Dilma & Trump: Parte 2 de “Apertem os cintos e respirem fundo: eleições agora serão como a de Trump. E em todo o mundo!”
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Dilma & Trump:
Parte 2 de “Apertem os cintos e respirem fundo: eleições agora serão como a de Trump. E em todo o mundo!”
Por Romulus
Parte 2: teste das teses desenvolvidas na Parte 1.
Casos concretos:
– A eleição de Dilma Rousseff e, a seguir, o golpe de Estado de 2016; e
– A eleição de Donald Trump nos EUA.
*
(i) Caso 1: a eleição de Dilma Rousseff e, a seguir, o golpe de Estado de 2016
Não há sequer a necessidade de elaborar muito…
Poupo-me e lembro trechos da Parte 1:
– A disputa [eleitoral] se dá entre o “A” e…
– … o “anti-A”.
E não mais contra “B”, “C”, ou “D”.
PT e anti-PT.
Certo?
– Diante da briga entre opostos absolutos, a derrota de cada campo representa uma derrota ~ total ~.
– Assim, as partes tendem a radicalizar o discurso: “é ‘A’ ou nada!” vs. “é ‘anti-A’ ou nada!”.
– Foi a radicalização, a polarização e o acirramento das duas bases sociais antagonizadas que permitiu a ascensão [no caso, permanência] do polo de turno ao poder.
Por que digo isso também para o caso de Dilma?
Porque no início de 2014, mais de 70% do eleitorado brasileiro dizia “querer mudança”.
Isso levou Dilma, inclusive, a adotar o slogan de campanha “para seguir… mudando”, não foi?
Contradição em termos?
Bem… aí vale a disputa pela narrativa:
– O lado anti-PT dizendo que sim… e que é ele quem encarna a mudança; e
– Dilma dizendo que não… que a (“verdadeira”) mudança começou com Lula e que com ela seguiu, para, finalmente concluir com o slogan…
– … “(sim) seguir… (mas) mudando”.
Certo? (2)
*
Saindo da discussão semântica e passando para a briga objetiva (e fria) dos números:
– Se 70% do eleitorado queria mudança, não foi bem Dilma quem ganhou a eleição…
– … foi o PSDB quem perdeu, ora!
Lembrem-se:
– A disputa eleitoral se dá entre o “A” (de Aécio?) e…
– … o “anti-A”. Naquela circunstância eleitoral, Dilma.
Ou seja:
– Na verdade, saiu vencedora a rejeição ao programa de governo do PSDB, ao qual a cidadania brasileira disse não nas urnas por 4 (!) vezes seguidas.
Obviamente a escolha de um candidato fraco e com enorme “capivara”, Aécio Neves, matou de vez as chances de vitória do seu campo.
*
E não obstante…
Ainda assim houve:
– Eleições radicalizadas, polarizadas e acirradas, na base do 51% vs. 49%, com faca nos dentes dos dois lados…
Quem não se lembra da guinada à esquerda no discurso, no segundo turno, que possibilitou a estreita vitória de Dilma?
– Através da dinâmica de identidade política não pela afirmação, mas pela negação do outro (a “antagonização” discutida acima), [opor-se à base social da parte derrotada logra] fidelizar a ~ sua ~ base social e mantê-la mobilizada para além do calendário eleitoral.
Captaram?
Se não, ilustro com uma imagem.
Vale mais que mil palavras, não?
Parafraseando o enunciado acima, coloco aqui a foto daquele que não só ~ não ~ fidelizou, mas, ao contrário, alienou totalmente a base social de Dilma, impedindo que se mantivesse mobilizada para além do calendário eleitoral.
Nas palavras do Nassif, eis o “coveiro de Dilma”:
Joaquim Levy
E termino a análise do caso de Dilma repetindo mais duas passagens da Parte 1:
– Como resistir ao assédio do outro lado – com, no mínimo, guerra de guerrilha diuturna no mercado de opinião e, no máximo, sabotagem e golpismo – sem manter a sua base (1) radicalmente contrária ao outro lado e (2) mobilizada?
Não tinha como, <<Presidenta>>!
E mais:
– Mudança de governo com alternância de poder representa, na política e na economia, guinadas radicais, quando não de 180o graus.
– O “centro”, mais do que nunca amorfo, não tem mais força ou autonomia para coibir a exacerbação ideológica nas opções políticas do governo de turno, A ou “Anti-A”.
“Centro” ainda?
Tem quem goste… principalmente gringo de olho nos títulos gordos da dívida:
E tem quem não goste nem um pouco:
PEC 241?
– Nem FHC, com Pedro Malan, Gustavo Franco e Armínio Fraga debaixo do braço (ou seria o contrário?), ousou tanto!
