Guerra Híbrida: a vitória na “derrota”

Publicado 28/mar/2019 – 23:30
Atualizado 29/mar/2019 – 10:09 – discussão no Duplo Expresso com o antropólogo Piero Leirner (vídeo no final do texto)

 (olho na “Guerra Híbrida”!)

Por Romulus Maya, para o Duplo Expresso

  • Muitos festejaram a acachapante “derrota” do governo com a aprovação da PEC que estabelece o orçamento impositivo na Câmara dos Deputados – sob Rodrigo Maia. Nunca se ouviu falar de tamanha “derrota” de um governo. Ainda mais com menos de três meses de ascensão ao poder. Até mesmo Dilma, no vale da impopularidade, na votação do impeachment teve lá por volta de 100 deputados. Pois Bolsonaro tem hoje apenas 3 (depois dobrados para 6)? 49 deputados do seu partido, o PSL, que votaram a favor da PEC – incluindo o “Bolso-filho 03”! -, estariam na oposição? Ou há algo mais aí?
  • O fato – e aqui a informação exclusiva que sustenta este texto – é que o governo não mexeu uma palha para impedir a aprovação do orçamento impositivo – “pauta bomba” – na Câmara. Da mesma forma, nada está a fazer para impedir uma nova “derrota”, desta vez no Senado.
  • A perplexidade de Senadores aliados de Bolsonaro, de direita, com o coice (oculto) que o governo dá, tanto em Paulo Guedes como no “mercado”, não poderia ser maior. Pegos no contrapé, técnicos do Senado mostraram-se mais realistas que o rei. Ou melhor, mais “mercadistas” que o próprio governo, “ultraliberal”, que ostenta Guedes como “super-Ministro” da Economia. Isso porque tal governo trabalha – ainda que de maneira dissimulada – a favor do orçamento impositivo. Ou seja, do fim do teto de gastos!
  • E o que explica isso? A chamada “abordagem indireta” de destruição, típica da Guerra Híbrida.

Temos alertado, há tempos, aqui no Duplo Expresso para a adoção de táticas típicas de operações de guerra híbrida pelo grupo que ascendeu ao poder via Bolsonaro. Contamos para isso principalmente com as lições de um especialista na matéria, o antropólogo Piero Leirner. Numa apertada síntese, o resultado disso seria a incorporação – dentro do governo – da “contradição” (entre aspas mesmo). Não como método, dialético, para chegar a uma síntese, pelo meio (como sempre fez Lula na sua governança), mas como fim. Não algo temporário, uma fase procedimental a ser esgotada, mas algo definitivo, com a perpetuação do envio – concomitante e constante – de sinais contraditórios nas questões de fundo à sociedade/ oposição política. Seja ela a oposição partidária ou o contraponto institucional, no sistema de freios e contrapesos com a separação de Poderes.

Dessa perspectiva, a (moderada) diferenciação “programática” – e também de estilo – entre Jair Bolsonaro e o – General – Hamilton Mourão, muito publicizada em competentes operações de comunicação, seria mais jogo de cena do que realidade. O benefício disso é ser, ao mesmo tempo, governo e oposição – perpetuamente. Poder e alternativa de poder.

Algo que Bolsonaro faz cai bem?
“Mérito de quem segura a rédea da ‘mula’ e leva-a para o lugar certo”.

Algo que Bolsonaro faz cai mal?
“Culpa da ‘mula’, “despreparada, desequilibrada, louca, teimosa. Não há rédea que segure tal animal”.

Ocupando, ao mesmo tempo, o governo e a “oposição”, o poder e a “alternativa (?) de poder”, que espaço sobra para a oposição, digo, a oficial, na dinâmica político-comucacional? Qual fica sendo o seu poder de iniciativa? De pautar?

Ao contrário, sobra-lhe tão somente a reatividade – já antevista e em grande medida influenciada por quem lançou os tais “sinais contraditórios” lá no início. Quantas vezes a (dita) esquerda de bom grado não mordeu iscas e provocações lançadas a si, resultando em sequestros de pauta cuidadosamente planejados?

(para o que em grande medida contribui a operação, em “pinça”, tocada entre grande imprensa e “blogosfera (dita) progressista”)

Tem sobrado à (dita) esquerda tão somente a reação – antevista e até mesmo influenciada pelo dono da… ação (“contraditória”). Fica a oposição – novamente, a oficial – apenas a reagir à pauta imposta pelo “embate” (?) “governo/ ‘oposiçãozinha’” de dentro do próprio consórcio… governante.

