99%, UNÍ-VOS! II – O setor financeiro quer os recursos da Previdência (Parte III de III)

Contas Públicas, os fatos e “lendas” que deveríamos conhecer para avaliarmos a verdade por trás dos números!

Por Hélio Silveira¹, Gustavo Galvão² e Rogério Lessa³, para o Duplo Expresso

Na 1ª parte, mostramos as “lendas” da Previdência “quebrada”, agora, daremos continuidade falando de outras “lendas” correlacionadas. Nesse texto dissecaremos a 4ª “Lenda”…

4ª “Lenda”: A solução é criar fundos de pensão, administrados por instituições financeiras privadas, capturando os recursos da Previdência sob o regime de capitalização

A Previdência Social até os anos 80 era o modelo de transferência onde a contribuição dos assalariados ativos pagava os benefícios dos assistidos. Era o sistema de solidariedade social, um pacto geracional onde os filhos (assalariados) ativos garantiriam através das suas contribuições, o sustento dos seus pais (aposentados).

Nos anos 90, com o questionamento político da eficiência do Estado, e mais o dogma do equilíbrio das contas públicas, passou-se a questionar os “déficits” do sistema previdenciário.

Os “neoliberais” – como se autodenominaram pós evento do “Consenso de Washington”, de novembro de 1989 –, afirmaram-se como eficientes “administradores de dinheiro” (na expressão de Minsky)! E como todas as atividades produtivas passam por um “fluxo de caixa”, se arvoraram como melhores administradores das funções e empresas públicas. Eis o mote das privatizações.

Em outras palavras, ao retornarem aos dogmas e doutrina liberal, apagaram os ensinamentos de Keynes e proclamaram a liberdade do capital e sua própria auto regulação! Ou seja, os administradores privados conheciam tão bem os seus mercados que pequenas distorções seriam corrigidas por suas ações. Também criaram ainda “produtos financeiros blindados” (sem risco). Eles “decretaram” o fim da “era da incerteza keynesiana”. Aquela “era” que conforme ele não se poderia fazer projeções longas porque “no longo prazo estaríamos todos mortos”! John Maynard Keynes afirmava que o futuro não era uma distribuição determinística, como afirmavam os liberais com suas certezas dogmáticas, mas sim, uma distribuição probabilística (sujeita a chuva e trovoadas!).

Na questão da Previdência, os neoliberais alegavam que, com o envelhecimento da população, a conta não fecharia. As contribuições dos assalariados ativos não dariam conta do pagamento da cada vez maior população de aposentados, abrindo déficits nas contas previdenciárias. Daí, para a luta pelo aumento da idade para a aposentadoria e para a administração privada do sistema, foi um passo. Chegariam lá através dos planos de previdência complementar privada, porque eles – como destacamos –, criaram “produtos financeiros blindados”. Em outras palavras, renda complementar garantida no futuro. Os mais experientes já viram essa garantia “na carne” em fundos de pensão (da Enron, o mais notório), montepios e planos de saúde que quebraram! Agora mesmo, diante da maior recessão brasileira (7% em dois anos) vemos fundos de pensão reduzindo benefícios.

Vimos também a privatização da previdência Argentina quebrar, voltar a ser estatizada e, agora, novamente tentando ser privatizada com o presidente Macri. Mas lá, sob resistência popular. A previdência privatizada do Chile também é alvo de questionamento dos trabalhadores. Vide entrevista com o argentino Júlio Durval – presidente da Confederação Latino-Americana e do Caribe de Trabalhadores Estatais (CLATE) – à Revista Seguridade Social e Tributação e com o chileno Carlos Pascual – presidente da Fundação Chile 21.

Quanto ao dogma do envelhecimento da população, questionamos: da mesma forma que a população envelhece (ainda que não seja o caso brasileiro, ao menos pelas próximas três décadas) pelos avanços da ciência e da medicina, a produtividade do sistema econômico também. Aliás, aumenta mais do que proporcionalmente. Isso pode ser verificado pelo aumento dos produtos nacionais (PIB’s) acima do crescimento da população, e pelos resultados líquidos das empresas. Exceto, conjunturalmente, em anos de crise, como a verificada em 2015 e 2016.

Mas mesmo que o envelhecimento da população causasse uma necessidade de aporte público para equilibrar o sistema, temos mostrado em nossos textos que isso é um gasto público e da maior prioridade moral: a do respeito ao idoso. Portanto, não é nenhum problema o aporte público a ser efetuado.

