“Abutrômetro” apita: abutres sentem cheiro de sangue no golpe
Por Romulus
O amigo Ciro d’Araújo chama a minha atenção para uma entrevista publicada hoje no Estadão. O jornalão foi ouvir o que Paulo “Lulômetro” Leme (lembram?), do Goldman Sachs, tinha a dizer sobre a crise brasileira e o momento atual.
Já escrevi no passado sobre a desfaçatez da classe política brasileira e do PMDB em particular. Ainda em março constatei que as instituições brasileiras “não contavam com o cinismo do PMDB”. Mas a desfaçatez agora é outra, não menos escandalosa. Aliás, as duas andam de mão dadas – dadas não… dadíssimas!
Trata-se da desfaçatez dos abutres diante da carne fresca que lhes oferece o PMDB do golpe. Mostram-se prontos a hipotecar o seu (volúvel) apoio, desde que a carne suculenta não tarde. Não aceitam esperar sequer o tempo político que a prudência e a malícia recomendariam, com vistas a consolidar o golpe.
Não…
O subtexto da entrevista de Paulo Leme ao Estadão – mais importante que o próprio texto – é o seguinte, para quem tem ao menos dois neurônios e acompanha o noticiário político:
– Nós, abutres, já estamos sentindo novamente o cheiro de sangue. Mas dessa vez o sangue é de vocês, golpistas! Deem-nos agora – e não depois – o esperado. Pois pode ser que não haja “depois”…
Não falei ainda na semana passada que abutre não tem amigo?
Olha aí!
Abutre come cordeirinho, mas também devora cobra criada.
Eta, bicho oportunista…
* * *
Aliás, não curto muito a vaidade de Cassandra de dizer “eu avisei”, diante do caos instalado para o qual se apontou o dedo antes. Preferia, na verdade, estar errado.
Mas vou me permitir a indulgência. Está tudo documentado aqui no blog.
Conhecer o resultado não conhecia. Mas quando escrevi os diversos posts apontando o que ia acontecer, já previa com uma razoável certeza. Não por ser uma Cassandra legítima, mas uma Cassandra paraguaia. Paraguaia porque não é difícil prever os passos dos golpistas e o seu resultado – e não porque o golpe seja paraguaio.
Se bem que o golpe é também paraguaio…
Uma coisa não exclui a outra, não é verdade?
A Cassandra paraguaia vê antes porque os golpistas são óbvios demais.
E também o são os abutres.
* * *
Já tratei da entrevista de Paulo Leme mais cedo no Twitter. Naquela oportunidade selecionei algumas passagens que escancaram seu texto e subtexto.
Pois bem. Reproduzo aqui esses e outros trechos e, em seguida, trago comentários – de posts passados – relevantes diante da fala.
Poderia pegar outros posts, que também “vêm ao caso” à luz da reveladora entrevista de Paulo Leme. Não o faço porque a premissa deste post já fica claramente demonstrada. E também porque não sou observador impassível diante disso tudo.
Ver a claridade da lesa, sem precedentes, ao Estado e ao seu patrimônio; ao povo e aos seus direitos econômicos e sociais; e ao país, em seu projeto de futuro, irrita profundamente.
E o que resta a quem, como eu, ainda se importa com o Brasil – e com os brasileiros que nele residem?
Bem… resta rezar para que:
(i) o revés do golpe na sociedade e na classe política continue à toda. Nisso podemos contar com a incompetência de Temer e dos seus co-conspiradores;
(ii) esse revés crie o ânimo necessário para as ilhas de decência no Senado, no STF e na PGR oporem-se à consolidação do golpe; e
(iii) a Presidente Dilma, o seu staff, Lula e o PT entendam a gravidade do momento para o projeto nacional do Brasil e coloquem-se à altura. Que deem tudo de si para derrubar o golpe e frustrar seus patrocinadores, em benefício do Estado, do povo e do projeto de país.
