Fadiga na resistência ao golpe: galinha decapitada corre mas cai morta, por Romulus
Fadiga na resistência ao golpe: galinha sem cabeça corre só uns minutinhos antes de cair morta
Por Romulus
– Por que Lula não deixou a Globo ir a pique em 2002.
– Lembremos do escorpião e do sapo da fábula. Não esqueçamos do pequeno animal traiçoeiro e peçonhento. E, principalmente, do seu ferrão, que responde a instinto atávico e não à razão.
–
A tibieza do PT e dos políticos de esquerda em geral frente à fibra da aguerrida Dilma Rousseff.
– Passemos por cima da frustração e não deixemos a brava Dilma (ainda mais) sozinha no seu tiro final nos últimos 100m da maratona.
* * *
Os parágrafos a seguir são parte de discussões privadas da semana passada com dois novos amigos-gurus com que a vida – e o golpe! – me presentearam: a Maria, já conhecida de vocês (daqui e daqui), e o mago @merlim, que, se não conhecem ainda, deveriam.
Caros amigos-gurus, perdoam a inconfidência?
Não pretendia publicar essas avaliações.
No entanto, membros da resistência democrática, com quem comentei ideias na mesma linha, consideraram fundamental tornar públicos as avaliações e os alertas que seguem, neste momento decisivo. Decisivo para o golpe e para a democracia (ou não) no Brasil.
Eis parte do que lhes escrevi:
* * *
Erro fatal?
Por que Lula não deixou a Globo ir a pique em 2002:
Por ter sido exposto precocemente às discussões políticas polarizadas dos meus pais – o tucano de primeira hora naqueles anos 80, da direção da empresa multinacional, vs. a brizolista sindicalizada da empresa estatal – passei pelas fases de “amadurecimento” (desilusão?) mais cedo que a minha idade cronológica. Assim, que me lembre, com menos de 20 na eleição do Lula em 2002, já era mais pragmático que idealista.
Pensava então que um embate de frente com a mídia naquele início, em que se vivia uma crise (mais uma…), seria temerário. Uma aposta muito arriscada. Qualquer iniciativa do Executivo seria possivelmente revertida no Senado, onde a oposição tinha grande força, ou no STF, que naquela altura ainda tinha até Ministro indicado por Figueiredo, imaginem vocês!
Talvez algo negociado pudesse ter sido tentado como contrapartida do resgate da Globo pelo BNDES. Mas naquela altura o PT ainda estava sentindo a temperatura da água da piscina e sonhou (delirou?) com o apoio de uma Globo oficialista. Lembremos do gostinho desse sonho-delírio petista com Lula co-ancorando o Jornal Nacional – da bancada! – junto com o casal JN ao vivo após a eleição.
Certamente neste, e em outros momentos, faltou um estraga-prazeres, um espírito de porco montado na biga do general Lula, soprando-lhe ao ouvido:
– Lembra-te que és mortal!*
[*Nota: Socorre-me o Mário Sérgio Cortella:
“Os romanos da Antiguidade tinham um hábito muito importante: todas as vezes que um general, um líder importante, voltava de uma dura batalha com uma retumbante vitória, ele entrava na cidade de Roma e tinha que deixar o exército do lado de fora, num grande campo aberto, que era chamado de Campo de Marte – dedicado ao deus da guerra. O general subia numa biga, aquele carro de combate com dois cavalos, conduzida por um escravo. O líder se apoiava na lateral da biga para ser aclamado pelo povo. E atravessava toda a cidade de Roma até o senado, onde seria agraciado com a maior honraria que um general poderia receber naquela época: uma bandeja com folhas de palmeiras em cima.
(…)
O general ia em direção ao senado e, por lei, um segundo escravo acompanhava a biga a pé. Esse segundo escravo tinha uma obrigação legal: a cada quinhentas jardas, ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do general a seguinte frase: ‘Lembra-te que és mortal,. A biga se deslocava mais quinhentas jardas, e ele sussurrava novamente o alerta.
