FMI e TV estatal francesa desmascaram Gilmar Mendes, por Romulus
FMI e TV estatal francesa desmascaram Gilmar Mendes
Por Romulus
Gilmar Mendes parece ter tirado a semana para testar os (novos) limites deste Brasil pós-democrático (apud Wanderley Guilherme dos Santos).
Num dia ataca juízes e procuradores, taxando-os de chantagistas (no que não discordo de todo!).
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No outro resolve atacar a Justiça do trabalho e os trabalhadores:
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Para concluir hoje com a pérola:
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Eita!
Vá gostar tanto de um microfone e de uma frase de efeito assim, hein…
E tudo na mesma semana!
Coincidência?
Bem… os leitores já sabem que não acredito nelas.
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Confesso que, às vezes, chego a ter duvida se é a má-fé que anima Gilmar Mendes ou se em algum nível ele acredita realmente no que fala.
Ou seja: se há ignorância e déficit cognitivo. Ambos, se for o caso, bem (?) disfarçados pela empáfia do pedantismo – falsa erudição, tão cultuado pelos jecas da elite brasileira.
Exemplo?
Apressou-se em fazer concurso com a recém-eleita Presidente do STF, Carmen Lúcia, na censura ignorante – e grosseira! – ao suposto erro de português de Dilma em designar-se “Presidenta”. Não bastou o pedantismo e a grosseria de Carmen Lúcia, ~erradamente~ subsumindo que, como fora “estudante” e “amante” da língua portuguesa (será que foi mesmo, gente?), seria “presidente” e não “presidenta”.
Aos risos Gilmar Mendes diz que havia no Senado por aqueles dias de conclusão do processo de impeachment quem afirmasse que a “Presidenta” era “inocenta”!
Ha-ha…
Que engraçado!
Graça, se há, é na verdadeira piada:
– Gilmar Mendes.
Apesar de morar há anos na Suíça não falo alemão. Mas sei que Mendes recheia seus votos de páginas e mais páginas de citações na língua de Goethe – sem tradução!
É ou não é a cara do pedantismo da elite jeca brasileira?
Mas não disse há pouco que pedantismo é ~falsa~ erudição?
Pois é…
Não falo alemão, mas já ouvi aqui de quem o fala muito bem que o de Mendes não seria lá essas coisas…
Não sei…
Não tenho como saber por mim mesmo…
Mas, como Mendes, vou me poupar de traduzir a seguinte citação:
Não sei se ele fingiu… mas que “chegou lá”, chegou.
O que isso diz do Brasil, hein?
*
Sobre a qualidade da sua obra enquanto “grande constitucionalista”, o GGN já registrou visão “um pouco” diversa há não tanto tempo:
No artigo se observa, entre outras coisas, que o talento de Mendes estaria em compilar doutrina e jurisprudência, com considerações no nível de manuais de graduação da Alemanha. Ou seja: bem distante do que se discute atualmente na academia.
Finalmente o autor concluiu:
Enfim, por todas essas razões, seus trabalhos não me parecem ser uma referência relevante para qualquer pesquisador sério de direito constitucional. Por isso, não é para mim um grande jurista sob o ponto de vista acadêmico. Estudantes que se apóiam em seus textos o fazem – espero – por um cálculo estratégico de futuro e, por isso, estão perdoados. Afinal, podem vir a ser cobrados por algo na frente (especialmente em um contexto em que concursos e a prática jurídica giram em torno de um constitucionalismo pouco aprofundado). Porém, como estudantes sérios, acadêmicos mesmos, espero que procurem fontes bem mais proveitosas. Em síntese, ler tais livros é, para mim, perda de tempo.
Este é um daqueles casos em que o poder, a fama e bastante malícia argumentativa projetam um autor para um patamar que não representa a qualidade de seus trabalhos. O poder puxa a fama e a fama puxa o poder. A qualidade, nesse contexto, fica em segundo plano, porque ela acaba deixando de ser, na equação, uma variável que agrega. Não há necessidade de escrever uma grande obra jurídica, simplesmente porque qualquer coisa mediana que se escreva será reproduzida por uma cultura jurídica que não questiona.
O que importa é o poder da fala ou a fama da fala, não o texto em si.
Ai!! Essa doeu…
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Mas e o título do post?!
Cadê o tal de “FMI e TV estatal francesa desmascaram Gilmar Mendes”?
Desculpem-me… começo a escrever e pelo caminho sempre vou lembrando de outras coisas que, diferentemente do que ocorre em Curitiba, “vêm ao caso”. Mas finalmente chego ao objeto do título.
Lembram do despautério de Mendes de hoje?
Pois então…
Por coincidência (“coincidência”?), a TV estatal francesa reprisou nesta semana (!) um programa que fora ao ar no início de 2015. Felizmente assisti uma vez mais e, assim, os testemunhos ilustres de Christine Lagarde, do FMI, e de François Langlet estavam frescos na minha memória.
Trata-se da revista de economia do canal France 2, “L’angle éco”, apresentada por François, editor de economia do canal.
Imaginem uma Miriam Leitão, mas infinitamente melhor, tanto na forma quanto no conteúdo. Ele é também de orientação liberal. Mas nunca defenderia, como Miriam, o disparate (disparate mesmo?) de aumentar juros para “combater uma inflação” (será mesmo?) que não é de demanda em plena depressão econômica.