Os neoliberais financistas dominaram a década de 90, com suas ideias de autorregulação e produtos blindados. Conseguiram manter suas ideias e passar incólumes por algumas crises que normalmente abalariam a “fortaleza liberal”, como a dos “tigres e tigrinhos asiáticos” em 1997, a quebra da Long-Term Capital Management (LCTM) em 1998, com a crise russa – uma corretora de fundo de “hedge” (proteção), ou “blindados”, administradas pela dupla Merton e Sholes – prêmios Nobel de Economia de 1997 (DE1), a quebra da Enron em 2001, arrastando a empresa de auditoria Andersen e causando graves prejuízos em fundos de pensão estadunidenses. Mas, em 2008 veio o golpe final com a quebra da banca privada. Mais uma vez, como em 29, vimos a volta do Estado com sua eficaz função: “Assegurador de última instância” – interferindo diretamente no sistema econômico. Ou seja, a eficiência da administração privada “implodiu” num enorme vexame mundial e foi socorrida pelo ineficiência do Estado e suas instituições.

Então são estes “administradores financeiros de dinheiro” que, de novo, intentam operar as relevantes aplicações da Previdência dos países, sob o regime de fundos de pensão? Não são os mesmos que colocaram papéis podres nos fundos de pensão institucionais de várias categorias profissionais nos Estados Unidos e Europa, reduzindo a aposentadoria dos idosos?

No Brasil, conforme já explicitamos na 1º “lenda”, o Sistema da Seguridade Social Brasileiro é, como diriam os liberais, um fundo blindado e superavitário, exceto em 2017 por conta da perversa conjuntura! Ficamos com as conclusões do relatório final da CPI da Previdência que conclui pela inexistência de déficit no Sistema. Recomenda acabar com as desvinculações (DRU), com as isenções sobre as Receitas da Seguridade, retornar o RPPS à responsabilidade do Governo Federal e ser diligente na recuperação da dívida ativa.

Fundos de Pensão são garantidos?

Os Fundos de Pensão foram criados mais intensamente nos anos 60/70, principalmente, nos EUA. Vieram na inércia do fim da era dourada marcada pela abundância de empregos. Eram inseridos na categoria dos benefícios adicionais “fringe benefits” (benefícios adicionais) em época de disputa por mão-de-obra qualificada. As empresas tinham interesse na constituição dos fundos porque atraíam melhores funcionários, tinham isenção tributária e controle majoritário sobre os próprios recursos, já que patrocinavam com contribuições maiores que os funcionários. Os funcionários aprovavam porque o patrocinador contribuía com a parte maior, e os fundos seguiam a modalidade Benefício Definido (BD), ou seja, era definido o valor a ser complementado além da Previdência Social.

Entretanto, nos anos 80/90, as condições no mercado de trabalho mudaram sensivelmente para pior. Nesse tempo, a Indústria dos Fundos já acumulava recursos relevantes e seus administradores adquiriam poder político pela sua disponibilidade de aplicação. Chegavam a possuir participações acionárias importantes em empresas. Já nos anos 90, com a consolidação do neoliberalismo, surgiu a classe dos “administradores de dinheiro”. Eram grandes fundos capitalizados administrados por corretoras e bancos de investimento e/ou por “astros financeiros”. Os Fundos de Pensão “profissionalizavam a gestão”, terceirizando a administração e transferindo parte ou todos seus recursos para essas instituições poderosas, mediante pagamento de taxas de administração e “prêmios de performance”. Mas os Fundos entraram na fase da maturidade onde os benefícios passavam a ser maiores que as contribuições. Começa a era dos resgates, e com ela as incertezas de todo investimento de longa duração. Direitos garantidos são transformados em expectativas de direito, enquanto o funcionário não se aposenta. A contribuição do patrocinador não só é reduzida, aumentando a do funcionário, como deixa de garantir a solvabilidade do fundo. Isso não é tudo. Passada a bonança, começa a ocorrência de fatos desagradáveis (a quebra da Enron em 2001 é um exemplo), que arrastam seu fundo de pensão (cheio de ações da própria empresa). Outro fato foi a crise de 2008, onde vários fundos se viram com papéis podres, obrigando os aposentados a perderem parte de seus benefícios e os ativos a aumentar suas contribuições para manter a viabilidade atuarial do plano. Não bastasse isso, o BD passa para a Contribuição Definida – CD, ou seja, os beneficiários recebem na aposentadoria o que o fundo teve de resultado!

Então, passar a aposentadoria de um fundo solidário, como a Previdência Social para os resultados incertos dos fundos de pensão administrados por terceiros é garantido?

Existe outra opção? Tentamos mostrar ao longo dos textos que sim! Um Estado Ativo pode disponibilizar recursos (gasto público) para essa relevante função social, a de sustentar quem dedicou grande parte de sua existência ao labor. Os Estados estão numa encruzilhada: Ou reforçam suas funções previdenciárias, ou se preparem para problemas sociais.

