Expresso da Meia-Noite: Caderno Mensal
Caros Expressonautas,
A sétima edição do Caderno Mensal do Expresso da Meia-noite vem com a proposta de lançar luzes sobre o polêmico tema relacionado aos depósitos remunerados a prazo no Banco Central, a questão da remuneração diária da sobra de caixa dos bancos e o Projeto de Lei 3877/2020, recém apresentado no Senado pelo Deputado Rogério Carvalho do PT.
O PL trata da utilização de títulos como garantia da remuneração do dinheiro dos bancos, visando (segundo seu autor) modernizar a gestão da liquidez da economia e amenizar o impacto sobre a dívida pública, aumentando, assim, a possibilidade de gastos do governo, o que traria consequências positivas para a sociedade brasileira.
Mas será que é isso mesmo?
Para responder essa pergunta, fiz uma exposição sintética sobre o pensamento de três reconhecidos especialistas na área econômica e fiscal sobre o assunto. Dessa forma, recorrendo a mediação estabelecida a partir do meu olhar leigo, mas bastante interessado em compreender essa questão tão importante para todos nós brasileiros, espero apresentar a você, caro(a) leitor(a), bases para que faça seu próprio juízo de valor quanto ao tema.
Desejo a todos uma boa leitura.
OPERAÇÕES COMPROMISSADAS, DEPÓSITOS REMUNERADOS A PRAZO NO BANCO CENTRAL E REMUNERAÇÃO DIÁRIA DA SOBRA DE CAIXA DOS BANCOS: O QUE PRECISAMOS SABER?
Por Ricardo Guerra
Enquanto o governo e a mídia corporativa bombardeiam a sociedade com a informação de que há necessidade do País “economizar” R$ 1 trilhão (nos próximos dez anos) e, para isso, é preciso investir em medidas como corte em aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários e sociais – que eles chamam de medidas de austeridade – e nos conduziu ao desfecho da aprovação da PEC 06/2019, com impactos sociais preocupantes, principalmente para as camadas trabalhadoras e mais pobres da população, questões relacionadas a operações compromissadas, depósitos remunerados a prazo no Banco Central e remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, precisam ser esclarecidas e é importante que esse assunto seja debatido e aprofundado pela sociedade.
De modo geral, podemos dizer que parece haver um consenso entre os especialistas quanto a uma posição contrária a forma como – hoje – o governo controla o dinheiro que circula pela economia, visando mitigar impactos no sistema financeiro, econômico e social, através das chamadas operações compromissadas – sobre as quais estima-se, custou cerca de R$ 1 trilhão às contas públicas nos últimos dez anos.
No entanto, uma importante discordância permanece e está relacionada a necessidade da completa eliminação dessas operações ou (apenas) a sua substituição por outro mecanismo financeiro mais adequado.
Dessa forma, enquanto praticamente 100% dos economistas concordam com a necessidade da remuneração diária das sobras de caixa dos bancos (o dinheiro que os bancos não conseguem emprestar ao fim da cada dia), para controle da taxa (de juros) de curto prazo por parte do banco central, há uma veemente discordância, quanto a essa necessidade, por parte da coordenação da Auditoria Cidadã da Dívida. Sendo evidente a concordância de todos quanto ao absurdo valor da taxa de juros que o Banco Central do Brasil remunera essa grande quantidade de recursos (diariamente aos bancos), com o percentual mais elevado do mundo, por décadas, prejudicando ainda mais a nossa capacidade de investimento, por exemplo em setores como infraestrutura, saúde e educação.
As taxas de juros só reduziram – muito recentemente – em razão da maior depressão econômica da história brasileira e, ainda assim, continuam muito acima das taxas internacionais. Todos os especialistas aqui citados, se posicionam incisivamente contrários à independência do Banco Central.
Especialistas:
- Maria Lucia Fattorelli (Economista e Auditora Fiscal da Receita Federal e Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida);
- André Roncaglia (Professor de economia da UNIFESP e pesquisador da CEBRAP);
- Gustavo Galvão (Doutor em economia pela UFRJ e autor de Finanças Funcionais e a Teoria da Moeda Moderna).