Confessemos: ficamos todos excitados à espera da próxima “altercação” Bolsonaro/ Mourão, não é mesmo? Todos na expectativa (cuidadosamente construída) de ver tal corda esticar, até arrebentar, não é verdade? De maneira paradigmática, quantas vezes não reagimos (e apenas isso) a esse noticiário, nas redes sociais (e apenas isso), com o meme (e quase apenas isso) de Michael Jackson – sentado, passivo, sorrindo – comendo pipoca num cinema?

Bem, pelo menos Michael Jackson sabia estar vendo uma encenação, certo?

Notem que a simulação de “contradição” não se encerra no Executivo. Pergunta: até onde é real a “briga” entre Bolsonaro e Rodrigo Maia? Até onde são, de fato, “derrotas” as votações contrárias ao governo no Congresso?

Talvez o Congresso – e Rodrigo Maia – até acreditem que dão o “troco” a ataques que sofreram. O que talvez lhes escape (ou não, vai saber…) é que a ação visava, exatamente, aquela reação. Na guerra híbrida, e especialmente em se tratando da ação dos militares, a abordagem é sempre indireta. Busca-se que o outro faça para si o “serviço sujo”. Especialmente se for desgastante. No final, quem é o único a sobrar de pé? E surge como “solução final”, sem qualquer oposição ou contra-poder contrastante?

Quem deixou Lula preso após a segunda instância? O STF? Ou os militares que (indiretamente) lhe conduziram?

Quem ganhou a eleição e ocupa primeiro, segundo e terceiro escalões no governo, incluindo a maior parte das chaves de cofres? Bolsonaro? Ou a junta militar à sua (conveniente) sombra?

Abordagem indireta.

Pois agora chega a confirmação dessa tese. Muitos festejaram a acachapante “derrota” do governo com a aprovação da PEC que estabelece o orçamento impositivo na Câmara dos Deputados – sob Rodrigo Maia. Nunca se ouviu falar de tamanha “derrota” de um governo. Ainda mais com menos de três meses de ascensão ao poder. Até mesmo Dilma, no vale da impopularidade, na votação do impeachment teve lá por volta de 100 deputados. Pois Bolsonaro tem hoje apenas 3 (depois dobrados para 6)?

49 deputados do seu partido, o PSL, que votaram a favor da PEC, estão na oposição?

Ou há algo mais aí?

Como foi amplamente noticiado, Paulo Guedes, o representante-mor da Finança no governo, chegou a ameaçar, publicamente, demitir-se em fala no Senado, no dia seguinte à tal “derrota” na Casa ao lado.

Pois não seria justamente isso que estaria a ser buscado pelos maestros (das sombras)?

E, mais uma vez, lançando mão da tal “abordagem indireta”?

Quem está expulsando Guedes de Brasília? O governo? Bolsonaro (e/ ou os militares (sempre) à sua sombra)? Ou o Congresso Nacional, “gastador irresponsável, fisiológico, corrupto, sabotador que lança mão de pautas bomba”? Enfim, a “velha política”?

Importante: quem sai queimado diante do “mercado” nesse episódio?

Executivo ou Legislativo?

E quem foi mesmo que deu palestra nesta semana em SP, a mais de 700 empresários, cantando a melodia que o mesmo “mercado” anseia por ouvir (“reformas” e “corte de gastos”)?

O Legislativo?

Ou o – General – Mourão?

O fato – e aqui a informação exclusiva que sustenta este texto – é que o governo não mexeu uma palha para impedir a aprovação do orçamento impositivo – “pauta bomba” – na Câmara. Da mesma forma, nada está a fazer para impedir uma nova “derrota”, desta vez no Senado. Ao contrário, orientou o aliado que preside a Casa, Davi Alcolumbre, a colocar a PEC do orçamento impositivo em votação. E, para perplexidade geral de Senadores aliados, de direita, esperando orientação do Planalto condizente com o que sabem ser vontade do “mercado”, não mandou votarem contra.

Isso mesmo: o Executivo trabalha, de maneira dissimulada, para “perder”.

