Brasil x EUA: divergências nos acordos climáticos globais

Por Gustavo Galvão, Paulo Cesar Ribeiro Lima, Pedro Augusto Pinho e Felipe Quintas

 

Os acordos climáticos globais são assunto de acaloradas discussões em fóruns políticos pela internet. Infelizmente, essa discussão praticamente não existe na grande imprensa mundial, que coloca como um consenso a posição majoritária proposta pelos países mais desenvolvidos.
Esse assunto é muito importante porque pode significar o bloqueio do desenvolvimento de alguns países ou grandes oportunidades para o desenvolvimento, em decorrência das mudanças nos padrões de produção, consumo e exportação de energia.

A parte mais acalorada do debate – se o aquecimento é decorrente ou não de ação do homem – não nos interessa. O que interessa é que todos os governos signatários do acordo aceitam que sim. Portanto, o que avaliamos é se o acordo é bom ou ruim para o Brasil e, caso seja ruim, qual deveria ser nossa posição.

O primeiro ponto a ser colocado é que o Brasil é um dos países como menor poluição per capita, tanto em níveis históricos quanto no presente. Todavia, o Brasil é um dos países que aceitaram uma das metas mais ambiciosas no Acordo de Paris, realizado no meio do impeachment da Dilma, quando o Brasil não tinha um governo. Por si só, isso poderia justificar que o povo brasileiro decida que este acordo não seja legítimo.

De fato, as metas agressivas, com que o Brasil se comprometeu, fazem com que nos tornemos definitivamente o país mais verde do mundo, em termos de emissão de gases de efeito estufa. As metas dos países desenvolvidos, em termos per capita, são ridículas, comparadas às brasileiras. É como se a contribuição e o esforço deles sejam relativamente insignificantes. Ou seja, eles poluem, nós limpamos.

Isso significa que esses acordos climáticos globais foram criados para impedir o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, como muitos dizem? É difícil responder a essa pergunta com segurança.

Em relação aos países mais pobres do mundo, na África ou em outras regiões menos favorecidas, os acordos tendem a ser positivos porque, dada a dificuldade de esses países superarem o colonialismo informal que ainda os domina, o consumo per capita de energia é mínimo, e eles não precisam cumprir metas ambiciosas.

Por outro lado, foi prometido a eles ganharem um pouco de investimentos desde que com foco ambiental. Não sabemos se eles estão recebendo como o prometido. O Primeiro Mundo costuma não cumprir seus compromissos com o Terceiro Mundo. Esses compromissos geralmente viram letra morta.

Mas podemos dizer que não seja verdade que os acordos globais contra o aquecimento global têm como objetivo prejudicar os países pobres do mundo como a África. Em relação às potências emergentes do mundo em desenvolvimento, como as potências da Eurásia e o Brics, já não podemos dizer o mesmo.

Em teoria, as referências modernas oficiais ao aumento da concentração de carbono e seus impactos climáticos surgem no ano 1962, em Instituto de Pesquisa no Havaí, e, na década seguinte, com o Clube de Roma, acusado de ser apoiado pelos maiores bilionários defensores do movimento neomalthusiano mundial que visa parar o crescimento populacional.

Algumas dissertações das melhores universidades brasileiras sobre o assunto:

tcc.sc.usp.br/tce/disponiveis/8/8021101/tce-29042016-114013/publico/2015_HenriqueCagnotto.pdf

teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-12022014-122211/publico/2013_AnaPaulaSalviatti_VCorr.pdf

historia.uff.br/stricto/td/1919.pdf

pct.capes.gov.br/teses/2011/33003017080P0/TES.PDF

tiagomarino.com/continentes/index.php/continentes/article/view/8/7

historia.uff.br/stricto/td/1919.pdf

Essas políticas ambientalistas globais foram ganhando corpo até se tornarem uma febre no final dos anos 1980. Não podemos avaliar se este aquecimento é ou não verdadeiro e qual a suas causas, porque não somos físicos. Mas, apesar de terem sido apoiadas e financiadas pelos principais bilionários globais, podemos afirmar que essa teoria é, em tese, favorável para os países em desenvolvimento, inclusive para o Brasil, pelo simples motivo de os culpados estarem principalmente nos países ricos. e que esses devem ajudar os países pobres.

Ajudar como? Ajudar concedendo recursos externos, divisas, que são extremamente escassas nos países mais pobres. Sem contar que a maioria desses países são importadores de hidrocarbonetos, portanto beneficiários da redução do consumo e, em consequência, do preço do petróleo, se, de fato, é sério o interesse em reduzir o consumo de hidrocarbonetos nos países desenvolvidos.

