França: como no Brexit, velhos sacrificam jovens no altar dos seus medos



França: como no Brexit, velhos sacrificam jovens no altar dos seus medos



Por Romulus



Ficaria grande demais… mas o título completo do post deveria ser:



<<França: como no referendo do Brexit,
mais velhos sacrificam o futuro dos jovens
– e, portanto, do país no longo prazo! –
no altar de seus temores ~do presente~…
já que eles mesmos não tem…
(tanto) ~futuro~
(com que se preocupar)>>







– É a taxa de desconto, estúpido!





*

Confesso que não me animei a comentar o “varejo” da reta final (-íssima) da campanha francesa.

Mas…

Provocado hoje pelos leitores (os melhores!), partindo desse varejo – medíocre e previsível – mais uma vez acabo chegando a reflexões mais interessantes.



Antes mesmo da saída, o óbvio:



<<Tenho pavor do Front National:
do pai, da filha e do espírito…
~insano~>>



Portanto, nada do que vai a seguir implica, de forma alguma, apoio a Marine Le Pen.



Entendam: para mim – e provavelmente para a História – a eleição presidencial francesa acabou há duas semanas: no dia da votação do ~primeiro~ turno!



Naquele dia se definiu quem – no caso, Emmanuel Macron – seria o “cavaleiro branco” designado a abater o “dragão do mal” no “terceiro ato” do… “filme”.



“Filme”?



Ora, pois sim!



E notem:



– A narrativa ~oficial~ do processo eleitoral está muito mais para (as simplificações de) um roteiro de um grande lançamento cinematográfico do verão ~americano~ do que para (as complexidades e matizes do sofisticado) cinema “de autor” (“filme-cabeça”) ~francês~.



– A narrativa mais simples possível: o bem contra o mal…

.. versus

– … a complexidade de um dilema moral de solução dificílima… e, no entanto, muito mais ~real~ que o primeiro!





Não podia ser muito diferente, contando a produção eleitoral francesa com protagonistas tão… ~unidimensionais~ :



(1) O príncipe dos tecnocratas ~palacianos~, que vai “modernizar a França”; contra



(2) A medusa, vinda das áreas ermas e inóspitas do Reino, prometendo “trazer o caos”.



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Assim, em nome do combate “ao mal”, pede-se aos franceses ~adesão~ ao príncipe.



Digo, a (Dom) Macron…



Nesse sentido, o grande economista Thomas Piketty, cujo trabalho admiro (na elegância do simples, acessível aos não “iniciados”), defendeu tese… hmmm… no mínimo “intrigante”:



– A importância política de dar a maior votação possível a Macron em face de Le Pen.



Numa lógica política que confesso me escapar, diz Piketty ao Libération que…



… quanto maior a margem da vitória de Macron, mais se saberá que a votação não era em favor dele e sim em repúdio a Marine Le Pen. Dessa forma, Macron gozaria de força política menor para impor sua agenda (ainda mais) liberalizante.



– Voto sai com carimbo, caro Piketty??

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Como disse, a lógica me escapa.



Pois não é que diria eu justamente o oposto?



– Quanto menor a margem, menor a moral política pós-eleitoral de Macron.



– E – justamente! – pelo fato de ele fracassar em conseguir uma votação acachapante diante da adversária…



– … ~ideal~ !



– Ou seja: a conclusão, nesse caso, seria inequivocamente que quem venceu foi…



– … a ~rejeição~ a Marine Le Pen… e não…

– … Emmanuel Macron!



Dessa forma, ficaria evidente a dupla rejeição do eleitorado, em relação a ~ambos~ os projetos.



Apenas uma um pouco maior do que a outra…



Como disse outro dia, a minha postura estaria mais para um ni, ni (“nem um, nem outro”) ~útil~ : só votaria ou faria campanha – crítica – em favor de Macron em caso de grave perigo estatístico de vitória de Le Pen.



O que definitivamente não é o caso.



*



E o título? Cadê os tais dos “velhos sacrificando jovens”?



Como foi que, a partir da briga entre o “cavaleiro branco” e o “dragão”, cheguei a esse título? À luta – sem risco de final feliz – entre velhos e jovens?



Bem, várias vozes críticas (corretamente) registram a malaise difusa diante da brutal concentração de renda na França pós-globalização.



Contudo, limitam-se à narrativa de que essa eleição opôs “a França que vai bem” (voto em Macron) à “que vai mal” (voto no FN).



Números:



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Legenda:



– Macron + Fillon (candidatos do liberalismo econômico) somam 57% dos votos dos lares com renda mensal ~superior~ a EUR 3 mil. Inclusive, com Macron com quase 40% de votos entre os executivos de empresas (!).



