Diários da Pandemia: na Noruega
Os primeiros casos de covid-19 na Noruega foram registrados no final de fevereiro; a maioria estava ligada à turistas noruegueses que estiveram em férias no norte da Itália e na Áustria. Em 12 de março, o governo e outras autoridades públicas começaram a implementar as mais rigorosas e abrangentes medidas de todos os tempos (em período de paz) para conter a epidemia.
Todas as instituições de ensino, desde o jardim de infância, foram fechadas. Com pequenas variações regionais, o mesmo se deu com todos os estabelecimentos onde o contato físico é em maior ou menor grau necessário, como salões de beleza, academias, clínicas de fisioterapia e atendimento psicológico, bares, restaurantes, shows, teatro, cinema, clubes desportivos, etc.
Os hospitais mudaram drasticamente de rotina, com suspensão de atendimentos e cirurgias não emergenciais, construção de unidades provisórias para o eventual atendimento de uma grande número de pacientes com covid-19, contratação temporária de trabalhadores da saúde aposentados e de estudantes da mesma área que estivessem cursando o último ano da faculdade, adaptação de laboratórios para testes de diagnóstico, e mais mil outros detalhes.

Mas nem tudo foi paralisado. Os alunos começaram a ter ensino online, os profissionais das mais diversas áreas passaram a fazer uso do hjemmekontor (escritório em casa), os supermercados e farmácias continuaram abertos e não foi proibido o funcionamento do comércio. E é nesse aspecto que a estrutura, a cultura e o ensino no país fizeram a diferença:
- Os noruegueses têm 10 anos de ensino obrigatório, público, gratuito e de qualidade. A digitalização do ensino é amplamente utilizada e todos os alunos têm computador e internet. Ter uma videoaula já faz parte da rotina…
- As pessoas entendem o porquê das recomendações dadas (distanciamento social, sair de casa apenas quando for necessário… ) e às cumprem voluntariamente, não como gado que obedece, mas porque reconhece que as recomendações são razoáveis. Aqui não houve histeria.

- Os serviços públicos são quase que totalmente digitalizados, então, praticamente não faz diferença se o funcionário está em casa ou no trabalho.
- O comércio online é comum, e nas lojas quase ninguém usa dinheiro físico. As redes de supermercado têm quase sempre a opção de autoatendimento (sem a presença de funcionários). O resultado é que o comércio não tem lá grandes mudanças, exceto que as pessoas mantém maior distância entre si (o que também não é grande novidade, já que os noruegueses não suportam viver colados uns nos outros).


Mas nem tudo são flores…
O desemprego aumentou e isso gera preocupação na população, não por falta de dinheiro (já que o estado garante os salários através do auxílio desemprego), mas pela incerteza de que o número de postos de trabalho será o mesmo depois de a epidemia passar.
Há também muitos debates sobre as restrições de liberdade. E aqui é preciso salientar que a liberdade (de expressão, de ir e vir, de crença, etc) e a independência individuais são absolutamente fundamentais para o norueguês – a ponto de ser por eles mesmos considerado seu traço único… Está em discussão o uso de um aplicativo para mapeamento de pessoas infectadas.
Terem sido proibidos de ir para as casas de campo (hytte) onde geralmente esquiam (coisa sagrada), deu o “maior bafafá”! E não poderem ir ao bar para beber? Praticamente heresia! (E esse povo todo certinho bebe muito – e daí chutam o pau da barraca, só falta sambar, coisa impossível para eles…. hshshs)
Isso sem falar no preocupante aumento dos casos de violência doméstica e a explosão do número de ligações para os serviços psicológicos, devido ao aumento dos casos de depressão, ansiedade e outros problemas de ordem mental.
Apesar dos pesares, as consequências do confinamento são tão boas (a curva achatou!) que em 06 de Abril a epidemia foi oficialmente declarada sob controle e no dia 20 do mesmo mês, os primeiros passos do desconfinamento serão dados. E o melhor: a ninguém faltou leitos hospitalares, independentemente da idade ou da presença ou não de doenças preexistentes.
Como brasileira, bem adaptada e acostumada com o país (que é minha segunda pátria), sinto-me segura e privilegiada por estar aqui nesse momento de crise. Por outro lado, é extremamente doloroso ver que o Brasil, onde estão aqueles que tanto amo (e outros que não conheço, mas pelos quais meu coração se enche de pranto e ternura), segue o caminho oposto ao daqui. Caminho injusto, construído por uma minoria que historicamente relega o povo a si mesmo e que só pensa em dinheiro e poder.
A crise do coronavírus nada mais faz que expor as feridas já abertas de países onde a população é tratada com descaso ou, o funcionamento de sociedades onde o povo é tratado com dignidade.
vær så god! *
Expressonauta residente da Noruega, participante do Grupo de Discussão no Telegram.
* tradução livre: “disponha”, “por gentileza”.
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Ver também:
Quijote no país dos Bruzundangas
Diários da Pandemia: uma caixa de supermercado
Diários da Pandemia: na Sibéria
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