Maria Lucia Fattorelli
Para Maria Lucia Fattorelli a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, além de ilegal, é uma indecência pois, segundo acredita, “temos R$ 1 trilhão sobrando para pagar remuneração sobre depósitos voluntários que os bancos fazem no Banco Central e retiramos 1 Trilhão de benefícios destinados a maioria da nossa população menos favorecida”.
Segundo a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, essa remuneração diária da sobra de caixa dos bancos tem sido extremamente danosa à nossa economia, sendo inclusive uma das principais causas do aumento do desemprego e da atual queda do PIB, fazendo com que as taxas de juros de mercado fiquem ainda mais absurdamente altas no Brasil.
Portanto, de acordo com pensamento que defende, com a garantia dada pelo Banco Central, os bancos não têm interesse em correr riscos para emprestar para empresas e pessoas e, se o Banco Central deixar de conceder essa remuneração diária, os bancos reduzirão – imediatamente – as taxas de juros oferecidas ao mercado, para assim conseguir emprestar e lucrar.
“Com acesso a crédito, as empresas voltariam a crescer e gerar emprego e renda e toda a economia seria favorecida e dinamizada, facilitando a superação da crise atual”.
Na visão de Fattorelli, o PL 3877/2020, do Senador Rogério Carvalho – PT/SE, não fará dinheiro circular na economia e irá apenas “legalizar” a remuneração da sobra de caixa dos bancos através, vamos dizer assim, apenas de uma mudança de nome da operação: para ela um mero truque contábil.
Para se aprofundar quanto ao pensamento de Maria Lucia Fattorelli sobre o tema, acesse: Temos dinheiro sobrando para doar aos bancos?
André Roncaglia
O economista André Roncaglia ressalta que todos os países do mundo fazem uso do controle da liquidez do dinheiro circulando na economia para, por exemplo, não afetar os índices de preços, e o fazem através da venda de títulos que hoje no Brasil são as operações compromissadas.
O problema é que essa operação faz aumentar a dívida pública. Mas, de acordo com Roncaglia, essa operação não tem nada a ver com gastos excessivos do governo. E aí está o ponto chave para analisar esse tema: a dívida pública.
O Banco Central, substituindo as operações compromissadas pelos depósitos remunerados, vai separar o que é dívida dos gastos do governo, das dívidas para o controle da liquidez, e tirar o poder de pressão daqueles que defendem o controle de gastos do governo, reduzindo o montante, em mais ou menos 20% do valor do PIB, da dívida pública mobiliária do governo.
“Assim, de forma resumida, podemos dizer que com essa mudança são eliminados os motivos e os argumentos de que o governo gasta demais e precisa diminuir gastos, inclusive como vem fazendo em setores essenciais como saúde, educação, infraestrutura e ciência e tecnologia”.
Apesar disso, o economista não entrou na questão quanto a ser ou não justo, o governo se responsabilizar por esses gastos com pagamentos de juros aos bancos para enxugar a liquidez e não entrou em detalhes sobre o que acontece com os depósitos remunerados se for aprovada a autonomia do Banco Central.
Para entender melhor os argumentos de André Roncaglia sobre o assunto, acesse: https://m.youtube.com/watch?v=hK7KxExQ1EY
Gustavo Galvão
Já o economista Gustavo Galvão, concorda com André Roncaglia quanto a necessidade do Tesouro fazer oferta de títulos para controlar a liquidez, mas não pelo motivo que Roncaglia alega: o suposto controle de preços.
Para Gustavo e, qualquer defensor das Finanças Funcionais, preços não têm relação com quantidade de moeda. Nas Finanças Funcionais, o Banco Central precisa oferecer títulos com remuneração diária para manter o controle sobre a taxa de juros. Manter o controle governamental sobre a taxa de juros é muito importante para controlar o nível de investimento, a especulação nos mercados financeiros e, especialmente, no mercado cambial.
“O que pode ferir de morte qualquer governo é perder o controle sobre a taxa de câmbio”.