E como perder! Ora, o orçamento impositivo é, simplesmente, o fim do teto de gastos. E – oxalá – também a demissão de Paulo Guedes. Afinal, promessa é dívida, Ministro!

Pergunta: quem derruba teto de gastos quer, de verdade, aprovar reforma da previdência? Ou busca sair na foto novamente “derrotado”, pela “velha política”?

Abordagem indireta.

Ação que pauta a reação.

O último a ficar de pé, sem contra-poder que lhe faça sombra.

*

Em tempo: a perplexidade de Senadores aliados de Bolsonaro, de direita, com o coice (oculto) que o governo dá, tanto em Paulo Guedes como no “mercado”, não poderia ser maior. Ora, diante da “enorme derrota” na Câmara, órgão do próprio Senado, criado sob o patrocínio de José Serra (opa!) na esteira do Golpe, uma tal “Instituição Fiscal Independente” (de quem?), correu para prover um álibi “técnico” para que a PEC “bomba” do orçamento impositivo pudesse ser devidamente enterrada no Senado.

Em resumo:

(…)

(…)

Pois tais “técnicos”, na verdade, mostraram-se mais realistas que o rei. Ou melhor, mais “mercadistas” que o próprio governo, “ultraliberal”, que ostenta Guedes como “super-Ministro” da Economia. Tal governo trabalha – ainda que de maneira dissimulada – a favor do orçamento impositivo. Ou seja, do fim do teto de gastos!

Repito: perplexidade geral no Senado.

Por óbvio não entenderam, ainda, como funciona a guerra híbrida, tocada pelos Generais. Que dirá, então, perceberem-se como teleguiados. E que não deixam de sê-lo nem mesmo quando pensam “rebelarem-se” (sic).

*

Prova do pudim: como sabemos todos, falta qualquer traço de sofisticação ao clã Bolsonaro. Até para a mais elementar operação de dissimulação seus membros mostram-se incapazes. Duvidam? Pois adivinhem quem, na Câmara, votou a favor do orçamento impositivo, “derrotando de forma acachapante” o Governo?

E que sequer foi discreto quanto a isso, desdizendo o que era inegável?

O Bolso-filho!

Sim, o “03”…

Pena que, depois deste registro, tal “mole” não há de se repetir com tanta facilidade no futuro. Impossível voltar a ser tão fácil tacar um “C.Q.D.” em artigo.

*

Mais aí surge importante dúvida. E mais uma “contradição” (possível)

A derrubada do teto de gastos e a não aprovação da reforma da previdência de Guedes patrocinadas pelos militares – via a tal “abordagem indireta” – representam a tão esperada “guinada – redentora! – à beira do precipício” a que os mesmos militares (deliberadamente) deixaram Bolsonaro conduzir o país (calculisticamente sentados no banco do co-piloto)?

Os milicos, “nacional-desenvolvimentistas herdeiros de Geisel” – até aqui camuflados à perfeição –, querem de fato dar um cavalo de pau? E, simbolicamente, ligar a impressora da Casa da Moeda?

Ou, na verdade, trata-se de uma operação “indireta” para queimar o Congresso ainda mais? Desta vez com o todo poderoso “mercado”?

Busca-se derrubar mais uma peça do dominó?

Surgir como a solução de ordem diante do “caos” – por eles próprios, deliberadamente, fabricado justamente para esse fim?

*

Para concluir…

É preciso notar que várias operações dessa natureza são tocadas paralelamente, ao mesmo tempo. Várias “abordagens indiretas”. Até mesmo para, combinadas, nublarem ainda mais qualquer tentativa de avaliação sistêmica, estratégica, do teatro de guerra por parte dos alvos. E, com isso, lograrem pautar a reação dos mesmos com mais facilidade. Fazerem com que tais alvos sigam fazendo o trabalho – de (auto-) destruição – para si.

Fora a operação, dissimulada, de derrubada do teto de gastos/ não aprovação da reforma da previdência – nota: neste (primeiro) momento!/ demissão de Paulo Guedes, temos ainda (paralelamente):

(1) A PEC “golpista” anti-Mourão, apresentada (nesta semana!) por dois laboriosos deputados do PT – entre eles o “Mensageiro ao Partido” (opa!) Paulo Teixeira –, prevendo nova eleição, em 90 dias, em caso de afastamento de Bolsonaro. Mais do que o fato de ter zero chance de aprovação (no Congresso e/ ou no STF), importam as suas consequências e as possíveis motivações subjacentes. Sobre isso, ver o “Extra” abaixo.

