Boulos e as esquerdas Latino Americanas
Por Mateus França Holmo
Tenho visto com certa cautela o resultado das urnas chilenas e bolivianas para nova Constituinte e eleições gerais, respectivamente. Explico.
Lógico que é inegável o retrato do descontentamento de ambas as populações com a intensificação das políticas neoliberais dos governos de direita – e de seus crimes lesa-pátria. Mas daí transpor mecanicamente a conjuntura de lá para o nosso caso são outros 500.
Não vou me ater aos detalhes do que se pinta pelos dois países. Mas pra quem quiser saber um pouco mais fora da bolha saudosista com a “festa da democracia”, recomendo a sempre acurada análise de Alejandro Acosta e de seu site Gazeta Revolucionária, que já dão mostras do novo “grande acordo nacional” boliviano para que o MAS retornasse ao poder – referendado pelas urnas, pela situação, pela oposição etc – mas sem recuperar um único ativo sequer entregue pela direita golpista.
Pra não dizer que não falei das flores, não seria muito mais oportuno se apropriar do exemplo argentino, que enterrou a tentativa de Lava Jato deles e recolocou o peronismo com Cristina Kirchner no poder? Enfim, falar de lawfare (guerra jurídica) no Brasil sempre parece “conspiração” – esta, na prática, né?
Voltando à falsa esperança com as urnas, confesso que não me surpreendo com a celeuma que se instaura na esquerda que gritava “não vai ter golpe”, depois gritou “eleição sem Lula é fraude” e agora vê em Boulos a redenção progressista no “vamos virar o jogo”. Tá, Mateus, uma votação expressiva em Boulos (Boulos tem espaço para subir e ir ao segundo turno em São Paulo) pode significar um fortalecimento do discurso radical de esquerda frente à onda conservadora que varre o país. Mas não é de se estranhar o espaço midiático dado para o Psolista e diretor nacional do MTST?
Longe de mim apontar Boulos como um “quinta-coluna” ou um candidato que “a direita adora”. Só me reservo o direito de ter ressalvas com a projeção conquistada por ele nos nichos específicos de classe média alta, rica e escolarizada em um país de intensa cobertura midiática para criminalização de opositores políticos (alôu Lava Jato, novamente). Não subscrevo o texto a seguir, mas acho que o raciocínio prima pelo isolamento de pautas mais universalistas promovido por setores à esquerda e, obviamente, da mídia: Para isolar o PT grande mídia acena positivamente à candidatura Boulos em São Paulo.
Pegando de empréstimo a análise do amigo Guilherme de Lima, Boulos, tal qual Jones Manoel e Caetano Veloso, não evoca justamente o imaginário social cuidadosamente lapidado pelos generais golpistas e o bolsonarismo? Aquele de “esquerda comunista comedor de criancinhas” que estava morto até… 2013 ? Sim, o mesmo 2013 que teve como “resposta às ruas” de Dilma e José Cardozo… a LAVA JATO!!
“Haja contorcionismo retórico”, uns vão pensar. Não sei, mas algo que não me sai da cabeça desde que Piero Leirner alertou em uma de suas participações no Duplo Expresso é de que não tem virada de mesa se não desconstruir a narrativa da Lava Jato. E boto fé nisso!! Agora, vir falar de “pegar exemplo chileno e votar nova Constituição no Brasil”, quando a Constituição Cidadã de 1988 seria um sonho para o que os chilenos têm hoje em dia, é muita falta de cálculo estratégico.
Você vota novo dispositivo constitucional com correlação de forças favorável, não com discurso de “gigante acordou contra a corrupção” pra aprovar lei da delação premiada e organizações criminosas – o prelúdio lavajatista. Né, Breno Altman?
Para finalizar, lembro de uma participação que tive em um seminário da Unicamp sobre Participação, Democracia e Políticas Públicas. A palestra inaugural era do então ministro da Casa Civil, Gilberto Carvalho, já com Joaquim Levy aplicando o austericídio do segundo governo Dilma. O mote do discurso era o tal plebiscito por nova Constituinte (bem lembrado pelo Rodrigo Souza Alves). Se, à época, a correlação já não era nada favorável, que dirá agora? Eis aqui uma direita que já entende o jogo jogado – e as devidas plantações dele.
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