Como falar ainda de “Centro” nesse cenário?
Correto?
Notem: Temer é o cúmulo do amorfismo do “Centro” político (grafado com muuuitas aspas no caso brasileiro mesmo).
– Era Presidente da Câmara sob Lula, eleito em acordo com o PT;
– Foi escolhido vice de Dilma nas suas duas eleições;
– Traiu-a e articulou o golpe; e…
– Na sequência, compõe governo com o polo rival, que ~ acabara ~ de sair derrotado nas urnas pela 4a vez seguida!
e…
– Dá – ainda no interinato! – guinada de 180º, implementando, na condição de Vice-Presidente de uma chapa, o programa eleitoral da chapa contrária!
A particularidade do sistema americano é que sempre foi bipartidário.
Mas isso não significa que não houvesse “Centro” no espectro político!
– Ora, não houve sempre os “Republicanos moderados” e os “Democratas moderados” no Parlamento (e mesmo na Presidência)?
Pois esses são o “Centro”:
– Aqueles que, independentemente de, p.e., controlarem uma casa do Legislativo durante o mandato de um Presidente do partido rival, não o sabotam e, muito menos, inviabilizam-no.
Pragmáticos e negociadores, dão também estabilidade ao sistema. Coíbem, do seu lado, o golpismo e evitam, do outro, excessos ideológicos do governo do partido rival. Fazem isso amarrando-o a acordos comuns, realizando um meio termo programático, conquistado através de concessões recíprocas em negociações.
“Melhor um mau acordo do que uma boa briga” seria o seu lema, não?
*
E quem são os polos, “A” e “Anti-A”, lá nos EUA?
Democratas e Republicanos?
Bem… mais ou menos…
Depende da ocasião político-eleitoral.
Mas, grosso modo, os melhores representante seriam, de um lado, o Tea Party – na sua simbiose com (e dentro) do Partido Republicano – e, do outro, o Congressional Progressive Caucus, a bancada “progressista” do Partido Democrata, liderada por não outro que…
–… Bernie Sanders!
*
E o “Centro”?
O que aconteceu com ele lá?
– Ora, o mesmo que descrevi acima: derreteu no ambiente de polarização / radicalização / acirramento.
Notem:
– Nas midterm elections enfrentadas por Barack Obama – ele mesmo alguém que polarizava o eleitorado (“devisive President”, como chamam os analistas…) – houve a ascensão do…
– …Tea Party!
O seu antípoda, não?
Que cresceu, principalmente, às expensas não dos eleitores de Obama, mas dos Republicanos moderados.
Ou seja: do Centro!
E lembram desse techo aqui?
– Como resistir ao assédio do outro lado – com, no mínimo, guerra de guerrilha diuturna no mercado de opinião e, no máximo, sabotagem e golpismo – sem manter a sua base (1) radicalmente contrária ao outro lado e (2) mobilizada?
Pois com a ascensão do Tea Party Obama não caiu como Dilma, mas chegaram até a tirar a tinta da caneta dele!
*
E com Trump?
– Alguma dúvida de que nas midterm elections enfrentadas daqui a dois anos por Donald Trump quem crescerá será o Progressive Caucus, de Bernie Sanders, às expensas dos moderados do Partido Democrata, como Hillary Clinton?
Aposto nisso.
Aliás, vários analistas têm – somente agora… – chegado à conclusão de que o melhor candidato para enfrentar o ~ radical ~ Trump teria sido outro “radical”, mas de sinal trocado.
Ele mesmo: Bernie Sanders. E não Hillary Clinton…
Faz sentido, não?
Donald Trump não ganhou porque teve uma votação expressiva.
Pelo contrário:
– Teve menos votos do que todos os candidatos Republicanos anteriores!
E como ganhou então?
“Apenas” (algo não trivial…), mobilizou, em seu favor, os ~ homens brancos sem nível superior ~
Tira-los dos Democratas – antes eram eleitores cativos da sigla – foi o suficiente para faze-los perder em Michigan, Wisconsin e Ohio, parte do chamado “Rust belt”, o Cinturão do “ferrugem”!
Cinturão do Ferrugem?
Sim:
– O decadente – e agora falido! – berço da industrialização americana.
O Cinturão é muito bem representado pela cidade de Detroit, sede da indústria automobilística desde o fordismo. Pois está literalmente ~ falida ~ com uma dívida de 18 bilhões de dólares.
[Nota: diferentemente da brasileira, a legislação americana permite que entes públicos declarem falência]
Pois Hillary Clinton ignorou o (ex!) proletariado precarizado desses Estados, supondo que eram eleitores cativos – como antes – do Partido Democrata:
Notem:
Michigan e Ohio ~ não ~ são – ou pelo menos não eram – “swing States”, os Estados que votam ora Democrata, ora Republicano.