(2) A trituração do “pacote anti-crime” (sic) de Sergio Moro pela “esquerda” na Câmara. Maçã envenenada servida (deliberadamente?) por Rodrigo Maia e prontamente mordida por Marcelo Freixo, do PSOL, e pelo – sempre ele! – “Mensageiro ao Partido” (opa!) Paulo Teixeira. Nossa, como trabalha esse sujeito, não é mesmo? Está em todas!
Notar que, enquanto a esquerda e o Congresso se mostram “amigos de bandido” (“associados do PCC”?), do outro lado da Praça dos Três Poderes o Executivo condecora…
– … Deltan Dallagnol!
Hmmm…

(3) A “comemoração do Golpe de 1964”. Mais uma vez a esquerda – e a “blogosfera (dita) progressista” – morderam com vontade a isca. Deitaram e rolaram. Resultado: pauta devidamente sequestrada.
Até a imprensa conservadora entrou no jogo.
Observem: (a) Bolsonaro determina a comemoração; (b) os Generais, “constrangidos”, encampam; e (c) o próprio Bolsonaro volta (um pouco) atrás. Mais uma “contradição”, reparem.
A imprensa é, deliberadamente, jogada contra os militares, de forma que depois esses podem afirmar que “a instituição Exército (sobretudo) está sendo atacada de todos os lados”. As ubíquas publicações rememorativas dos piores casos de tortura durante a Ditadura estão aí, ao mesmo tempo na imprensa conservadora e na “blogosfera (dita) progressista”, “para não deixarem os Generais mentirem”.

*

*

*

EXTRA: a “PEC anti-Mourão”

De O Globo:

‘PEC Anti-Mourão’ propõe eleições diretas em 90 dias em caso de queda de presidente
Proposta foi apresentada por dois deputados do PT, que dizem contar com apoio até no PSL de Jair Bolsonaro

BRASÍLIA — Os deputados Henrique Fontana (PT-RS) e Paulo Teixeira (PT-SP) protocolaram nesta quarta-feira uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) propondo eleições diretas em 90 dias em caso de afastamento definitivo do presidente da República, governadores e prefeitos. A proposta foi apelidada na Casa de ” Anti-Mourão “, em referência ao vice-presidente Antônio Hamilton Mourão.

Os parlamentares petistas negam que tenham o atual vice como alvo, mas confirmam que há deputados do PSL entre os que assinaram a proposta. Eles fizeram o protocolo com 210 assinaturas. Para a PEC tramitar são necessárias 171 assinaturas. Por temer um movimento de retirada de assinaturas, não quiseram divulgar a lista dos apoiamentos.

Fontana afirma que a ideia é debater institucionalmente o papel dos vices. Ele destaca ter conseguido apoio principalmente por casos registrados em municípios nos quais alguns vereadores se unem a vices para fazer impeachment de prefeitos.

— O vice precisa compreender que ele foi eleito para essa função. Se quiser disputar um cargo de prefeito, governador ou presidente tem que disputar nas urnas — afirma Fontana.

O texto prevê que se o afastamento ocorrer no último ano de mandato quem for eleito nessa eleição suplementar fica em definitivo por mais quatro anos. Fontana admite recuar nesse ponto no decorrer do debate, buscando outra solução.

A proposta prevê ainda que caso o vice queira disputar o cargo vago ele não pode assumir substituindo o titular nos 90 dias até a eleição. Ele precisa se desincompatibilizar, deixando o cargo para o próximo na linha sucessória.

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Na véspera, no Conversa Afiada, texto de colunista que assina sob o pseudônimo “Tiradentes”. Assim como o mártir mineiro da Independência, essa pessoa é repetidamente perseguida pela Justiça. No seu caso, não por eventuais erros de conduta (pessoal) mas por acertos (políticos) de envergadura. Trata-se de liderança do PT que, antes de cair em desgraça, gozava de grande influência no Partido.

Ao texto (extratos):

Confesso estar cansado de ler dezenas e até centenas de artigos afirmando que Jair Bolsonaro é protofascista, limítrofe, ignorante e gente da pior espécie, refém de milicianos. Tudo isso já era patente desde a campanha eleitoral e sua passagem pelo Congresso. O diagnóstico confirma-se com sua eleição fraudulenta.