* * *
Trechos da entrevista de Paulo Leme ao Estadão:
PL:
Vamos dividir o setor privado que está com complicações em dois grandes blocos. Um inclui empresas ligadas à Lava Jato – empreiteiras, construtoras – e empresas de açúcar e álcool, que vinham com problemas. O outro inclui empresas de setores que foram afetados pela profunda recessão. O bloco da Lava Jato tem comprador, mas algumas operações se dissipam quando passam pelo compliance (avaliação mais rigorosa dos ativos). A complexidade da legislação e o tempo gasto com temas jurídicos interferem. É preciso aperfeiçoar a questão jurídica. As empresas precisam pagar o que devem, ser punidas, mas num prazo mais rápido. É preciso agilizar a tramitação do acordo de leniência.
(…)
Há compradores para essas empresas
, mas quando eles se debruçam sobre a empresa e sobre a lei identificam vários riscos. Quem adquirir pode ficar com uma herança aí.
(…)
Os bancos estão com uma exposição muito grande ao setor privado. É muito difícil que haja uma fonte de financiamento privado via crédito dos bancos. O financiamento precisa ser externo. E há interesse muito grande do investidor estrangeiro.
(…)
ESP:
E como o sr. viu a largada, que em duas semanas incluiu a queda de dois ministros?
PL:
A largada foi complicada. Parecia um grande prêmio da Austrália, em que alguns pilotos já sobram. Mas, numa primeira etapa, vimos em que direção geral o governo Temer quer ir em termos de tamanho do Estado, de ajuste e de crescimento. Foi bem recebido. Na segunda parte, a de liderança, fez excelentes escolhas: profissionais com experiências, vivências nos setores em que vão atuar. Mas o tempo é curto. O capital inicial de boa vontade se evapora facilmente. É fundamental passar para a terceira fase, a de formulação mais ampla. Não basta dar uma medida pontual. A consolidação da credibilidade – um dos insumos para gerar expectativas positivas e crescimento – depende de previsibilidade. O empresário não investe sem isso. A fixação do teto de gastos é uma excelente medida, mas não me diz muito sem informações como onde estamos, qual o tamanho do problema, qual a velocidade em que vou avançar, para onde quero reduzir a dívida pública e, o mais importante de tudo, quem vai pagar a conta? Estão dizendo, mas de forma muito velada. Precisam deixar mais claro ainda. Não dá para tentar proteger a sociedade. Se eu sou um paciente com problemas graves, não quero que o médico passe a mão na minha cabeça. O programa vai ser muito penoso, há um custo, que vai ser alto, mas o custo de não fazer é maior ainda. Para todos. Aí, será preciso passar para a quarta etapa, a da implementação. Só depois vai ser possível destravar o processo decisório dos investidores. É só aí que eles vão saber com o que trabalhar, com qual taxa de juros, qual câmbio, o valor dos ativos, a projeção de demanda e fazer o investimento sabendo qual é o retorno esperado. Ainda não há informação suficiente para o investidor tomar decisões. Eu sei que são apenas três semanas.
(…)
A dívida bruta está perto de 70%, deve ir a 80%, mas eu quero baixar para 55% em cinco anos. O governo precisa de receitas extraordinárias nessa transição, vai fazer um programa de privatização, de concessões. Mas quais são as empresas?
(…)
ESP: Tem um prazo para o governo apresentar esse diagnóstico? Um mês?
Precisa ser rápido. Não temos meses. Estamos falando de semanas e já se passaram três semanas
.
ESP:
O governo parece acreditar que já fez o diagnóstico. Projetou um rombo, lançou medidas. Mas o sr. está dizendo que são insuficientes.
