Atenção! Cautela com os Panama Papers, Imprensa (Brasileira), por Romulus


Por Romulus

Considero o jornalista José Roberto Toledo sério e bem-intencionado. Um oásis no deserto da imprensa familiar. Costuma ser bastante ponderado em suas análises, as quais compartilho quase sempre nas redes sociais. Na forma, aprecio seu estilo e principalmente sua fina ironia. Convém registrar que essa ironia está muito mais livre no perfil do jornalista no twitter que no jornalão. De forma que recomendo seu perfil nessa rede social para quem também é fã de ironia e de sarcasmo no trato com a política.

Na última semana Toledo publicou no Estadão uma meia-vacina contra as diversas alegações de viés no vazamento dos Panama Papers. Já naquela altura, mal se completara um par de dias após a revelação do mega-vazamento, muitos na rede exibiam cautela quando não desconfiança dos tais Papéis do Panamá. O título do artigo de Toledo resume bem o principal incômodo:

Cadê os Gringos?

Pois bem. O artigo-vacina logrou imunizar a cobertura? Imunizou “médio”, certamente diria Glória Pires. Fica no meio do caminho: nota as distorções mas também desmerece cabalmente os questionamentos como “teoria da conspiração”. Alguns parecem de fato estapafúrdios, como muitas outras coisas que brotam do terreno fértil da internet, mas não vale usar o frase-álibi “para eles a culpa é sempre dos Estados Unidos” para deitar todos os questionamentos por terra. Numa extrapolação do dito popular, será que quem grita “pega ladrão” só por isso se torna imune à acusação de bater carteiras? Penso que não.

Eu mesmo alertei, via twitter, para o viés. Como desejo que a cobertura no Brasil vá no sentido adequado – diferentemente do infame tratamento dado ao Swissleaks – posto no twitter minhas preocupações. Preocupações essas aduzidas da minha experiência como advogado que atuou amplamente no direito empresarial, inclusive na constituição de sociedades dentro do Brasil e fora (Ó, Deus. Consegui evitar a palavra maldita: offshore!).

Da mesma forma, assim como faço aqui, divulguei no twitter um programa de quase três horas (!) que foi ao ar na última terça-feira à noite na TV estatal francesa (canal France2) sobre os Panama Papers. Nos dias seguintes o mesmo canal veiculava comercial comemorando a excelente audiência de quase 4 milhões de pessoas que acompanhou o programa até quase a meia-noite. Além da hashtag com o nome do programa, #cashinvestigation, ter ficado no número dois dos trending topics mundiais do twitter durante a sua exibição. Meus parabéns! Como reconhecimento do trabalho excepcional do programa, que costuma levar ao ar investigações que duram 2, 3 anos, compartilho no post nada menos que a edição “Panama Papers” do “Cash Investigation”. Sim, meus caros. Subiram o vídeo do programa para o canal no youtube já no dia seguinte.

Como escrevi nesta semana em comentário ao artigo de Pepe Escobar sobre os Panama Papers no GGN (ah, tinha que ser o rei da conspiração mesmo!), a tese de que antes de chegar ao Consórcio tais documentos passaram pelas mãos de autoridades americanas não se restringe mais aos círculos “teoria da conspiração” da internet. Isso porque a respeitada e seríssima jornalista Élise Lucet, âncora do programa francês a que me refiro, afirmou isso com todas as letras diante do Ministro de Estado das Finanças da França e de representante da OCDE. Os dois estavam ao vivo no estúdio, dado o peso do programa e a repercussão esperada. Foram para debater a longa matéria que acabara de ir ao ar.

Acostumada a confrontar cara a cara Presidentes, Primeiros-Ministros e Comissários Europeus, a experiente jornalista não se intimidou diante do tema sensível da origem americana dos documentos. Na verdade foi além: disse que os EUA pagou pelos mesmos (yes, baby! Good old US dollars!) e confrontou o Ministro a sua frente a esse respeito. Não temos como daí concluir que a versão que chegou ao Consórcio de jornalistas foi necessariamente “editada”. Mas, dada a revelação, é forçoso reconhecer, pelo menos dali em diante, que os documentos antes passaram sim por mãos americanas.

Élise Lucet deve saber do que fala. Afinal ela e sua equipe são membros do Consórcio desde o início. O programa apresenta, inclusive, diversas reuniões de pauta do Consórcio na Alemanha, devidamente registradas pela equipe. Lá vemos repórteres de todo o mundo. Talvez Toledo e Fernando Rodrigues, do UOL, estivessem no meio da multidão.