O problema agora é diferente: o Brasil vai aguentar isso por quatro anos? Essa é a discussão do momento. Parece impertinente especular sobre o assunto tendo o país saído recentemente do drama de um golpe descarado contra a democracia. Mas nem sempre se pode escolher a circunstância ou o terreno do combate. Agora, trata-se de defender a democracia.

Bolsonaro precisa ser derrubado o quanto antes. Isso mesmo, o quanto antes.

(…)

O que fazer diante disso é a pergunta que a oposição deve responder.

Mourão, viúva da ditadura militar, no lugar do capitão Pateta?

Parlamentarismo de emergência, com Rodrigo “Botafogo Odebrecht” Maia?

 

[Nota D.E.: cinismo extremo do articulista usar tal vocabulário “lavajatesco” para desqualificar Rodrigo Maia aqui. Ainda mais em se tratando do – ubíquo – Caixa 2. Coisa que o novo “Tiradentes” bem conhece, aliás. “Moralismo de esquerda” é tiro no pé. Pior ainda quando praticado por quem tem telhado de vidro.
Como dissemos ainda na semana passada:

]

 

Novas eleições, com Lula Livre e uma Assembleia Constituinte Soberana? 

 

[Nota D.E.: confesso que ri ao ler “novas eleições, com Lula Livre”. Já ao ler “Assembleia Constituinte Soberana” gargalhei. Juro não se tratar de exagero retórico: de fato gargalhei aqui em casa]

 

São várias as opções, cada uma com seu viés ideológico. Mas são para já, e dependem da mobilização popular para acender o pavio e inverter a relação de forças a favor da soberania nacional.

Aos olhos do povo, quem ficar esperando “2022” vai afundar junto com esse desastre que toma conta do Brasil.

Assina: “Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes”

*

Comentário, no Programa Duplo Expresso desta manhã, junto ao Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães:

*

Reações:

Por Flávio GGC

Romulus, com todo o respeito, discordo frontalmente de sua posição sobre a PEC dos deputados do PT. Concordo que temos que sempre ter um pé atrás com eles, mas a medida em si me parece boa. Segue a argumentação.

1) Dos argumentos jurídicos:

a) Da “separação de poderes”:

A edição de uma PEC que altera a regra sucessória da Presidência da República não fere de forma alguma a separação de poderes.

Em primeiro lugar, o Congresso Nacional, quando atua em Emendas Constitucionais, não atua enquanto Poder Legislativo em si, mas como Poder Constituinte Reformador. Seus limites são apenas os expressos no art. 60 da CF, e mais alguns limites esparsos, como a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito (art. 5°). Como a medida não fere nenhuma cláusula pétrea, não há problemas.

Cabe à Constituição definir as regras sucessórias da Presidência, que não são cláusulas pétreas. O CN, atuando como Poder Constituinte, tem o poder de modificá-las. Não há ingerência indevida aqui.

b) De só valer para o próximo mandato:

Não há nenhuma regra constitucional que avente essa hipótese.

A única regra nesse sentido é a do art. 16 da CF, que trata de lei que altere o processo eleitoral. Não é o caso. Não é lei e não altera o processo eleitoral, apenas a regra de sucessão do Presidente.

Diferente seria o caso dessa substituição já ter acontecido, situação na qual não seria possível que essa mudança retroagisse para atingir aquele que à época já seria o atual presidente. A simples eleição a vice não gera ao Mourão “direito adquirido” a assumir a presidência em caso de impedimento permanente, uma vez direito sob condição não é direito adquirido (como bem diz o Código Civil em seu art. 125, que serve aqui como regra geral para a questão do direito adquirido).

c) Da vedação do STF:

Bom, jamais direi que o STF não fará alguma coisa porque não é juridicamente correto. Porém, o STF não tem embasamento NENHUM para atacar uma medida dessas. Se o fizer, será por puro arbítrio e se exporá mais um pouco.

Não duvido que possa acontecer, mas se nós nos pautarmos apenas por aquilo que o STF “vai deixar”, viraremos advogados do Lula. E isso não tá dando muito certo pra ele.