Temos demonstrado que qualquer Estado Soberano tem condições, pela orientação desenvolvimentista (ou social democrata, como queiram), a manter a economia no Pleno Emprego conforme o Estado do Bem-Estar Social! O Ocidente sofre com a orientação liberal e “austericídio”. Mas o Oriente segue a “Rota do Desenvolvimento”.

De posse das orientações que tentamos transmitir, sugerimos que assistam a seguir os três vídeos do programa sobre Contas Públicas, e as comparem às do Economista Raul Velloso, o criador da DRU, onde ele demonstra, de acordo com suas convicções, a viabilidade de passar da Previdência Social para os Fundos de Pensão:

 

 

Por fim, agradecemos a ANFIP – guardiã do Orçamento da Seguridade Social, por suas análises anuais e porque, sem elas, não teríamos dados para elaborar e apresentar nossas convicções.

Agradecemos também a tenacidade da professora Denise Gentil, da UFRJ. ela é uma incansável defensora da Seguridade Social Brasileira, disponibilizamos sua tese neste link.

Homenagem póstuma à querida auditora Clemilce Sanfim Cardoso Affonso de Carvalho, magnífica e tenaz palestrante em defesa do nosso Sistema de Seguridade Social.

Assim, concluímos:

Nessas três partes do “99%, UNÍ-VOS II” procuramos desmistificar 4 “lendas” da Previdência. Uma das principais questões massificadas para convencermos que as Contas Públicas estão enfermas. Existem outras questões, como o nosso déficit público e a dívida pública. Insistem na tecla que sem ajuste fiscal não sobrarão recursos para o Investimento, mas demonstramos com o arranjo BNDES-TESOURO que não!

Enquanto tivermos recursos humanos e materiais disponíveis, não faltará dinheiro. Portanto, outros “99%, UNÍ-VOS” virão! Optamos pelo nosso ideal desenvolvimentista (social-democrata). Lutamos pelo bom combate. Nosso instrumental busca a prosperidade com distribuição dos seus frutos e não com a visão da escassez, do ajuste, do baixo crescimento. Somos influenciados pela exuberância de nosso país. Não podemos pensar pequeno!

O mundo econômico se divide nos dois grandes blocos atualmente: O Ocidente, financeirizado, com rigor fiscal e baixo crescimento (o novo “normal”), e o Oriente, com seu desenvolvimento produtivo, com seus projetos exuberantes e inclusivos.

Nos desculpamos se insistimos ao longo dos texto com a série de “perguntas & respostas”, mas acreditamos que, com essa técnica, seja mais fácil mostrar que conhecemos como pensa o adversário. Faz parte do bom combate e entendemos que seja boa técnica para fixarmos a quem está lendo, a nossa verdade, o nosso conhecimento.

Em 2018, a Nação Brasileira, se encontra em uma bifurcação da História para os próximos 20 anos: Ou viveremos a limitação do Teto dos Gastos como querem os 1%, ou optaremos pelo Plano de Desenvolvimento Nacional a ser conquistado pelo poder dos 99%!

Avaliem de acordo com suas convicções!

Na imagem esq: o “Mercado” explica que o duto do tesouro estadunidense jorrando bilhões em subsídios para a indústria significa “livre iniciativa” | imagem dir: o “Mercado” explica que o duto pingando auxílios para pobres e necessitados significa “socialismo”
Imagem explicando a roleta estadunidense do seu Capitalismo: Tudo diz respeito ao risco | Os 99% assumem o risco, com demissões e execuções hipotecárias | o 1% colhe os lucros, com bonus e contas em paraísos fiscais

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1 Economista aposentado do BNDES
2 Economista do BNDES, doutor em economia pela UFRJ
3 Jornalista Econômico da AEPET – Associação de Engenheiros da Petrobrás

Post Scriptum: o Rio de Janeiro e o Brasil se encontram consternados com o incêndio e perda de patrimônio histórico do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, da UFRJ, ocorrido em 02/09/2018, seguramente ocorrido por faltas de verbas para manutenção e segurança, por conta de “austericídio fiscal”!

DE1 – O Prêmio de Ciências Econômicas, oficialmente denominado Prêmio do Banco da Suécia para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel (em sueco Sveriges riksbanks pris i ekonomisk vetenskap till Alfred Nobels minne), vulgarmente apelidado na Suécia de Prêmio da Economia. Foi instituído em 1968 pelo Sveriges Riksbank, o Banco Central da Suécia (que é o patrocinador do evento “Prêmio Nobel”) e atribuído pela primeira vez em 1969.

 

 

 

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