Lembrar dos brasileiros no Consócio dá-me o gancho para voltar ao início deste post. Ao artigo-vacina do Estadão. Assim como o “the Guardian” fizera na véspera, o artigo de Toledo tenta explicar por que não há americanos “peixe grande” nos documentos.

Os dois artigos apontam algo verdadeiro – o fato de que alguns Estados dos EUA permitem a constituição de offshores – para daí concluir que os americanos não precisariam viajar ao Panamá para esse fim. A conclusão está equivocada. A despeito das benéficas leis societárias e tributárias estaduais, as leis federais americanas só tornam essas sociedades “invisíveis” para a Receita Federal Americana – o IRS – se elas não tiverem operações nos EUA e se seus sócios não forem americanos.

Assim, o dinheiro sujo dos EUA não pode usar esses Estados para a ocultação. Nem tampouco o dinheiro limpo ensaiando fuga do apetite voraz do fisco. O esconderijo pode até não ser o Panamá – como Toledo deixa entrever anotando que a Mossack não necessariamente detinha monopólio nesse mercado – mas certamente também não é os EUA. A anedota de como finalmente se pegou o mítico gangster Al Capone deixa bem claro que com o IRS americano não se brinca.

Nota: fiquei lisonjeado com a reprodução de uma piada que fizera na véspera (via tweet) fechando o artigo de Toledo. E que piara era essa? Caso ainda não tenham lido o artigo, diz que o plano maligno do Tio Sam (muaaá-ha-ha!) é desacreditar todo o futebol. Envolveram no escândalo não só a afamada FIFA, mas também a UEFA, Messi e companhia. Assim, finalmente conseguiriam emplacar o chatíssimo baseball no gosto do resto do mundo – ha! Como se vê, “Snowdens” que não descartam conspirações per se também sabem rir. Nem que seja das próprias piadas.

Lisonjas a parte, mas e aí? Qual a implicação de os Panama Papers terem passado pelas mãos de autoridades americanas antes de encontrar o caminho até o Consórcio de jornalistas? Descartamo-nos então?

Alto lá! Evidente que não. Os documentos continuam sendo de grande interesse jornalístico. Ao que tudo indica são legítimos e comprovam dinheiro oculto e/ou de origem criminosa. Não é porque escroques de algumas nacionalidades podem ter escapado do mega-vazamento que os demais devam se livrar do escrutínio também. Ao que parece os Panama Papers primam pelo grande número de escroques de um clubinho relevante de países emergentes. Ora, nada menos que os países dos BRICS! Talvez isso – e não somente a ausência de tubarões americanos – tenha alimentado as desdenhadas “teorias da conspiração”. Essa gente paranoica, hein… quanta desconfiança! Por que raios os EUA se preocupariam em causar embaraços aos BRICS? É cada uma…

Ok. BRICS e paranoias a parte, voltemos ao Consórcio de jornalistas. Qual a tradução, em termos práticos, dessas especulações para a cobertura dos Panama Papers? Acredite se quiser, mas em nada de novo. Apenas em não esquecer uma antiquíssima regra do bom jornalismo: a fonte não pode pautar o jornalista. A fonte não substitui nem jornalista nem editor. Deixemos experimentos heterodoxos de (awkwardly) new (pseudo) journalism para o casamento malsucedido entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira e a revista Veja. Ah, eterno enquanto durou.

Então, para não servir a eventuais Cachoeiras sem sabê-lo, basta jornalistas com a exclusividade desta pauta conterem um pouco a excessiva atitude defensiva diante de questionamentos naturais para mentes curiosas. Que não deixem uma cobertura que tem todo o valor manchar-se por uma suspeita – não ou mal abordada – de manipulação e viés dos vazadores dos já famosos Papers. Tenho dito que os jornalistas deveriam simplesmente adotar um tom mais cauteloso nos artigos e ressalvar, sempre que pertinente, a possível parcialidade do vazamento. Quer seja porque a Mossack Fonseca não é a única empresa a oferecer esse serviço, quer seja pela ausência de figurões dos EUA e de um punhado de outros países. Aliás, por falar em figurões, azar mesmo quem deu foi David Cameron. O que ele não daria para ter sido também vazado do vazamento…

Então ficamos combinados em cautela e ressalvas nos artigos? Alguém vai deixar de lê-los por isso? Certamente não. É capaz até de conquistarem uma nova base de fãs, vejam só: os “Snowdens” abertos a existência de conspirações na vida real. Que tal?

Salve a ironia!

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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