2) Dos argumentos políticos:

Novamente, com todo o respeito, acho que você saiu até da sua linha de raciocínio habitual para criticar a medida.

a) De não confrontar os militares:

Então agora combatemos infiltrados no PT mas não podemos atacar membros do consórcio golpista? Me parece sem lógica o argumento. Se a medida for contrária aos interesses gerais do golpe, como mais à frente tentarei expor que é, é papel da esquerda tomá-la. Do contrário, seguindo esse raciocínio, teremos que apoiar a reforma da Previdência e as melhorias nas carreiras militares, a fim de não nos opor a este setor.

E mais: o ódio dos militares e dos setores burgueses a quem servem ao PT não vai passar se o PT evitar o confronto. Se passar, é pq o PT definitivamente não serve mais como oposição.

Em suma, me parece que a simples ideia de deixar de fazer algo para evitar o conflito contra quem é nosso inimigo não faz o menor sentido. Se for pra dialogar, há de ser nos nossos termos. Do contrário, se é para seguir as vontades deles, de que serve o diálogo?

b) Da sua possível “não aprovação” na Congresso:

Por óbvio, essa é uma possibilidade. Mas não é completamente certa. E, mesmo se fosse, não justificaria evitar a luta.

Em primeiro lugar, é interesse de parte da base bolsonarista aprovar a medida. Também o é para a oposição, até para setores como o PDT de Ciro. Não sei em que medida os apoiadores seriam majoritários, mas não se sei é possível dar a derrota como certa, ainda mais com uma base governista tão instável e contraditória.

Mesmo que não se ganhe, essa medida serve a muitos propósitos: a) força o aumento do antagonismo dos setores bolsonaristas e os “mouranistas”, obrigando diversos setores a tomar posição; b) deixa uma arma para eventualmente ser usada contra o consórcio golpista em uma possível situação mais favorável, como por exemplo no caso de aumento das mobilizações de rua e derrota da PEC da Previdência; c) essa medida pode “forçar a mão do golpe”, como explicarei adiante.

c) “Forçar a mão” do golpe:

Vc e Piero vivem defendendo que a situação como está é confortável ao golpe, uma vez que o desgaste fica com o Bolsonaro e o Mourão fica como um “plano B” em caso de falhas. Uma eventual aprovação dessa PEC pode retirar deles essa arma. Por outro lado, seu simples tramitar, em determinadas circunstâncias, pode forçar o golpe a “apertar o gatilho” mais cedo, antes de sua aprovação. Dessa forma, ter-se-ia desde já a explicitação do caráter militar do governo, com a assunção do Mourão.

3) Pequena conclusão:

Bom, concluindo, apesar de reconhecer a necessidade de se manter um pé atrás com esses deputados do PT, em especial o Paulo Teixeira, entendo que uma análise fria da medida permite concluir que ela não é ruim.

Os argumentos jurídicos, no meu humilde entender, não procedem, como expliquei acima. Não vejo muito espaço jurídico para discussões sobre isso. Certamente o STF faz o que quer, mas se nós já deixarmos de fazer algo porque esperamos que eles barrem, estaremos agindo como o PT substituindo antecipadamente a candidatura de Lula. Deixe que se desgastem, se for o caso.

O suposto ponto negativo, esse estranhamento dos militares do alto comando, já é dado. Eles não querem dialogar com o PT. Além disso, nós também não podemos aceitar dialogar com eles nos termos deles. Vocês vivem falando que a esquerda não pode cair no conto do “Mozão”, o Mourão bonzinho. Quando se toma uma medida para se opor aos seus planos vamos criticar?

Por outro lado, enxergo diversos pontos positivos na medida, como elencado. O principal é que ela tem o potencial (e, repito, apenas o potencial) de se tornar mais um entrave no funcionamento adequado do golpe, principalmente naquilo que você e Piero tanto vêm falando sobre o Mourão ser a solução de normalidade.

No mais, perdão pelo textão (mais um né), mas acho que esse é um ponto que merece uma reflexão.