– Le Pen + Melénchon (candidatos do soberanismo econômico) somam (os mesmos!) 57% dos votos… mas dos lares com renda mensal ~inferior~ a EUR 1.250 (valor do salário mínimo na França).



Ou seja:



<<vencedores vs. perdedores
da globalização>>



Isso é verdade.



Mas não é tudo…



Tem outra disputa, também socioeconômica, que me interessa:



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Atentem para os números:



– A maioria absoluta dos jovens votou por uma guinada ~radical~ na política econômica, rumo ao “soberanismo”: votos Le Pen + Melénchon.



Se somarmos ainda os votos dados:



(1) ao soberanista médio Nicolas Dupont-Aignan;



(2) aos nanicos de extrema-esquerda (ainda mais radicais); e



(3) a Benoît Hamon (que defendia uma União Europeia profundamente reformada)…



… chega-se a quase 70%!



Ou seja, inversamente:



<<Dentre os ~jovens~, os dois
candidatos do business as usual
(“deixa tudo do jeito que está”)
– Emmanuel Macron e François Fillon –
conquistaram ~apenas~…
1/3 do eleitorado>>



E, no verso da moeda geracional:



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<<Dentre os ~idosos~, os dois candidatos

do business as usual
(“deixa tudo do jeito que está”)
– Emmanuel Macron e François Fillon –
conquistaram…
68% (!) do eleitorado>>



*



Ora, faz perfeitamente sentido…



E eu deveria era ter me lembrado dos meus próprios escritos, à época do “Brexit”, para antever cenário parecido:



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(…)

A divisão dos votos por idade



É justo a população com mais de 50 anos, e especialmente com mais de 65 anos, quase ou já fora do mercado de trabalho – e mais perto de deixar a própria existência neste plano! – amarrar o futuro dos jovens?



Pois são eles, os jovens e os seus bolsos – não os dos pensionistas com a sua renda certa garantida pelo Estado todo fim de mês – que arcarão com os custos desse haraquiri econômico.



https://lh3.googleusercontent.com/3jcrM7KgDkZmSd8erhjT5dQgFBQCzpERYYM3QQYdl1J_RVB1qeDX0c48t6HD4ENW9Q5-f47U0A8pZ2lt3OkyX6j96zwZwjzbAVrPMbi0BHQoS-D6yPC1x_cuKpHYyu-VkTf_MpM

Agravante:



– Na França, onde o voto é facultativo, sabe-se que os velhos vão muito mais às urnas que os novos!



Hipótese:



Creio que isso reflete não somente o desencanto da juventude com a “velha” democracia representativa liberal, mas também o fato de que…



(1)
<<os velhos (aposentados)
ao votarem estão,
ao fim e ao cabo,
escolhendo seus “patrões”.
Ou seja: ~quem~ paga o seu…
“salário”
(logo ali) no fim do próximo mês…>>



(2)



<<esses velhos (aposentados),
ao votarem, estão também escolhendo
~como~ será pago o seu “salário”.
Ou seja: a moeda!
Em Euros ou… “novos Francos”?!>>



*



A grande mídia deita e rola



(1) Ontem na TV:



Vejam esse programa, que foi ao ar ontem à noite na TV pública francesa.



Mais de duas horas debatendo propostas das duas candidaturas.

(louvável!)



Oficialmente, as regras eleitorais determinam que as propostas dos candidatos tenham o mesmo espaço. E que os jornalistas (mas não os comentaristas…) sejam imparciais.



Mas…



Basta assistir por alguns minutos para ver que, na realidade, as pautas escolhidas e a condução do debate favorecem um candidato e prejudicam… outra.



Nós brasileiros conhecemos isso bem, não é mesmo?



Faz parte…



É do jogo…



(“É do jogo”?!)



Notem, especialmente, o destaque dado ao calcanhar de Aquiles – do ponto de vista eleitoral (e não propriamente econômico!) – da candidata Marine Le Pen:



– A saída do Euro.



Seguindo o script “assusta os véinho”, não faltaram referências à (alegada):



– Perda do poder de compra das suas modestas aposentadorias (com a desvalorização cambial)…



… bem como à…



– Perda de valor de suas modestas economias… acumuladas depois dos muitos anos de sacrifício de toda uma vida, sabe…



(Espero sinceramente que a operação “assusta os véio” não tenha levado a nenhum óbito dos eleitores seniores, por infarto ou AVC, ao longo da campanha!)



(2) Hoje na TV:



Os chefes das redações acham que não foi tocado o terror suficientemente ainda nos vovôs?



Pois trate de colocar um… velhinho (Robert Badinter – ex-Ministro de Mitterrand, responsável pela extinção da pena de morte em 1981) para dar um gás final nessa tal de operação “assusta os véio”.



