O “ESTUPRO” E AS REDES SOCIAIS: QUEREMOS CRESCER OU “VENCER (CLICK-) DEBATE”?

?O “ESTUPRO” E AS REDES SOCIAIS: QUEREMOS CRESCER OU “VENCER (CLICK-) DEBATE”?
(do Facebook de Romulus – link: http://bit.ly/2eyP2PJ)

Cara Sylvia Moretzsohn,
Acabo de ler seu novo artigo, “O estupro como metáfora do golpe: a mídia punitiva, a esquerda positivista e as paixões humanas” (4/9/2017 – Link: http://bit.ly/2wBcd41).
Ponderado e sereno. Como sempre, leitura prazerosa.
(malgrado o tema espinhento, é claro)
Tenho de registrar, contudo, pequena “derrapagem”.

A mesma na qual incorreu a (para sempre!) querida Profa. Liana Cirne Lins ontem, (compreensivelmente) “pintada para a guerra”.

Ambas acabaram por caricaturar quem, orientando-se pelo Princípio da Legalidade, resistiu à tentação de um “jeitinho” – togado! – casuístico e ateve-se à (contra-intuitiva e impopular!) interpretação RESTRITIVA no Direito – P-E-N-A-L ! – como…
– … “positivista”.
Não posso falar por outros, mas em momento algum ~EU~ disse que o Direito – pior ainda: o Direito Penal! – era “neutro”. Ou apartado de outros campos do conhecimento, bem como de fenômenos (e patologias!) socioculturais.
(basta pegar qualquer artigo meu para constatar que meu posicionamento é justamente o oposto!)
Disse eu mesmo, desde o primeiro pronunciamento, que o Direito, na nossa sociedade patriarcal, era machista e que DEVERIA haver mudança da LEI para – então! – tipificar aquela conduta.
*
O “pulo do gato” está, justamente, nesse “então”!

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É muito oportuna a citação de Sylvia ao nobre Professor de Direito Penal Nilo Batista, da nossa martirizada UERJ. Mais oportuna impossível, creio.
Contudo Sylvia, inadvertidamente acredito, “trocou o sinal” do que ele queria dizer! O resultado é a impropriedade da própria citação.
A ideia do Professor aponta, justamente, no sentido de RESTRINGIR o punitivismo!
As considerações “matizadoras”, extra e “para” legais, que ele muito corretamente faz, como grande humanista que é, são em benefício de um RÉU hipotético…
– … e não o contrário!
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Prova do pudim?
Perguntemos ao próprio Prof. Nilo Batista o que ele pensa nesse caso dramático do “maníaco (sic) do ônibus”. Caso que, como não poderia deixar de ser, tantas paixões suscitou.
Pergunta quase retórica, contudo…
Conheço a resposta do Professor antes mesmo de ele a dar!
*
SIMPLIFICAÇÃO NECESSÁRIA VS. CARICATURA
Entendo – e bato-me também com – a necessidade de simplificar posições para análise em um pequeno artigo e – mais ainda – na redação sumária de uma postagem nas redes sociais.
Mas, tanto quanto possível, quando os escrevo, procuro não cair na caricatura das posições das quais divirjo.
É evidente que, quanto maior a complexidade e a matização presente em um texto, menor o seu público potencial.
(e maior o seu tamanho)
Tempos atrás tive eu mesmo de me posicionar diante desse “dilema”.
Ao fim e ao cabo, abri mão de ser publicado no popular Portal GGN por, contrariando a (totalmente compreensível!) política editorial, ater-me ao meu texto…
Taxado por muitos de “caótico”, “complexo”, “longo”…
O que – reconheço – não deixa de ser verdade!
A mesma “teimosia estilística” me força, ainda hoje, a recusar generosos convites para publicar em outros sites populares. De “esquerda”, mas até mesmo “centro-isentões”, imaginem.
Sim, o público potencial que me resta é sensivelmente menor…
Mas…
Não o troco por nada!
O conteúdo que vem de volta desses leitores – altamente reflexivo, crítico, ponderado, denso e não dogmático – não tem preço!
O que eles me devolvem, numa troca riquíssima – comigo e entre si!, contribui demais, demais, demais, para o crescimento e o amadurecimento das minhas teses.
Mas, (muito) mais do que isso, para o MEU próprio crescimento e amadurecimento.
Divergimos – eu os leitores – muito.
E em muitas coisas.
Mas – traço pessoal desde sempre – abraço essa divergência.
E vejo nela enorme valor.
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CITAÇÃO E… IMPROPRIEDADE?
Sim, “o inferno são os outros”, disse JP Sartre.
Mas…
Será que neles também não está o caminho para…
– … o “Céu”??
(ou, ao menos, um pedacinho desse mapa há tanto perdido?)