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Por Romulus Maya

Gostei muito do seu texto. Quase toda faca na política tem dois – ou vários – gumes. Esses setores do PT já estavam no conto do “Mozão”. Não acredito em conversão. Estão tentando tornar “não feio” pra sua base. Vide o texto “delirante” (#SQN) do “Tiradentes”. Essa opção não está colocada. A imprevisibilidade de uma eleição hoje perpetuaria Bolso no Executivo, como boneco de ventríloquo. Eles querem é uma flauta mágica pra tocar. Regra do Brizola à la Romulus: “se ‘Mensageiro ao Partido’ está a favor, é provavelmente Telecatch/ sabotagem/ flauta mágica. Se está contra, veja se não é apenas teatro”.
Adicionalmente, esses que estão sempre com as costas quentes com a JURISTOCRACIA vão colocar na guilhotina o pescoço da base. “Golpista”. Facilitaria a caracterização da esquerda como “subversiva”, mesmo quando atuando com “republicanismo” na institucionalidade. Se essa proposta deles tem zero chance de passar, seja no Congresso, seja no STF, qual o saldo político do movimento? E quem o paga?
*
Sobre “contradição”. Como disse as facas tem múltiplos gumes. Nossa proposta aqui é permitir decisões e posicionamento plenamente informados, com consciência dos respectivos ônus e bônus. Sem dourar a pílula/ tocar a flauta mágica. Isso é para os políticos, “vendedores” de posicionamentos. Não é para analistas. Ou não deveria ser. Nesse contexto, você faz uma ótima contribuição. É sempre um trabalho inacabado. Work in progress.
Mas, no geral, dados os envolvidos e as evoluções, fico não apenas cético como desconfiado.

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Por Piero Leirner:

Achei as ponderações de “FlavioGGC” em princípio razoáveis. Mas só em princípio. Porque elas funcionariam apenas se as instituições estivessem funcionando. Em comentário preliminar, a primeira coisa que me veio à cabeça é que o “rebote” dessa história pode sobrar para o Lula.

Em 1o lugar é impossível passar; mas se passar é porque tem alguma coisa de errado – os “real guys“, que mandam no Golpe estariam, isso sim, avançando em uma etapa a mais (que não tenho ideia de qual seja: separatismo? Novo pacto federativo? Que tipo de candidato se prestaria a levar adiante algo completamente inusitado?).

Sabe aquilo que você sempre fala, Romulus? Que se tivesse sido permitido ao PT ganhar as “eleições” no ano passado, então por certo é que o grupo que tomou conta do partido se revelaria ainda mais golpista que o próprio Bolsonaro? Pois é isso aí. E falo isso sem sequer considerar que Lula possa ter jogado a toalha de vez.

Agora, tem uma coisa… com esse negócio das comemorações de 1964, ficou evidente para mim que o Exército está perdendo a mão. As razões estão numa postagem que fiz (reproduzida abaixo). É possível que a terceira etapa da guerra híbrida seja isso mesmo:

(1ª): tira-se Dilma [alguns considerando até mesmo que com algum grau de colaboração da própria];
(2ª): toma-se o Estado;
(3ª): detona-se o grupo que tomou o Estado, acabando de vez com os militares e produzindo alguma coisa que sequer imaginamos.

Veja que a imprensa – inclusive a conservadora – começou a chiar grosso com os milicos. Mourão teve que ir à FIESP e voltar a acionar o “velho Mourão”: falar grosso contra salário mínimo, etc.

Ou seja, temos indícios de que o jogo embaralhou. A ponto de o Bolsonaro ter dado uma leve recuada no negócio de 1964, deixando os Generais com o pepino de terem encampado a pauta anterior. Devem ter ficado putos.

Tudo isso pra dizer que essa “PEC anti-Mourão” é só mais uma coisa nesse imbróglio. Precisaria saber melhor como ela foi pensada, de que cabeça ela saiu de fato.

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Sobre a “comemoração de 64” – e o possível primeiro erro dos militares na “Guerra Híbrida”

Por Piero Leirner

Se a gente quiser imaginar que há algum sentido além da tosquice nessa ordem do dia (31/3) assinada pelo Ministro da Defesa em conjunto com os Comandantes das 3 Forças (os erros crassos podem ser conferidos na postagem do Marcelo Pimentel Jorge de Souza, que foram replicados pelo Augusto de Franco no dagobah), imagino que ele está no tamanho da encrenca que se arrumou quando o comando permitiu a política chegando junto à base. Explico.

Como tenho insistido, é notório que pelo menos desde fins de 2014 os militares da ativa franquearam a entrada de Bolsonaro dentro dos quartéis para fazer campanha. Formaturas de cadetes, sargentos e muitas outras ocasiões que reúnem gerações (turmas) inteiras foram expostas a isto. Esta é uma base hardcore de apoio ao bolsonarismo – aquele que já ultrapassou o próprio Bolsonaro: estamos falando de pessoas que acham que a política deve ser resolvida com base numa autoridade carismática, não “racional-legal”.

