal de que tratou Hannah Arendt no livro “Eichmann em Jerusalém”. Menos pelos números, obviamente, mas mais pela atitude. Não há um pingo de sadismo, mas apenas a avaliação fria e calculista da gravidade do tema e das possíveis consequências (caso fossem descobertos). O “subversivo”, o “terrorista” é apenas um entrave a ser eliminado.

 


99. Memorando do Diretor da Agência Central de Inteligência Colby para o Secretário de Estado Kissinger

Washington, 11 de abril de 1974.

ASSUNTO

  • Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de continuar as execuções sumárias de subversivos perigosos sob determinadas condições
  1. [1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]
  2. Em 30 de março de 1974, o presidente brasileiro Ernesto Geisel reuniu-se com o General Milton Tavares de Souza (chamado de General Milton) e o General Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente, os chefes que estavam ingressando e saindo do comando do Centro de Informações do Exército (CIE). Também presente à reunião estava o General João Baptista Figueiredo, Chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI).
  3. O General Milton, que se ocupou da maior parte do que foi dito, descreveu o trabalho do CIE contra a subversão interna durante a gestão do ex-Presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e disse que métodos extrajudiciais deveriam continuar sendo utilizados contra subversivos perigosos. A respeito esse tema, o General Milton informou que cerca de [sic] 104 indivíduos nessa categoria haviam sido sumariamente executados pelo CIE durante os doze meses anteriores aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e pediu que fosse mantida.
  4. O presidente, que comentou sobre a gravidade e os aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que iria pensar no assunto durante o fim de semana antes de tomar qualquer decisão relativa a [Página 279] sua continuidade. Em 1º de abril, o Presidente Geisel disse ao General Figueiredo que a política deveria prosseguir, mas que deveria haver um grande cuidado, a fim de se certificar de que somente subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o General Figueiredo concordaram que, sempre que o CIE prender uma pessoa que possa fazer parte dessa categoria, o chefe do CIE consultará o General Figueiredo, cuja aprovação deverá ser dada antes que o indivíduo seja executado. O presidente e o General Figueiredo também concordaram que o CIE deve se dedicar quase que integralmente a [combater a] subversão interna, e que o esforço total do CIE deve ser coordenado pelo General Figueiredo.
  5. [1 parágrafo (12½ linhas) não desclassificado]
  6. Uma cópia deste memorando está sendo disponibilizada para o Secretário Assistente de Estado para Assuntos Interamericanos. [1½ linha não desclassificada] Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.
  7. E. Colby
  8. Sumário: Colby relatou que o Presidente Geisel planejava continuar a política de Médici de usar meios extrajudiciais contra subversivos, mas limitaria as execuções aos subversivos e terroristas mais perigosos.

Fonte: Agência Central Inteligência, Escritório do Diretor da Central de Inteligência, Trabalho 80M01048A: Arquivos Temáticos, Caixa 1, Pasta 29: B–10: Brasil. Secreto; [restrição de manuseio não desclassificada]. Segundo uma anotação carimbada, David H. Blee assinou por Colby. Preparado por Phillips, [nomes não desclassificados] em 9 de abril. A linha de anuência do Diretor Adjunto de Operações está em branco.

Vocês encontrarão o documento original, entre outros, no endereço eletrônico:  https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99

 

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