A “mandata” das deputadas

Luiz Carlos de Oliveira e Silva (Professor de Filosofia)

  1. Depois da minha crítica de ontem, eu soube que o uso do termo “mandata” para se referir a mandatos parlamentares exercidos por mulheres é generalizado no PSOL…
  2. Em postagem sobre o “politicamente correto”, de 28 de janeiro de 2016, eu dizia que “quem ridiculariza o politicamente correto, apegando-se a ocasionais exageros, precisa pensar melhor no assunto.”
  3. Mudei de opinião? Acredito que não… Continuo considerando, como disse na postagem citada, que “a linguagem também é um campo de luta política, por ser um mecanismo de construção de realidades sociais”.
  4. Marx e Engels, na “Ideologia Alemã”, destacaram, adequadamente a meu ver, a interdependência existente entre linguagem e consciência. Observemos a seguinte passagem: “A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a consciência real, prática, que existe para os outros homens e que, portanto, também existe para mim mesmo; e a linguagem nasce, tal como a consciência, do carecimento, da necessidade de intercâmbio com outros homens.” [Tradução da edição da Boitempo, 2007, pp. 34-35]
  5. Vejamos um luminoso exemplo da importância política da fórmula “linguagem é consciência prática”: quando se deixa de falar “escravos” e passa-se a falar “escravizados” há um claro e imediato ganho de consciência sobre o fenômeno da escravização (reparem: eu não falei “escravidão”!) e da sua permanência como racismo.
  6. São nestes termos que devemos colocar, segundo penso, esta questão do “politicamente correto” na linguagem. Pergunto: o uso do termo “mandata” por mulheres parlamentares no lugar de “mandato” está em consonância com o princípio de que a “linguagem é consciência prática”, ou tudo não passa de uma forçação de barra tola, de efeitos de superfície, de exotismo cujo único objetivo é “causar”?
  7. Trata-se de uma pergunta retórica, já que eu não tenho dúvida quanto à resposta…
  8. Fato é que, me parece, “causar” ocupa o centro da ação política de não poucos grupos identitários. Esta ação tem dois objetivos: fazer com que a bolha esteja cada vez mais coesa, mais fechada em si, mais homogênea – de preferência com um idioma próprio! – e fazer com que os fora da bolha estejam cada vez mais distantes.
  9. Como não reconhecer que há um gozo narcísico na insistência em “causar” e um gozo perverso em “cancelar” os críticos do feminismo linguístico “à outrance”?
  10. Do modo como eu vejo as coisas, digo que é preciso chamar a atenção para a diferença entre ver a linguagem como um campo de luta política e os exotismos que só querem “causar” para manter a bolha coesa e feliz, ainda que alienada.

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