Mandetta e a caverna de Platão

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MANDETTA E A CAVERNA DE PLATÃO
Luiz Carlos de Oliveira e Silva

1. O ministro da saúde, Mandetta, disse dias atrás que leu diversas vezes a passagem da Alegoria da Caverna (Livro VII da “República” de Platão) sem jamais entender o seu significado. Gostei da honestidade intelectual, neste caso, do ministro…

2. A Alegoria da Caverna é a passagem mais famosa da história da filosofia. Tão conhecida quanto mal compreendida, acrescentaria… A alegoria diz respeito, me parece, à condição humana, ela mesma, e não à democracia ateniense ou a qualquer outra circunstância particular.

3. Para Platão, a existência humana está sempre enredada no mundo das “aparências”. A filosofia de Platão quer, sobretudo, nos advertir para o aquilo que ele julga fundamental: não tomarmos as aparências pelas essências, porque só mediante o encontro com as essências poderemos vir a ser o que propriamente somos, como indivíduos e como “pólis”.

4. Este tema das existências enredadas nas aparências – tipicamente platônico – voltou a ganhar atualidade, com uma força antes insuspeitada, na pós-Modernidade. O que revela a atual realidade das “narrativas em disputa”, das “fake-news” e da pós-Verdade senão que estamos no interior de uma “caverna”, incapazes que somos de distinguir o verdadeiro do falso, ou em termos platônicos: a essência da aparência?

5. Ao seu tempo, Platão encontrava-se na pré-Verdade, e conclamou as pessoas a adotarem a Verdade como o critério único de validação, mutatis mutandis, das “narrativas em disputa” e de denúncia das “fake-news”. Não sem razão, Platão é considerado como um dos pais fundadores da Civilização ocidental, que fez da Verdade o valor supremo.

6. A história do Ocidente pode ser lida, no plano da Cultura, como a história da Verdade, isto é, como a história das diversas máscaras com as quais a Verdade cobriu o seu rosto ao longo do tempo. (A primeira máscara da Verdade foi a filosófica, na Antiguidade Clássica Greco-romana. Em seguida, durante todo o Medievo, a Verdade se apresentou com a máscara do Deus cristão. Na Modernidade, por fim, a Verdade se abrigou por trás da máscara tecida pela Ciência.)

7. A Alegoria da Caverna descreve não uma situação histórica, repito, e sim o que para Platão seria algo que diz respeito à própria condição humana: seres envoltos num jogo incessante de luz e sombras. Platão é um dos pais fundadores da Civilização ocidental por ter feito da Verdade o único critério válido de validação não só das “narrativas” como de toda existência humana. Este é o sentido, a meu ver, da Alegoria da Caverna: o ser humano está sempre na Caverna, em meio a um jogo de sombras e luz, mas ele tem como se guiar no lusco-fusco.

8. Na pós-Modernidade – por motivos que não caberia explicitar aqui, devido a sua complexidade – já não temos a Verdade para nos orientar em meio ao lusco-fusco. A Cambridge Analytca e similares sabem muito bem disto e fazem fortuna com a “morte da Verdade”.

9. Devemos reler o Livro VII da República, mesmo sabendo que já não podemos lançar mão do “remédio” que Platão prescreveu. Trata-se de um clássico, e um clássico é sempre atual…

10. Desde os tempos de Platão, nunca a temática da Alegoria da Caverna foi tão atual como nos tempos que correm. A destacar ainda, com igual ênfase, que a “solução” que Platão encontrou para as “narrativas em disputa” e para as “fake-news” de seu tempo – o compromisso com a Verdade das Essências – já não se encontra disponível para nós.