PL: Sim. Muito. Sei que é colocar pressão, mas é uma pressão saudável. Na coletiva de Temer (quando empossou os presidentes de estatais na semana passada), ele abordou de maneira elegante, suave, que os desafios são grandes. Ora, eu já sei disso. Precisa ser mais claro
. Evitar o debate político com a maturidade que a sociedade exige para poder se preparar e tomar as suas decisões é um erro. A sociedade teve uma participação grande no processo decisório. Está amadurecida. E o governo precisa de capital estrangeiro. A boa notícia é que ele está interessado, mas precisa saber qual o programa para dimensionar os riscos e os retornos.
* * *
Precisa explicar mais?
É de cair o queixo…
Aliás, meu queixo está tão caído diante da desfaçatez do Paulo Leme e dos interesses para os quais advoga que vou me limitar a usar Ctrl + c / Ctrl + v naqueles posts antigos da Cassandra paraguaia:
* * *
De “MP‘F’ – a Qual ‘FEDERAÇÃO’ Serve o Ministério Público?”:
(…)
O fato é que o dano que (MPF e PGR) causam à economia brasileira conta-se em décadas. Não é apenas o percentual do PIB que perdemos no ano passado ou neste. É a capacidade de criar esse percentual que estamos perdendo. A morte das empresas e do know how, em metáfora tosca, é o assassinato das galinhas e não simplesmente a quebra dos ovos que põem hoje.
E quem é que vai se refestelar com os frangos assados? Quem terá bala na agulha para o banquete? Certamente não seremos nós brasileiros.
* * *
De “Parente é Serpente: golpe ataca Petrobras e Pré-sal (2)”:
(…)
Realmente Pedro Parente é um técnico. Anos e anos no primeiro escalão da Administração Pública não o contaminaram com preocupações políticas – coisa menor. Centra o seu discurso no seu público:
(i) investidores das bolsas de valores;
(ii) abutres esperando a carcaça ser colocada a céu aberto para se deleitarem;
(iii) “operadores” que fazem as vezes de intermediário entre abutre e carcaça, azeitando esse encontro “fortuito”;
(iv) consultores para a venda dos ativos – consultorias, bancos de investimento, auditores e escritórios de advocacia*; e
(v) prestadoras de serviço e fornecedores da indústria do petróleo estrangeiros, doidos pelo fim do conteúdo local.
*Nesse tocante falo apenas do que vi de perto: o enorme número de novos sócios, todos feitos milionários, na onda de privatização dos anos 90. Pois agora, uma nova geração espera afoita a sua vez nesta nova rodada.
* * *
De “Um Estado para chamar de seu: a farsa da “herança maldita” e o álibi para gastar (consigo)”:
(…)
Os ataques à fatia do orçamento que beneficia os pobres é uma perfumaria no ajuste fiscal necessário – conquanto fétida e vil. Assim, a malandragem do déficit inflado é na verdade o álibi do dos donos do poder – a velha direita patrimonialista – para gastar à vontade com o que realmente quer gastar. Ou com o que precisa gastar para manter-se no poder.
(…)
E essa a direita patrimonial mama na teta sozinha?
Não.
Tiram leite para outros também, mesmo que a contragosto. Pagam pedágio em leite para aqueles que podem ameaçar tirar a teta de suas boca. Como no esquema da máfia, “compram a sua proteção”, capisce?
* * *
De “Parente é Serpente: golpe ataca Petrobras e Pré-sal (2)”:
(…)
Muito bem, Pedro “Parente Serpente”!
Ficas bem na foto com os camaradas e com o seu credo econômico, não é isso?
Mesmo que politicamente seus anúncios beirem o haraquiri…
Note, contudo, que da última vez que alguém de perfil técnico menosprezou a política – a grande e a pequena – acabou sumariamente afastada do seu cargo, atropelando-se para tanto qualquer obstáculo legal ou moral.
Outra advertência:
Abutre come a tudo e a todos. Até mesmo serpentes – e parentes!
Veneno para o abutre é só um temperinho para deixar a carne picante.
Abutre não tem amigo.
Quando sente cheiro de carniça…
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