ATUALIZAÇÃO de “Apertem os cintos e respirem fundo: eleições agora serão como a de Trump”

ATUALIZAÇÃO de  “Apertem os cintos e respirem fundo: eleições agora serão como a de Trump”

Por Romulus


Marcos Nobre publicou hoje no Valor Econômica uma leitura que em tudo converge com os três posts aqui publicados na semana passada.

Onde vamos parar seguindo esse caminho?

(reproduzo a coluna de Nobre ao final)

*


Outra pessoa que coincide na leitura – e na preocupação – é o meu amigo Ciro:

E hoje:

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Sobre a irresignação da parte perdedora com o resultado de eleição polarizada / radicalizada / acirrada /sem “Centro” político, que comentávamos na semana passada, parece que Trump tinha algo a dizer sobre o tema, ainda em 2012:

Com Trump, observaremos um aggiornamento de FHC:
– Esqueçam tudo o que <<tuitei>>!

*

Democracia exposta

Por Marcos Nobre
Aconteceu
uma vez, no plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, e a
explicação bem pensante disse que tinha sido raio em céu azul. Veio o referendo
na Colômbia sobre o acordo de paz e uma série de explicações tiradas da cartola
tentou mostrar que era ponto fora da curva. A eleição de Donald Trump fixou de
vez a exceção como regra, o desvio como tendência.
Ainda como
candidato, Trump já tinha deixado claro que não aceitaria um resultado que não
fosse o da sua vitória. Acusou o processo de fraudulento antes mesmo de ser
iniciada a votação. Após sua vitória, bateu boca pelo Twitter com manifestantes
que não aceitaram o resultado. Escreveu o presidente eleito dos EUA: “Eu
tive uma eleição presidencial aberta e bem sucedida. Agora, manifestantes
profissionais, incitados pela mídia, estão protestando. É muito injusto!”.
O fato de ter tentado se desdizer no tuíte seguinte só mostra o grau de
confusão em que se encontra o líder de algo que ele mesmo não sabe bem o que é.
O mais grave é que provavelmente ninguém sabe. Mas é urgente tentar descobrir.
Parecem
fazer sentido as explicações que enfatizam a raiva de quem se sente
“deixado para trás” tanto na bonança internacional até 2007, como no
período de recessão e no momento de recuperação econômica. Também parece fazer
sentido a ideia de que figuras como Trump vocalizam a insatisfação porque se
apresentam como candidatos “antissistema”. Mas o cenário trumpesco
que se abriu deveria servir pelo menos para enterrar de vez as posições que
deduzem disso que o eleitorado não sabe votar, que vota contra seus próprios
interesses e por aí vai.
A própria democracia deixou de ser uma evidência
Explicações
como essa não apenas estigmatizam o voto da maioria do eleitorado como
expressão de ignorância e estupidez. Acabam fazendo coro a uma desconfiança
bastante difundida em relação à própria democracia. Porque insistem em negar
que as divisões de um mundo agora tornado trumpesco são também o resultado de
décadas da prática democrática elitista e excludente que essas mesmas
explicações ajudaram a moldar e a difundir.
Quem saiu às
ruas para se manifestar contra os resultados do Brexit, do referendo na Colômbia
e da eleição de Trump o fez em nome da defesa da democracia. O voto vencedor
nos casos em que a tendência trumpesca saiu vitoriosa diz que não pode haver
resultado mais democrático do que o resultado eleitoral. Velhas evidências não
funcionam mais, ao mesmo tempo em que não se sabe se e quais novas evidências
vão surgir. Em disputas cada vez mais acirradas, em que as margens das vitórias
eleitorais são cada vez mais apertadas, a não aceitação ativa do resultado pelo
lado perdedor mostra uma divisão muito mais profunda do que aquela entre duas
posições. Mostra que a própria democracia deixou de ser uma evidência, se é que
o foi algum dia.
No caso da
eleição de Trump, o lado perdedor considera que é o futuro da democracia que
está em risco. A reação mostra que não é evidente qual seria o solo comum
aceito pelas diferentes posições em conflito, mostra que não é visível um
acordo de base sobre o que seja convivência democrática. O máximo que o
processo eleitoral conseguiu produzir foi uma organização em dois campos. Não
há acordo básico a partir do qual se torna possível divergir, disputar e, ao
final, aceitar o resultado como legítimo. Pelo contrário, a eleição de Trump
foi vista como ameaça à já pouca autonomia que têm pessoas e grupos no seu
cotidiano, seja em relação à sobrevivência material, à posição social, ou a
escolhas de como de levar a própria vida.
O problema
não é se um dia existiu de fato esse solo comum, ou se as fraturas que
emergiram agora foram sempre a regra, apenas tinham ficado antes reprimidas. O
problema é que manter instituições democráticas funcionando se torna um
exercício bastante arbitrário e estruturalmente instável quando há uma divisão
tão profunda sobre o que deva ser a democracia como padrão da sociabilidade.
Como não está no horizonte nenhum novo contrato social democrático, as fraturas
tendem a tomar cada vez mais a forma de enfrentamentos diretos, com menos ou nenhuma
mediação institucional.
Tentar
adivinhar o que Trump vai realmente fazer pode ser importante para o curto
prazo. Mas diz muito pouco sobre como vão se resolver as fraturas sociais
expostas por sua eleição, fraturas de dimensão planetária. Tentar continuar
empurrando com a barriga tanto o Brexit quanto a recusa do acordo de paz na
Colômbia pode ser a única atitude que restou para quem pretende reverter
adiante esses resultados tentando preservar de alguma maneira pelo menos as
aparências democráticas. Mas terá como consequência para uma parte bem pouco
desprezível dos eleitorados pelo mundo a confirmação da visão de que não
existem eleições limpas. Será a prova cabal da ideia de qualquer processo
eleitoral é intrinsecamente fraudulento. A fórmula perfeita para produzir novos
Trumps.
Parece claro
que as pessoas já estão cansadas de simplesmente ouvir. Querem o que não encontram
nas instituições políticas existentes: espaço e oportunidade efetivas para
vocalizar insatisfações, frustrações e expectativas Para gente treinada na
política tal como existiu nas últimas décadas, esse desejo parece algo como um
retrato do caos primordial. O problema é que já ficou claro que os eleitorados
não vão recuar diante da ameaça do caos. Já foi tentado três vezes e não
funcionou. Dobrar a aposta é não apenas insensato, mas sinal de completa
desorientação política. E, no entanto, parece ser a atitude mais provável. A
política oficial simplesmente não consegue entender as novas configurações
sociais da democracia surgidas nos últimos anos. O máximo que consegue fazer é
ser atropelada pelos Trumps em sua própria casa.
Uma figura
como Trump não dará às pessoas o espaço e a oportunidade de expressão política
que procuram. Mas dá a impressão de ter parado para escutá-las, pelo menos.
Para quem votou em Trump, uma figura como Hillary Clinton acabou aparecendo
como uma espécie de ouvidora da política oficial de sempre, aquela que só ouve
o que quer ouvir.
Marcos Nobre é professor de filosofia política da
Unicamp e pesquisador do Cebrap. Escreve às segundas-feiras
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também. 

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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