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Continuo divergindo das posições de ambas – Sylvia e Liana – na “polêmica” do “estupro”.



Mas sempre as respeitando.



Aliás, mais do que “respeitar”, ABRAÇO essa divergência!



Isso porque nunca quis “ganhar” (?) debate, mas sim crescer.



(junto com quem me lê e com quem leio)



*



Paz!



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Segue a luta!



(comum!)



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NOTA FINAL: É evidente que não sugiro que todos que escrevem – ainda mais nas redes sociais! – sigam o meu caminho e dirijam-se a um público restrito.
Sequer faço apologia disso!
Isso significaria alienar a maioria das pessoas e, consequentemente, perder a tão falada “guerra de narrativas”.
E por W.O.!
Um haraquiri político…
Tão somente quero crer que, com boa vontade e honestidade intelectual, no caminho entre o conteúdo sumaríssimo de um MEME e um… “ensaio” (!) há como se distanciar da caricatura daquilo que se critica ou de que se discorda.



*



Liana: E das entranhas da teoria crítica do direito nasce a defesa de um positivismo legalista em que só existe uma interpretação correta para a lei, sendo todas as demais “interpretação extensiva” da norma penal.



E tudo isso para que, senhoras e senhores?



Para esconder a misoginia por trás da dogmática dos sábios senhores os machos, a única “neutral” e “não ativista”.



“Esporrar na mulher não é crime porque a norma penal não fez essa previsão” é o novo abolicionismo.



E “feministas bolsonarianas moristas” é o novo grito de guerra do machoesquerdismo no campo jurídico.



Ah, e os machos e suas teorias neutras e limpinhas (ainda que esporradas).



Não estranhem, minhas caras, que sejam os mesmos machos que cospem no positivismo legalista. Falta de coerência só é problema para mulheres. Para os machos, é mérito e galhardia.



O ativismo jurídico da misoginia me causa mais asco quanto mais se esconde por trás da desculpa de que machista é o sistema legal, e não a interpretação tosca que fazem da norma.



A norma jurídica vai bem melhor do que vocês, meus senhores. Disse com muito mais precisão e clareza o que vocês insistem em retirar e omitir.



Vocês não são nossos aliados. Vocês são nossos opressores.



#FoiEstuproSim



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A coincidência entre o aniversário do golpe e a repercussão do caso do sujeito preso em flagrante por ejacular em cima de uma mulher num ônibus mas libertado no dia seguinte transformou a imagem do estupro numa perfeita metáfora do país.



(…)



Então o golpe completa um ano e o ejaculador do ônibus, que acumulava 16 boletins de ocorrência pelo mesmo tipo de conduta, é preso e imediatamente solto, só para ser preso novamente dois dias depois, por idêntico motivo.



O caso teve enorme repercussão nas redes sociais. Leigos jamais conseguiriam entender como um sujeito com tal histórico poderia ser devolvido às ruas assim, sem mais. Inclusive porque o juiz que tomou essa decisão reconhecia a gravidade do ato e mencionava esse comportamento recorrente, sugerindo a necessidade de tratamento psicológico e psiquiátrico.



No meio jurídico, porém, as opiniões se dividiram e muitos apoiaram o juiz porque, segundo eles, a decisão teria de ser técnica e, tecnicamente, aquela atitude não poderia ser enquadrada como estupro. Nas redes que reuniam defensores do abolicionismo penal proliferaram manifestações entre irônicas e ofensivas aos que, igualmente antipunitivistas, deploravam a decisão. Como se abolicionismo significasse ausência de punição, e não o estabelecimento de um horizonte – porque nada além disso é possível numa sociedade de classes – na direção do afastamento do direito penal como solução de conflitos, o que é algo bem diferente. Combater o punitivismo é combater o apelo ao direito penal e ao endurecimento das penas, que é urgente e há três décadas é tendência crescente no mundo.



Mas o “tribunal do Facebook” é assim: um vasto campo no qual as pessoas extravasam suas paixões, imediata e irrefletidamente. Por isso mesmo as discussões que começam de maneira ponderada descambam para a agressão e a ofensa. De modo que os identificados à esquerda que ousaram criticar a decisão do juiz tiveram seu caráter posto em dúvida – seriam falsos antipunitivistas que finalmente se revelariam ao menor sinal de um caso moralmente condenável – e chegaram a ser associados à extrema-direita, personificada no famoso deputado cuja candidatura à presidência vem ganhando adesões crescentes. Os que defendiam o juiz que soltou o acusado sublinhavam a necessidade do respeito estrito à aplicação técnica da lei.