Afinal, há de parecer menos hipócrita que a repentina preocupação dos apresentadores de televisão, muito bem pagos, na sua “França que vai bem”, com as “modestas pensões dos velhinhos”…



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Bônus: momentos finais das campanhas



*



Agradeço aos leitores, que me instigaram!

Que tal usar, analogamente, a anedota do sapo que se deixa cozinhar vivo se – e somente se – a subida da temperatura – da ambiente até a de fervura – for lenta e gradual?

*

Paradoxos da complexidade humana

Interessante notar que, no “Brexit”, o temor dos idosos britânicos quanto a mudanças os levou a votar “~contra~ a Europa”…

– … ao passo que o mesmo “temor dos idodos quanto a mudanças” leva os velhinhos franceses a votar “~a favor~ da Europa”!

Não é fascinante??

*

Ok… mas e aí? Como ficamos?

Você traz problema e a gente quer é solução!

Retiramos então o direito dos velhinhos de votar?

Ou, sendo menos malvados, relativizamos o “um homem / um voto” e fazemos eles contarem meio cada um??

Ou, sendo extremamente malvados, adotamos a solução da “Família Dinossauro”?

Evidente que não.

Só quero apontar (mais esta!) tragédia da democracia representativa liberal tradicional.

(“o pior sistema que existe… à exceção de todos os demais”, não é mesmo?)

Do jeito que está, não estamos resolvendo o conflito inter-geracional de forma equilibrada.

Aliás, esse “arranjo” não é sequer sustentável.

Até porque na França, como no Brasil, o regime previdenciário é de repartição.

Ou seja: os jovens da ativa – quantos estão empregados hoje? – é que bancam os aposentados.

É interessantíssimo notar na fala de Robert Badinter, acima, o momento em que ele diz como o conflito era invertido quando ele estava na ativa:

– Com a inflação, que chegava a dois dígitos naqueles anos 80, pós segundo choque do petróleo…

– … os jovens se beneficiavam com a depreciação do preço dos ativos (como imóveis, pertencentes aos mais velhos), dos saldos devedores em financiamentos de longo prazo (como imóveis (2)) e da folga orçamentária com a diminuição do peso das aposentadorias.

Pois agora acontece justamente o contrário:

– Num contexto de inflação baixíssima (quando não deflação), com baixo crescimento econômico (quando não recessão), com desemprego estrutural de massa e precarização das relações de trabalho (quando não “uberização”)…

– … os jovens saem extremamente prejudicados:

(1) o sonho da casa própria parou na fase do “sonho” mesmo… ;

(2) não têm perspectiva de emprego de qualidade, com garantias trabalhistas e estabilidade (e por isso não têm filhos);

(3) salários comprimidos (e por isso não têm filhos (2));

(4) vivem sob alta carga tributária, necessária para complementar a contribuição dos trabalhadores da ativa para bancar as pensões e os custos de saúde dos velhinhos (com a inversão da pirâmide demográfica)…

Agravante:

– Eu disse “pensões” e “custos de saúde” dos velhinhos, não foi?


– Todos calculados em fortíssimos Euros evidentemente…

– … Euros de Frau Merkel!

– O Sílvio Santos diria até que “valem mais do que… ~dinheiro~”!


*

Mas a mídia só pensa então no bem estar dos velhinhos? É isso?


Não exatamente…

Está sim preocupada com os idosos…

– … mas ~apenas~ por causa dos ~votos~ deles!

Isso porque…

… sabem vocês quem mais vive de ~rentismo~, ou seja, “vive de rendas”?

(muito mais significativas, inclusive…)

E que, ademais, ao contrário dos velhinhos, não tem (quase) ~voto nenhum~ ??

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*

“Dividir para conquistar”

“Lado bom”
Ah, mas ao menos os velhinhos, junto à banca e ao (zero vírgula) “1%”, ~também~ estarão protegidos com esse Euro de Frau Merkel, não?

Será mesmo?

Mesmo com a economia não crescendo??

Pois advirto: os velhinhos que esperem os gastos com eles pesarem (mais) no orçamento, a ponto de “prejudicarem” (aspas!) a solvência do Estado perante seus ~credore$~ (com os jovens da ativa dando ainda menos conta de bancá-los do que hoje)…
Nós, do Brasil, sabemos bem o que vem na sequência:


*

– “Velhos vs. jovens”…
– A banca e o (zero vírgula) “1%”…

– Conflitos distributivos…
– Sabem o ditado – francês! – que vem à minha cabeça??
*

Atualização 1/6/2017 – no Reino Unido a história se repete

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França: como no Brexit, velhos sacrificam jovens no altar dos seus medos.


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Achou meu estilo “esquisito”? “Caótico”?

– Pois você não está só! Clique na imagem e chore as suas mágoas:

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(http://jornalggn.com.br/blog/romulus/que-p-e-essa-ora-essa-p-e-romulus-por-o-proprio)

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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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