Por outro lado, Bolsonaro, como fenômeno do próprio “bolsonarismo”, é praticamente um “copy-paste” dos oficiais mais graduados que se encastelavam no Clube Militar e em grupos políticos que operavam como células da comunidade repressiva da ditadura. Tais grupos (p.ex., o Ternuma) justamente serviam de abrigo àqueles que desde a abertura tiveram as portas fechadas para a própria ascensão na carreira. O grupo no exemplo acima abrigava, entre outros, o “símbolo” desse pessoal, o Coronel Ustra. Sem entrar em maiores detalhes, me parece que todo militar ressentido com alguma coisa dos governos pós-1985 também encontrava lá um local atrativo. Uma promoção frustrada, uma discordância qualquer, um parente injustiçado, a Comissão da Verdade… Enfim, qualquer coisa poderia “empurrar” um oficial para estes lugares.

Eles formaram células altamente conspiradoras. E tinham poros bem abertos dentro da Instituição, isso não é segredo nenhum. Bolsonaro, assim, canalizou este pessoal com este “ligamento” essencial da cadeia de comando: tenentes e sargentos. Não é por nada, mas aí há um estrago bem razoável, isso pensando até do ponto de vista do esforço que inúmeros comandantes tiveram de afastar a política dos quartéis. Agora, a ordem do dia publicada ontem (aliás, para mim pelo menos é novidade esta publicidade) mostra que o comando pode estar realmente com medo de a “cobra fumar”. E não só entre as FFAA, mas, principalmente, entre as PMs de todo País, que gostaram da novidade de 2014 e colocaram Bolsonaro para dentro delas.

Porém, evidentemente, o tiro sai pela culatra. Se a Ordem do Dia visa justamente fidelizar a base ao topo, nada pior do que recorrer exatamente ao mesmo tipo de instrumento que, por exemplo, Jango foi acusado de usar quando foi discursar para sargentos. O que o Comando está fazendo é justamente reforçar aquilo que deveria estar enfraquecendo, que é a politização da caserna. Some-se a isto a reação contrária que está acontecendo pelos 4 cantos, e que vai provavelmente produzir uma galvanização maior ainda das Forças Armadas no bolsonarismo, por pura reação binária. Como resultado, provavelmente o discurso pra inglês ver de que as FFAA são uma coisa, o Governo outra, vai sofrer uma baixa. Com certeza daqui a pouco vamos ver os generais “teóricos” publicarem textos dizendo que o PT e a imprensa estão produzindo um ataque na guerra híbrida que visa desmoralizar as Forças Armadas. Certamente eles não querem ver que são eles mesmos que estão fazendo isso.

Eu tenho a impressão que este foi o primeiro e maior erro tático que eles cometeram até agora – supondo, como eu suponho, que havia um grupo de militares agindo de caso pensado para tomar o poder através de uma “abordagem indireta”. Como suspeito que mais hora menos hora as contradições também “caem para dentro”. Sempre achei que teria sido muito mais fácil e menos penoso para as próprias Forças Armadas assumirem que a tortura e as mortes atentaram também contra a própria honra militar. Hoje, eles estariam libertos da necessidade de agir (como diria Freud) em “movimento de negação”. Até porque pelo menos desde os depoimentos de militares dados ao CPDOC atestou-se, sim, que a tortura não era exceção.

Quem conhece minimamente os militares sabe que há uma enorme dificuldade ali em lidar com o passado e a história. Obviamente não seria agora que os comandantes iam revisar esta postura, mas que eles perderam a chance de ficarem quietos, isso eles perderam. Nada ia acontecer, e o plano de recolocar a base da pirâmide nos eixos ia seguir seu caminho. Agora criou-se a bizarra condição de que eles vão ter que partir para o tudo ou nada, assumindo-se como “Governo Militar”. Cada erro de Bolsonaro vai respingar na ativa toda, de ponta a ponta. E, por favor, que não venham dizer que “isso é culpa do PT”.

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Para fechar, nossa filosofia (coletivista e em rede):

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Atualização 29/mar/2019: discussão do tema com Piero Leirner no Duplo Expresso

 

 

 

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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