Já imaginou? Tem gente que precisaria de alguém com cargo e função que, ao menos uma vez por semana, grudasse nele e dissesse: ‘Lembra-te que és mortal’”
Fim da Nota*]
Na falta do conselho romano, faltou ainda alguém com a lembrança vívida das histórias com que embalava a si a mãezinha na hora de dormir. Existisse, sopraria no ouvido do (não-) infante Lula:
– Lembra-te do escorpião e do sapo da fábula – aliás, o sapo era barbudo??
E arremataria:
– Não esqueça do pequeno animal traiçoeiro e peçonhento. E, principalmente, do seu ferrão, que responde a instinto atávico e não à razão.
[Nossa! “Ferrão”… “razão”… até rimou!]
Ressalva importante:
É sempre mais fácil prever o passado do que o futuro, não é mesmo?
Os mandatos de Lula foram um êxito inquestionável, mesmo descontando todos os seus erros dos seus acertos. O saldo é claramente (bastante) positivo. Isso é ainda evidente, não obstante os últimos dois ou três anos de desconstrução da sua imagem.
Fazer ajustes na fórmula poderia ter trazido resultados melhores. Mas também piores.
Nunca saberemos.
De qualquer forma, não nos esqueçamos dessa lição do passado para tentar prever um pouquinho melhor o futuro da próxima vez.
* * *
A tibieza do PT e dos políticos de esquerda em geral
Há algo que sempre admirei em Dilma Vana Rousseff – a presidente e, antes dela, a ministra de Lula e a candidata.
A mulher é “boa de chegada”.
Não esmorece nos momentos mais difíceis.
Ao contrário: cresce neles de maneira espantosa.
Vejo nela aquela maratonista nata, que nos últimos 100m decisivos dos 42km da prova – mas, infelizmente, às vezes apenas nesses 100m finais mesmo, para nossa exasperação – dá o sprint, aquele tiro que a faz disparar à frente dos adversários e garante a vitória.
Foi assim quando acossada pelo factoide da “planilha da dona Ruth”. Resistiu low profile até se levantar com altivez e destruir Agripino Maia em arguição no Senado.
[linko o vídeo – mais uma vez aqui no blog – porque quem me conhece sabe que não canso de vê-lo e revê-lo]
Foi assim (2) no segundo turno de 2010, derrotando o obscurantismo que José Serra escavou de algum aterro sanitário para montar em cima e usar de plataforma eleitoral.
Foi assim (3) no segundo turno de 2014, derrotando o inacreditável Aécio Neves, numa campanha duríssima e truculenta. Quem há de esquecer seus saltos empolgados no TUCA ao som de “quem não pula é tucano”, incendiando a militância dos jovens? Quem há de esquecer o bordão que (re) criou: “nem que a vaca tussa!”?
Tem sido assim no 37° turno da eleição de 2014, disputado agora em 2016. Socorram-me: já estamos no 37° turno ou me perdi na conta?
Que 37° turno é esse, meu Deus?
A votação final do Golpeachment no Senado, ora!
Sim, essa é Dilma Rousseff.
Aconteça o que acontecer, palmas para a sua resistência. Não esmoreceu com as inúmeras traições, injustiças, ilegalidades, baixezas, mesquinharias, ataques a honra e mentiras mil do consórcio do golpe:
– PMDB/PSDB, velha mídia familiar, MPF/PGR, PF, Moro e (parte (?) do…) STF.
Sem esquecer nunca do Department of Justice (e a NSA?) dos EUA, cujos dossiês animam há anos a dimensão jurídico-policial do golpe.
Não é verdade, Dr. Janot?
Está guardando o dossiê da Eletronuclear dado a si nos EUA, entre os demais, para usar quando?
Atente o Sr.: estamos a ver que a Justiça Federal do Rio de Janeiro não tem feito o “bom serviço” que se faz no Paraná.
Talvez seja hora de o Sr. chamar a bola a si e “matar no peito”.
Pergunte ao Ministro Gilmar como é que se faz…
Pois bem.
Dilma é uma resistente.
Sempre foi: dos 18 aos 68 anos.
Aliás, notem bem o número redondo: a Sra. Presidente conta já meio século de luta e resistência infatigável.
Bravo!
Na verdade, brava!
