Votação acaba. Placar: Três Instituições de 1988 fazem haraquiri
A transmissão da votação acaba há pouco. Diferentemente de muitos amigos, faço um esforço e assisto-a até o final.
Salvo a imensa dificuldade de, em fazendo isso ter de ouvir Eduardo Cunha proclamar o resultado, valeu a pena.
E sabem por quê?
Porque veio do último dos Estados a votar, das pequeninas Alagoas, o voto que considero o mais pesado neste dia de farsa e tragédia.
Muitos antes já haviam registrado em suas manifestações o caráter farsesco, a violação da Constituição, a usurpação da soberania popular manifestada no voto direto e universal, a conspiração de criminosos, a infâmia de ter Eduardo Cunha não apenas presidindo a sessão, mas também a própria casa – ainda no momento atual – entre outros aspectos surreais.
Todos esses aspectos são verdades. E verdades doloridas para nossas consciências. Bastante doloridas.
No entanto, na minha visão de advogado, quem gritou “o rei está nu” foi um deputado de Alagoas, o dep. Givaldo Carimbão, do nanico PHS.
Vem ele se aproximando do microfone, cercado pela turba de deputados a favor do impeachment que passa toda a sessão ali. Oprimia fisicamente quem vinha votar e também moralmente com gritos. Ora de apoio ora de desaforo, conforme o caso.
Não apenas isso: daquela posição estratégica comandavam deputados posicionados no plenário próximos das câmeras da TV Câmara. E davam a esses últimos o comando de bloquear as imagens dos deputados que votavam contra o impeachment e liberarem-nas quando votavam a favor.
Bloquear como, vocês me perguntam? Ora, com os onipresentes cartazes verde e amarelo de “Impeachment já” e “tchau, querida!”. Com o que mais haveria de ser?
Mas pode isso? Esse assedio físico e moral na votação mais relevante na Casa das Leis fora uma Constituinte?
– Ora, parvos! Evidente que sim. Na Câmara de Eduardo Cunha pode tudo.
Não nos esqueçamos que os Ministros do STF deram carte blanche a Cunha para “manobrar” à vontade a sessão de votação (leiam mais em “Cunha usa e abusa de carta branca do STF – “O papel tudo aceita”). Bem como ele gosta e faz com maestria.
Por falar em Cunha, uma nota: nunca deixa de me impressionar o quão impassível e “profissional” ele se mantém quando muitos dos deputados lhe dirigem as maiores das ofensas e apontam sua extensa folha corrida de “serviços prestados”. Não há um franzir de testa, uma gota de suor, uma alteração de voz, um cacoete físico. Ele é de fato um profissional, reconheçamos. O melhor no que faz sem sombra de dúvida.
Como disse, observar esses traços de sua personalidade sempre me causa espanto. Mas também me lembra de um post de Paulo Nogueira no Diário do Centro do Mundo (link aqui). Por quê? Basta ver o extrato abaixo para compreender:
“Um homem (Eduardo Cunha) que:
– É amoral;
– Não tem limites;
– Desconhece o que é empatia: caso veja alguém sangrar vai se preocupar em não sujar a roupa de sangue;
– Mente compulsivamente;
– Manipula tudo e todos.
– Jamais demonstra arrependimento.
Este homem, sabemos bem, é Eduardo Cunha. Mas há um problema: acima está a descrição básica de um psicopata.
Foi uma amiga psiquiatra que me alertou para a extraordinária semelhança entre um psicopata e Eduardo Cunha.
Na verdade, ela foi adiante. ‘Ele é psicopata’”.
Ao rol elencado por Paulo Nogueira e pela psiquiatra ouso acrescentar outras características comuns a psicopatas: o olhar vidrado e, façamos a mais que merecida concessão, a sua inteligência excepcional. Acima da média não apenas daquela Câmara como de toda a elite política. Atrevo-me até a dizer acima da média de toda a elite nacional: política, econômica e mesmo intelectual.
Reconhecer o mal não implica desconsiderar seus atributos positivos. Mesmo quando empregados para a consecução das vilezas a que persegue.
Um momento, por favor! Parece que me perdi neste post.
Comecei falando do deputado de Alagoas, passei pelos vícios da votação e cheguei a uma digressão sobre a fascinante e assustadora personalidade de Eduardo Cunha.
Perdoem-me. É que a noite passada foi dele. Por mais que tente pensar em outros aspectos, a imagem que volta – não requisitada – à minha mente é a da face de Cunha. E a de seu olhar vidrado a me assombrar.
Pedidas as devidas desculpas aos leitores por essas digressões, volto então ao deputado Givaldo Carimbão, do PHS de Alagoas.
Após ter seu nome chamado por ninguém menos do que Eduardo Cunha, e de passar pelo cerco intimidador da turba de deputados a favor do impeachment, o deputado finalmente toma o microfone. E surpreende bradando:
– O rei está nu!
Bem, não exatamente com as palavras da inocente criança do conto “A roupa nova do imperador”, de Andersen. Mas com a mesma contundência e falta de reverência.
Para que compreendam o golpe desferido (golpe? Melhor daqui para frente trabalhar mais a escolha de palavras…), parafraseio o deputado de memória. Dessa forma, desculpo-me por possíveis imprecisões. Disse ele algo nas seguintes linhas:
– Seria muito fácil vir aqui e votar pelo “sim”.