Sem falar ainda que os países pobres são os maiores prejudicados pelo aquecimento, se é que ele é real, em todos os aspectos, não só porque ele aumenta a seca nos trópicos e a inundação pela água do mar, como a área agrícola e a produtividade agrícola vão aumentar nos países ricos, que são muito frios, com prejuízo para as exportações dos países pobres.

Se realmente acontecer um aquecimento global, o aumento da área agriculturável na Rússia e no Canadá será colossal e deve aumentar a produtividade também nos Estados Unidos da América (EUA) e Europa.

Ao menos nas aparências, as vantagens para os países pobres eram completamente inquestionáveis no Protocolo de Kyoto, que foi realizado em 1998. Todos os ônus eram sobre os países ricos, e a maioria dos benefícios eram para países pobres, que receberiam por não poluir.

Em princípio, não poluir não significa não se industrializar e não desenvolver a agricultura, como dizem alguns. Não industrializar e não desenvolver a agricultura eles já fazem hoje em razão do baixíssimo crescimento. A maioria dos países pobres não consegue sair da sua condição de miséria com o atual sistema econômico e político internacional. As incríveis exceções são apenas isso: exceções.

Na pior das hipóteses, a maioria dos países pobres iria ganhar dinheiro para fazer o que eles já fazem: nada, em sua estagnação secular. No caso dos países com mais força, como China e Índia, não haveria qualquer penalidade por eles se industrializarem. E, ao contrário, haveria aumento dos custos para a indústria dos países ricos e, consequentemente, aumento da competitividade industrial nos países em desenvolvimento.

Foi exatamente por isso, por beneficiar (em potencial quando estivesse em pleno vigor) a industrialização dos países em desenvolvimento (China) que, a partir do final da década de 2000, os EUA e outros países, como Canadá, disseram NÃO ao Protocolo de Kyoto.

Por que então alguns intelectuais, apresentando-se defensores dos países pobres, queriam se insurgir contra o Protocolo de Kyoto dizendo que esse tinha como objetivo fechar as portas para a industrialização dos subdesenvolvidos? Certamente isso é decorrente de desinformação e principalmente de manipulação de informação por parte dos interesses poderosos contrários a teoria do aquecimento antropocêntrico.

Quem são eles? Ora, a indústria mais lucrativa do mundo: a indústria do petróleo (e as nações associadas a ela), que produzia, no início da década, US$ 3 trilhões anuais em excedente, lucros mais impostos.

Mas não só. A indústria automobilística e as indústrias de carvão e gás natural, de eletricidade e de maquinário e transporte associadas a elas eram radicalmente contrárias a essa teoria e ao Protocolo de Kyoto, pois confrontavam seriamente seus interesses.

Eles financiaram estudos, políticos, teorias, fantasias, ilusões e mentiras para dizer que não havia aquecimento e para dizer que era uma forma de exploração dos países pobres. Não queremos dizer com isso que o aquecimento realmente não exista ou não seja causado pelo CO2. Não somos especialistas, não sabemos. Mas sabemos que há sim fantasias e mentiras nos dois lados dessa discussão. Ambas financiadas por interesses poderosos.

Muita gente caiu nessa fraude. Sim, tem muita fraude aí, basta ler o que publicam. Basta entender os interesses privados. Não existe interesse financeiro privado associado à “descarbonização” que tenha 10% do poder político e econômico das indústrias associadas aos combustíveis fósseis; a lucratividade das primeiras não deve chegar a 1% dessas últimas.

Por outro lado, é inegável que o movimento ambientalista e o apoio midiático que tem são financiados pelos grandes magnatas globais. Em ambos os lados da discussão, há poderosos interesses econômicos por detrás.

Não faz sentido dizer que o poder econômico mundial quer criar alarmismo ambiental, sem dizer que partes fundamentais desse mesmo poder apoiam campanhas contrárias a esse mesmo alarmismo. Dizer que há dois lados que não são santos nessa disputa, não significa dizer que o gás carbônico cause ou não aquecimento. Nosso objetivo é entender como funcionam os interesses econômicos e não a física do Planeta.

Por mais que possa haver segredos, mistérios e conspirações desconhecidos em relação a essa disputa, os interesses econômicos e geopolíticos dominantes normalmente lucram com a venda de combustíveis fósseis no Ocidente.

Se há ambiguidade sobre como se posicionam os grandes interesses econômicos ocidentais, a situação, sobre esta questão, não é melhor em relação aos interesses geopolíticos.

Nos anos 1990, os EUA não tinham concorrente, portanto, o Protocolo de Kyoto não incomodava. Hoje, aquele país tem concorrentes ou províncias rebeldes, exportadoras e importadas de petróleo. Mas uma coisa é certa: a redução da importância das exportações mundiais de petróleo tende a reduzir o poder econômico hegemônico do dólar.