Dessa forma, tanto Galvão quanto Roncaglia, em discordância com Fattorelli, defendem a necessidade da remuneração diária da sobra de caixa dos bancos, mas por motivos parcialmente diferentes.
Para Galvão, se os depósitos voluntários dos bancos no Banco Central pagarem juros, como propõe o projeto – utilizando a terminologia de depósitos a prazo no Banco Central – o mercado poderá migrar das compromissadas para esses depósitos e isso seria indiferente economicamente (e não positivo como supõe André), se não houvesse qualquer dúvida em relação à perfeita substituição entre os títulos públicos e os depósitos voluntários, o que depende da autonomia do Banco Central.
Um governo soberano jamais vai desejar que seus títulos não sejam tão líquidos quanto os depósitos do Banco Central, porque isso pode causar instabilidade na taxa de juros que o governo paga e, portanto, permitir ataques especulativos contra a dívida pública, como acontece hoje na Europa do Euro, o que, portanto, causaria vulnerabilidade política ao Estado Brasileiro e perda de soberania, afirma o economista.
“A ideia do PL 3877 é aparentemente inofensiva, como mostra a justificativa do projeto, mas, com a possibilidade real de independência do Banco Central, cuja aprovação não podemos garantir que nunca será aprovada, pode ser uma das maiores armadilhas financeiras da história do Brasil e pode causar grande prejuízo à soberania nacional”.
Segundo o Doutor em economia, as Finanças Funcionais, a Teoria Monetária Moderna – MMT e a Teoria Cartalista da Moeda, um país que emite sua própria moeda tem soberania monetária para fazer política fiscal com déficit público, definir sua taxa de juros e definir sua política cambial. E isso normalmente é válido mesmo que o Banco Central seja independente: esse deveria ser o foco do debate para ele.
Galvão ainda destaca que em todos os países com soberania monetária, o governo pode ter déficits públicos sem problemas, ou seja, sem causar inflação ou aumento da taxa de juros. No entanto, ele afirma que não se pode conjecturar sobre as alegações de que esse PL 3877 reduziria a dívida pública – “seria terraplanismo contábil”. A única coisa que não posso dizer, é que o PL vai melhorar, na prática, alguma coisa.
De fato, as definições de que uma dívida seja ou não “grande demais” são muito mais políticas do que econômicas e fazer essa manipulação contábil não vai mudar o fato de que os donos do “mercado” vão dizer que um governo amigo tem uma dívida razoável e um governo inimigo tenha uma dívida “grande demais”, mesmo que a dívida do governo inimigo seja metade da dívida do governo amigo.
Nesse sentido, não faz nenhuma diferença a manipulação contábil, porque os donos do mercado podem revelá-la ou não de acordo com suas conveniências políticas e especulativas.
“Por exemplo, no governo Dilma e Lula com dívidas muitíssimo menores, do que os governos atuais, o mercado quase tirava a cueca pela cabeça com tanto chilique que dava com o tamanho da dívida. Hoje com uma dívida líquida que é mais que o dobro e com um déficit que é dezenas de vezes maior, o mercado está relativamente calmo e aceitando taxas de juros muito baixas”.
Por fim, em relação à crítica que a Fattorelli faz com o absurdo de se pagar 1 trilhão de reais no últimos anos para remunerar saldo de caixa dos bancos e depois tirar 1 trilhão do bolso dos trabalhadores com a Reforma da Previdência, todos concordam. Mas para André e Gustavo, esse absurdo decorre das taxas de juros para essas operações terem sido estupidamente altas desde pelo menos o Plano Real.
Para saber mais sobre os argumentos de Gustavo Galvão sobre o tema, acesse: Operações Compromissadas X Depósitos voluntários Remunerados: uma grande manipulação.
Assim, finalizamos a presente edição esperando ter dado ao prezado(a) leitor(a) as ferramentas necessárias para que possa exercer seu poder de análise e o inalienável direito à crítica, contribuído dessa forma, com o importante e necessário processo de sua formação de opinião sobre o tema.
Um forte abraço e até a próxima edição.
*Aguardamos comentários.
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