São – bem… eram… – solidamente Democratas.
Fazem parte – bem… faziam parte… – da chamada “blue wall (!)” Democrata: a “muralha” de Estados “azuis” que separava o Nordeste dos EUA, Democrata, do Meio-Oeste e do Sul Republicanos.
Pois nesses dois Estados – e mais em Ohio (esse sim um “swing State”) – Donald Trump ganhou por margem estreitíssima de votos.
E fez isso justamente ao atrair para si os tais dos ~ homens brancos sem nível superior ~, que votavam Democrata.
– Assim ganhou a presidência!
Como?
Respondo:
– Na peculiaridade do sistema eleitoral americano, com os votos no colégio eleitoral desses três Estados, Trump ultrapassou Hillary Clinton.
E isso a despeito de essa ganhar no voto popular em nível nacional!
Pois bastou a Trump tirar os votos do (ex) proletariado branco precarizado para derrotar Hillary nesses Estados chave.
Sem os “white blue collar”, a chamada ” Obama coallition” – geração millennial + minorias (gays, negros, latinos…) – não foi mais suficiente para ganhar ali.
Na verdade, Trump ganhou justamente jogando os “white blue collar men”, precarizados, contra essas minorias!
Venceu dividindo!
Não unindo…
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Discordam?
Pois vejam esse mapa ~ escandaloso ~ com os votos quebrados por grupos demográficos.
Ou seja: venceu o candidato do ~ homem + branco ~ contra a candidata das mulheres, dos negros e dos latinos.
Convém lembrar que democracia não é a ~ ditadura ~ de uma maioria, mas “apenas” o ~ governo ~ dessa maioria.
E isso sob uma Constituição que proteja os direitos e garantias das minorias, inatacáveis – numa verdadeira democracia – pela maioria de ocasião.
Notem outra coisa interessante:
Com a divisão por gênero que imperava no mercado de trabalho (“imperava”? não mais impera?), a ~ mulher ~ branca da classe trabalhadora – chamada pelos analistas de “waitress mom” (!), a“mãe garçonete”, aquela que trabalha não na indústria mas no setor de serviços – já votava Republicano desde a vitória de Clinton em 1992.
– do Bill… não a Hilary!
(bem… como sabemos, na verdade, na dinâmica daquele casal, a vitória foi dos dois. Ou até mais dela, o “cérebro”, do que dele)
O jovem governador do Arkansas, boa estampa e carismático, foi o último candidato que conquistou o voto da waitress mom.
*
Bill contava, ainda, com o célebre “é a economia, estúpido!”, certo?
Antes…
… e depois, na companhia de um famoso pé frio.
Que ironia da História!
Pois agora foi justamente “a economia, estúpido!” quem derrotou a sua esposa, Hillary.
– Ora, mas a economia americana não está bem?
– Não segue na sua recuperação pós-crise de 2008, crescendo há vários trimestres consecutivos??
Não!
Economia não é bolsa subindo… economia é pão na mesa!
Infelizmente para o establishment político, do qual Hillary faz parte, como também fazia, p.e., Jeb Bush do lado Republicano…
– … “economia” ≠ ganhos de Wall Street!
O PIB pode crescer nominalmente com os ganhos da finança e dos rentistas. Mas, como sabemos, isso apenas exacerba a já escandalosa concentração de renda, já recorde em toda a História humana.
Depois de 10 mil anos de civilização – 10 mil para nós que não somos criacionistas… – foi justamente em 2016 que o célebre “1%” pela primeira vez passou a deter mais riqueza do que todo o “99%” somado (!).
Enquanto sobem do chão os apartamentos de luxo em Manhattan – como os da Trump Tower! – o “Cinturão do Ferrugem” segue no seu processo de precarização e falência. Rumo já à indigência!
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Michael Moore avisou
Vários leitores compartilharam, quando saiu o resultado da eleição americana, um artigo do cineasta Michael Moore, em que ele prevê, 4 meses antes, a vitória de Trump.
– Ora, como não?
Pois Moore é filho de um proletário que trabalhou a vida inteira na fábrica da GM em Flint, Michigan.
Justamente o tal do “white blue collar man” do “Rust belt”
Portanto, Moore sabe beeem do que fala…
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Vamos ao cinema hoje?
Fecho, portanto, com uma recomendação mais política do que cultural:
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Atualização 13/11:
Cristina Kirchner avalia razões da vitória de Trump nos EUA.
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Achou meu estilo “esquisito”? “Caótico”?
– Pois você não está só! Clique na imagem e chore suas mágoas:
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário!
Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.
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