– O resultado já está definido com folga de votos…
– Seria fácil até mesmo não vir votar.
– Ou vir votar e me abster.
E aí para mim o ponto fulcral:
– Ora, o próprio STF, tribunal que reúne nossos maiores juristas (sic), alguns dias atrás não ficou dividido à metade, em 5×5? (não fazendo de fato nada?)
– Pois saibam que EU não lavo as minhas mãos não!
– Eu decido. Eu voto. E voto não!
(E seguem-se as vaias e ofensas da turba opressora que o cercava)
Por que esse para mim – de todos – foi o voto mais pesado?
Porque foi o único que apontou o dedo na cara da Casa da Justiça, ali do outro lado da Praça dos Três Poderes. Como que a dizer, com autoridade:
– Vocês faltaram com o seu dever em momento difícil sim, mas ainda assim muito menos difícil do que este que agora enfrento. Escolheram lavar as mãos e deixar a marcha da infâmia não apenas seguir, mas seguir solta, tocada apenas pelos grão-mestres Temer e Cunha.
Esse voto foi duro. E pesou bastante em mim. Pois mesmo não sendo Ministro do STF, mas apenas um advogado, também eu senti a força do golpe (olha ele aqui de novo…) e do constrangimento, que fez arder as minhas bochechas. Sim, porque a mão e a boca que falharam foram as do STF. Mas, permitindo-me a metonímia de tomar a parte pelo todo, quem falhou foi a consciência jurídica do Brasil como um todo. E dessa consciência, para o bem e para o mal, faço também eu parte.
E qual o resultado da infâmia? Qual o placar final da votação conduzida por Eduardo Cunha neste histórico 17 de abril?
– Três Instituições renascidas em 1988, (re)paridas pela Constituição “cidadã”, cometeram haraquiri em apenas três dias.
A saber:
– a Procuradoria Geral da República;
– o Supremo Tribunal Federal; e
– a Câmara dos Deputados.
E agora? O que nos resta? A nós que nos opomos ao golpe?
Meses atrás responderia: buscar abrigo e reparação junto às maiores instituições da República – as instituições que garantem a cidadania.
Hoje não mais. Como advogado é duro fazer essa constatação. É como admitir que todos os anos de estudo dessa disciplina, entre graduação e pós-graduações, não valeram de nada. Pelo menos se eu pretender exercer a profissão no meu país natal.
Tudo o que aprendi na Universidade, inclusive através da poderosa e brilhante oratória do Min. Barroso, já não vale mais. A Constituição e as leis são agora apenas papel. O que vale é o poder de fato e não o de direito.
Entendem o que significa dizer isso para alguém que escolheu estudar o Direito como ofício de vida? E que com ele teve o primeiro contato ainda sem barba (mas com acne) aos 17 anos de idade?
Significa uma enorme perda. Preciso de tempo para fazer o luto. Faltam-me palavras para expressar o mal-estar físico e mental que essa realidade me causa.
Mas tempo para luto é tudo o que não tenho.
Usando palavras de ordem tão repetidas por quem marcha nas ruas contra o golpe:
– “luto” para mim é verbo.
Ora, vou lutar. Mas lutar onde? Como? Nas instituições ainda? Bem, talvez. Quem sabe elas ressuscitem como Lázaro com a autoridade do Bem lhes chamando de volta à vida?
Acredito em milagres.
Mas definitivamente, depois do que vimos nas últimas semanas, não ponho todos os meus ovos no cesto do milagre da ressureição das instituições.
Se alguém há de garantir que “não vai ter golpe” será o povo nas ruas junto aos movimentos sociais, aos artistas e aos intelectuais.
O que nos resta, essa sim com certeza, é a luta fora das instituições.
Ah, como é duro ser advogado neste 17 de abril de 2016 e fazer essa constatação.
Bem, à luta, irmãos! Não há tempo para luto!
P.S.: o amigo Ciro D’Araújo trocava mensagens comigo ao longo da transmissão. Após o impeachment alcançar a votação necessária faz ele uma piada. Momento inoportuno, não? Ele me diz que a Rede Globo, após o voto decisivo, passa a tocar como trilha sonora de celebração aquele tema associado às vitórias de Ayrton Senna nas corridas de Fórmula-1 (“tã-tã-tã… tã-tã-tã… tã-tã-tã… tã-tã-tã…”). Até mesmo com aqueles gritos de “Brasil-il-il!” que acompanham gols da seleção e outras vitórias esportivas. Eu respondo:
– Para com isso, Ciro. Não tem graça.
Ao que ele responde:
– Ué, não era para ter. Não é piada. Está acontecendo mesmo.
Depois do susto inicial eu compreendo. Ora, nada mais natural. Se falta o decoro mesmo às vetustas instituições da República de 1988, como o cobrar de uma rede de televisão? Mesmo que seja uma concessão pública? A essa pergunta me vem somente uma resposta na cabeça:
– “Brasil-il-il!”… “Brasil-il-il!”… “Brasil-il-il!”.
Um para cada instituição que fez haraquiri.
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