(…)



A esquerda positivista



Finalmente chegamos à polêmica que tomou conta do Facebook, na qual os defensores do abolicionismo penal reagiram às vezes com ironia, às vezes agressivamente, contra quem, também identificado à causa, ousava discordar da decisão do juiz que soltou o agressor. Não foi só o argumento tosco de que sugerir interpretação diferente da lei significava transgredi-la – afinal, repetiram, “Moro também ‘interpreta’ a lei”, como se houvesse termo de comparação entre as inúmeras ilegalidades da Lava Jato e esse caso específico –, não foi só a pecha de “esquerda punitiva”, que estaria, para todos os efeitos, assimilada à extrema-direita: foi principalmente o zelo na discussão estrita da técnica, do enfoque “lógico-racional” à luz da “dogmática penal”, como se o direito fosse um mundo à parte, alheio à vida cotidiana. Foi um preciso exemplo de ocultação dos conflitos sociais através da ocultação do debate político sobre eles, que, no dizer de Nilo Batista, encontra “na mais bisonha e elementar linguagem jurídico-penal seu melhor instrumento”. Como no exemplo do debate sobre a questão agrária, reduzido “a umas tantas questões muito singelas: houve esbulho possessório? A terra ocupada era juridicamente improdutiva, ou a ocupação foi ilegal? Houve homicídio? Cabe reconhecer legítima defesa? Mas quem atirou primeiro? Houve resistência à ordem judicial de desocupação?”



Assim, diz Nilo, o debate sobre a tragédia fundiária brasileira cede lugar a “áridas tertúlias jurídicas, incapazes de esclarecer e menos ainda de mobilizar”.



Por que? Porque, como ele mesmo referiu em outro artigo,



“Juristas sofrem de uma doença profissional perigosa, proveniente do contraste entre as altas temperaturas da fundição do discurso do poder e as neves eternas da legalidade compreendida pelo viés positivista, que congela esse discurso na lei. Tal enfermidade nos habilita a perceber conflitos sociais como simples deficiência de normatização, que o inesgotável Estado do bem-estar jurídico tratará logo de suprir, motivo pelo qual adquirimos a capacidade mágica de superá-los com dois ou três artigos e parágrafos. Ficamos sempre um pouco desorientados perante a força bruta que rompe os modelos legais, ansiosos por repousar no porto seguro de alguns incisos e alíneas”.



Numa tentativa de demonstrar como a crítica contundente ao sistema de justiça criminal não pode se limitar a dizer que o sistema penal é produtor de violências, mas precisa “ser capaz de identificar as violências produzidas pelo discurso do campo penal”, a professora Camila de Mello Prando aponta como são frágeis e viciadas as interpretações canônicas a respeito do que sejam “violência ou grave ameaça”, condicionantes para a tipificação do estupro. “Segundo o viés da definição hegemônica doutrinária e jurisprudencial, isto [no caso do ônibus] estaria ausente. Onde está a faca? Onde está a arma? Onde está a ameaça grave passível de ser executada?”



No entanto…



“O que este viés não é capaz de enquadrar na interpretação da “grave ameaça”, e que só pode ser acessado se compreendermos a dimensão da violência de gênero – absolutamente ignorada por uma ignorância (estruturalmente constituída) do campo penal – é que o ato de um homem se masturbando em pé na frente de uma mulher sentada durante sua viagem de ônibus tem a possibilidade de ser constituído como um constrangimento com grave ameaça. Este argumento está ao alcance da cena. Não é um ato de desejo, como imaginam inocentes (?) penalistas, não é um ato de nojo. O pau deste homem é a faca no pescoço da mulher. E isto só se pode ver se há um mínimo de compreensão de como se estruturam as dinâmicas de violência fundadas nas hierarquias de gênero. E isto já é um outro capítulo. Um capítulo de um livro que no campo penal os penalistas – ditos assim no masculino – deliberadamente se recusam a abrir”.