Mas…
Para o bem e para o mal, Dilma não é o PT e o PT não é Dilma.
A performance, desde antes de Dilma ser afastada, da cúpula do PT, dos demais partidos de esquerda, dos movimentos sociais e das centrais sindicais – e não de sua militância de base, bem entendido! – tem deixado muuuuuuuuito a desejar, para dizer o mínimo.
Exemplo mais flagrante, com protocolo na Justiça e tudo?
Coube ao PDT – e não ao PT! – questionar a reforma administrativa implementada no dia 1 do “interinato”. O PT não adotou, desde o início do governo interino, a guerrilha jurídica que eu esperaria.
Mas o que motiva essa tibieza?
(i) A certeza de que o Judiciário e o MP são conservadores e seriam fatalmente derrotados?
(ii) Terem até ontem “dormido com o inimigo” – o mercado! – e sonharem com dormirem com ele amanhã de novo? De forma que deixam os golpistas fazerem pelo amigo em comum – mercado! (2) – o que eles mesmos nunca poderiam fazer estando no poder, por temor das bases?
(iii) Ou, até mesmo num cálculo eleitoral pequeno, veem ser mais vantajoso ser oposição a um governo abertamente neoliberal e necessariamente antipopular? E com isso não se opõem à sua consolidação, para não matar precocemente o “inimigo perfeito”?
(iv) Ou, finalmente, o silêncio decorre apenas do garrote que Judiciário e MP mantêm no pescoço de Lula e de outras lideranças do PT?
Seja o que for, parece que não haverá por parte dos partidos a resistência feroz que eu esperaria em CNTP – Condições (a-) Normais de Pressão e Temperatura.
Outro exemplo cristalino?
Quando o Pedro Parente diz que já tem “3 ofertas para compra da BR Distribuidora”, caberia à presidência dos partidos de esquerda fazer um ato em que seus presidentes dissessem não reconhecer o governo, a nova direção da Petrobras e nenhuma alienação de ativos por ela realizada. Ato contínuo, assinariam declaração em que se comprometeriam a rever quaisquer alienações tão logo voltassem ao poder, garantindo, na re-afetação dos ativos à Administração Pública, o menor prejuízo à mesma – às expensas das empresas-abutre que se aventurassem nessa “xepa” golpista.
Pergunta:
[mais retórica impossível!]
– Vocês veem o Rui Falcão fazendo algo do gênero?
* * *
Como comentei no post enciclopédico de ontem, “Cameron tira faca do pescoço da UE, mas usa o punhal para fazer um haraquiri: todos os bastidores políticos do ‘Brexit’”, dei um tempinho no blog na semana passada para cuidar um pouco melhor de mim, da casa e da família. Todos – e outros – tem sido tão negligenciados nos últimos tempos…
Ao que parece, o fenômeno não se deu apenas comigo.
Notou-se que a militância esmoreceu um pouco.
Isso se deu nos atos – cadê os atos? Cadê as ruas? – mas até mesmo no twitter e no Facebook.
E por que uma militância – tão aguerrida! – que se comportava de maneira mais que exemplar antes e logo após o afastamento da Presidente Dilma, deu um passo atrás?
Pelo motivo que mencionei acima, ora!
Não tem eco nas lideranças…
Aliás, pode-se dizer até mesmo que lideranças não as há.
A militância não vê a sua ação e o seu esforço se refletirem na atuação da cúpula.
Qual cúpula?
Novamente: do PT, dos demais partidos de esquerda, dos movimentos sociais e das centrais sindicais.
Como resistir, meus caros?
Entendo perfeitamente.
Mas peço, encarecidamente, que, como eu, passem por cima da frustração e não deixem a brava Dilma (ainda mais) sozinha no seu tiro final nos últimos 100m da maratona. Já estamos no sprint final.
* * *
Em tempo:
A esse propósito, linko uma cena bastante forte do filme “Babel”, em que Gabriel Garcia Bernal corta a cabeça de uma galinha, cujo corpo, acéfalo, continua correndo doido, de um lado para o outro, até fatalmente cair morto.
Entenderam a metáfora ou preciso explicar?
* * *
Amigos da militância que pediram:
O recado está dado.
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