Se as exportações mundiais de petróleo se reduzirem muito, o dólar entra em colapso, porque a maioria dos exportadores de petróleo fazem reservas cambiais em dólar. Se o petróleo perder sua importância, o euro, o iuan e o iene – as moedas mais fortes concorrentes ao dólar – e que pertençam aos principais exportadores de manufaturas e igualmente maiores importadores de petróleo, ficarão cada vez mais fortes, levando à destruição da capacidade de os EUA controlarem as taxas de juros e de inflação e, consequentemente, será enfraquecida a capacidade do dólar e dos títulos públicos estadunidenses serem a principal reserva cambial do mundo.

Se, no início, a indústria de combustíveis fósseis e seus países exportadores eram os principais opositores às teorias do aquecimento global e iniciativas ambientalistas, mais recentemente se somaram a essas teorias os países que temem a ascensão da China.

Portanto, ao contrário do que afirmam os ideólogos contrários aos acordos do clima, os países e grupos de interesses que querem prejudicar o desenvolvimento dos países pobres não são necessariamente os mesmos que defendem os acordos globais contra as mudanças climáticas.

Isso não significa, obviamente, que os bilionários neomalthusianos financiadores do movimento ambientalista queiram o desenvolvimento dos países pobres. Tudo indica que eles não querem. Mas o acordo político possível de ser conseguido entre centenas de países participantes e milhares de especialistas e empresas interessadas no final dos anos 90, chamado de Protocolo de Kyoto, na prática, favorecia fortemente os países pobres ou em desenvolvimento como a China. Isso é um fato inquestionável, tanto que foi barrado pelos EUA.

Esses acordos favorecem os pobres por um motivo muito simples: quem tem que pagar é principalmente quem poluiu, e estes poluidores são basicamente os ricos. Também são os ricos que podem ajudar os pobres a reduzir a poluição interna, que precisam ser remunerados para poder fazê-lo. Isso implica investimentos e empregos nesses países. Ainda que continuem gerando dependência do tipo colonial.

Outro fator é que por ser um acordo no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), eles precisam ser feitos por consenso. Assim, todos os países pobres podem participar, opinar, votar e até, em alguns casos, vetar.

Evidentemente, que esse consenso é para inglês ver, porque os poderosos impõem normalmente suas posições; porém, como há divergências entre os mais poderosos, os países mais pobres podem, se unidos, conseguir concessões a seu favor. Concessões que não existiriam, se não houvesse a necessidade desse acordo global demandada pelos próprios desenvolvidos.

Isso também não significa que vai continuar assim no futuro. Se forem abandonados esses acordos em nome da possibilidade de barreiras alfandegárias ambientalistas unilaterais, os pobres poderão perder.

Mas não é isso que está sendo discutido nesses acordos. Ao menos não publicamente. É óbvio que essas barreiras podem servir como ameaças e fazer os pobres cederem, mas até recentemente os ricos eram os maiores defensores do livre comércio, porque os beneficiava. Portanto, até agora, essas barreiras ambientalistas são um blefe.

Talvez o Presidente Trump mude essa realidade, porque ele acredita que o livre comércio já não é mais 100% favorável aos EUA. Ele acredita que, hoje, a China colheria mais benefícios do que os EUA com o livre comércio.

A Europa, mas também o Japão, aparentemente, os maiores defensores desses acordos, têm grandes superávits no comércio com o exterior, inclusive contra os países mais pobres. Alguém realmente acha que eles terão interesse e poderão se beneficiar de uma guerra tarifária iniciada pela tentativa de impor tarifas alfandegárias ambientais?

Contra os países mais pobres isso jamais aconteceria. Contra o Brasil, eles perdem, se o Brasil responder com tarifas contra eles, pois somos capazes de fazer substituição de importações. Contra a Índia, Turquia, Irã e Rússia também. Contra a China também não deve lhes ser favorável, porque os chineses são os maiores importadores de carros e objetos de luxo e máquinas europeias, que podem, na maioria dos casos, substituir. E como ficariam as empresas europeias na China?

Por parte da Europa e Japão, essas tarifas são um blefe, porque não podem resistir à reação. Por parte dos EUA, pode fazer sentido, porque importam mais do que exportam; porém, eles terão que lidar com muitos outros problemas se for avançada uma guerra tarifária contra as emissões.

 

Gustavo Galvão, Doutor em economia e autor de As 21 lições das Finanças Funcionais e da Teoria do Dinheiro Moderno (MMT).

Paulo Cesar Ribeiro Lima, Doutor em Engenharia e consultor legislativo aposentado da Câmara dos Deputados.

Pedro Augusto Pinho, Administrador aposentado.

Felipe Quintas, Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense.

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