(…)



Se tivéssemos, também, uma esquerda antipunitiva não positivista, não teríamos tido tamanha polêmica nas redes. Sobretudo, não teríamos a automática e desdenhosa desqualificação da pergunta “e se fosse com você?”, reação imediata e recorrente de tantos – principalmente, tantas – que se indignaram com a situação. Entender o sentido dessa pergunta é reconhecer que nada, absolutamente, pode ser analisado do ponto de vista estritamente técnico, porque é da vida humana que se trata, com todas as suas contradições, conflitos e paixões. Refugiada nas neves eternas da legalidade, esta esquerda aparentemente prefere instalar-se no conforto da ética da convicção, que desobriga do enfrentamento com o mundo real, e se contenta com as “áridas tertúlias jurídicas” – a “masturbação sociológica”, na linguagem de um famoso ex-ministro já falecido. Curiosa esquerda, esta, que não parece minimamente interessada em esclarecer ou mobilizar. Se pensarmos no estupro como metáfora do golpe, talvez possamos perceber um aspecto insuspeito do que nos conduz a tamanha inércia e nos leva a naturalizar as muitas violências que, pelo menos em tese, anunciamos desejar combater.



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Meu texto original, “ESTUPRO-EJACULAÇÃO E ESQUERDA BATENDO CABEÇA: AGORA JUIZ É CULPADO POR NÃO SER A MÃE DINÁ (!) E POR “DAR ARGUMENTO À DIREIRTA” (SIC)” (2/9/2017), disponível em: http://bit.ly/2vTM0ff



E alguns esclarecimentos, diante da reação (~inicialmente~ indignada) de leitorXs:
Romulus: Se há machismo – e há! – não é do juiz, minha gente! O cara seguiu o que diz a lei! O machismo é da sociedade e, indiretamente, do Legislador!



As pessoas não leram o que escrevi ou então estão tão cegadas pela sede de “justiça”, que “não” entendem.



A minha discussão NUNCA foi sobre o que é ou não estupro.



E sequer sobre o que “deveria” ser!



Não discuti se quem ejacula em mulheres em transporte público deve ou não ir preso.



O QUE EU DISSE É QUE ~NÃO~ CABE AO JUIZ FAZER ESSAS DETERMINAÇÕES. CABE A ELE REALIZAR NO CASO CONCRETO O QUE O LEGISLADOR JÁ DETERMINOU, REPRESENTANDO A SOCIEDADE E O SUFRÁGIO UNIVERSAL!



Meu foco não era a discussão do artigo em si. E sim incoerência da parte da esquerda de ansiar p/ 1 “Moro do bem” para “resolver” este caso.



Ilusão perigosa da esquerda de querer contar – e justificar – “carteiradas” dos concursados. Imensa maioria é reacionária – e machista!



Olhem o corte de classe e de gênero do Judiciário!



Tiro no pé.



Irracionalidade.



No caso, o juiz teria de “inovar”, fugindo de dispositivo/ jurisprudência/ doutrina majoritárias.



NÓS podemos divergir delas.



Até mesmo o juiz pode – pessoalmente – divergir.



Mas é o que há!



Lutemos para mudar… não para um juiz qualquer – quem? O que pensa? Será feminista? – “matar no peito” e escrever – ele mesmo – a “Lei”.



Não digo que quem está, de maneira 100% justificada, ultrajad_A_ (eu tb fiquei) seja “defensor de ‘Sergio Moro'”. Ao menos não diretamente, em abstrato.



Mas no caso concreto, sim está a favor do método Moro de “matar no peito” a legislação – qualquer que seja, “justa” ou “injusta” – e substitui-la pela sua vontade pessoal.



O que fiz, na minha “pegada meta”, foi apontar a consequência sistêmica dessa posição.



Interpretação RESTRITIVA do Direito Penal é garantia da sociedade contra as “Otoridade”, contra o “teje preso”. É conquista do Iluminismo: “não há crime sem lei anterior que o defina” (e comine a respectiva PENA).



Não é possível que em pleno ESTADO DE EXCEÇÃO “branco” (sic) – que começou, justamente, lá atrás, no “Mensalão”/ “teoria do domínio do fato”! – as pessoas não liguem “lé” com “cré” e não vejam a consequência sistêmica de tolerar – pior: exigir! – o “justiçamento” pelo “concursado” da vez.



Pior ainda: EXECRAR e linchar nas redes sociais os concursados – minoritários! – que aceitam os limites dos poderes que a democracia, o Estado de direito e o Princípio da Legalidade lhes outorgou!





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E A “REVIRAVOLTA”: com a reincidência (imediata!), novo juiz finalmente prende o “maníaco” por… “estupro” (!):

Solte fogos, “esquerda” punitivista: chegou o “Moro do bem” p/”resolver” o que é estupro (!)



E mais: quem é ou ñ doente mental (!)





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Agora começa “bolão”:



-Qts horas “estuprador” dura no sistema prisional brasileiro?



Quem queria linchamento, “dente p/dente”, deve tá feliz.

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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