Notem bem: François Langlet é um liberal de verdade. E não essa modalidade fake, made in Brazil, criada na PUC-Rio e bancada pela FEBRABAN. Modalidade que usa (muito mal) o álibi do liberalismo, da ortodoxia e do monetarismo para defender (apenas) os interesses do rentismo.
Mas voltando ao programa…
Lá pelas tantas, após o diagnóstico do aumento da desigualdade social na França para o maior nível em 100 anos, o apresentador passa a investigar qual seria o tratamento para essa doença. E entrevista, então, Christine Lagarde.
Quando perguntada pelo apresentador sobre como combate-la, a Diretora-gerente do FMI simplesmente aponta o Brasil como ‘o’ caso de sucesso no mundo, a ser copiado não só pela França como pelos demais.
Segue-se uma longa reportagem sobre o Bolsa-Família e outras políticas contra as desigualdades do governo Lula – responsabilizado nominalmente por esse sucesso – como o aumento do salário mínimo, a geração de empregos, o aumento da massa salarial e as cotas para minorias no ingresso na universidade.
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Ai ai ai…
Diante disso, que fazer quando se é contra a diminuição das desigualdades, minha gente?
Que fazer caso se queira impedir que o responsável por essas mudanças – reconhecidas internacionalmente, inclusive pelo FMI! – volte ao poder e possa consolidar e aprofundar (oh! Horror!) tais políticas?
Simples:
– Dê um golpe de Estado;
– Imponha – sem voto – o programa de governo que vinha de ser derrotado pela 4a vez consecutiva (!) nas urnas, justamente oposto ao que acabara de ser sufragado (!);
– Deixe Gilmar Mendes a cargo das articulações e das frases de efeito (negativo);
– E, fundamental: prenda “o cara”, o responsável pela subversão da (velha) ordem!
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Vídeo do programa francês, com:
(já cortado para começar na parte que cito)
– A entrevista de Lagarde;
–
A reportagem no Brasil; e, na sequencia,
–
Outra entrevista: agora com o maior especialista mundial em desigualdades de renda, o francês Thomas Piketty.
Espero que o francês de Gilmar seja ainda ~melhor~ que o seu alemão, para que não tenha problemas para acompanhar e possa, finalmente, captar a mensagem.
Em português ele foi incapaz, não é mesmo?
Assim como os demais “Gilmares” na sociedade…
20-10-16 – FMI e TV estatal francesa desmascaram ataque vil do Min. Gilmar Mendes ao programa de transferência direta de renda Bolsa-Família.
Melhores momentos:
Christine Lagarde, do FMI, fala a François Langlet sobre o sucesso ~único~ do Brasil.
E o apresentador vai ao Brasil se informar sobre a “Revolução Brasileira” – infelizmente abortada por um golpe de Estado um ano e meio depois da emissão original do programa, no início de 2015.
O carro-chefe da “Revolução”, Min. Gilmar:
O programa mostrou até o célebre “puxadinho”, que a beneficiada constroi em cima da casa dos pais com parte do dinheiro do programa. Tijolo a tijolo. Assim pode, finalmente, dar à sua pequena família um lar próprio:
E custa caro?
Nada disso: o programa custa apenas 0,5% do PIB brasileiro.
As condicionantes para receber o benefício: saúde e educação das crianças.
E o resultado de mais fácil aferição: a redução à metade da mortalidade infantil.
E não parou por aí: o salário mínimo mais que dobrou em termos reais.
Os pobres finalmente entraram na sociadade do consumo.
O aumento do mercado consumidor atraiu investimentos, que por sua vez criaram empregos mais qualificados e o aumento da massa salarial.
Fábrica nova do Boticário na Bahia:
O “problema”: a renda dos pobres mais que dobrou, enquanto a dos ricos subiu “apenas” um quarto.
O resultado?
A “Revolução Brasileira”: a melhora dramática do índice de Gini, que mede o grau de desigualdade, em apenas 10 anos.
Quanto mais clara a cor, melhor.
O apresentador afirma que o Brasil foi o único país em desenvolvimento a reduzir as desigualdades no período, provando que o avanço se deveu a políticas específicas do governo brasileiro de então, e não apenas ao boom das commodities.
O boom possibilitou o crescimento do bolo…
… a maneira como o bolo foi repartido se deveu a uma pessoa em particular…
Dando nome aos bois:
François Langlet conta quem foi o responsável pela “Revolução” sem armas.
E Lula, em sua posse no Congresso, diz que, se ao final de seu mandato todos os brasileiros fizerem as três refeições por dia, terá cumprido a missão de sua vida.
Quantos de nós podemos suspirar aliviados de noite na cama e dizermos que realizamos a nossa missão na terra?!
Parabéns, Presidente Lula!
O programa lembra que a desigualdade no Brasil está fortemente ligada à questão racial, depois de 300 anos de escravidão.
Cita então os programas de ação afirmativa, como a política de cotas para minorias nas universidades.
E ouve um beneficiado dessa política, que fez um espetacular caminho de vida, antes impensável.
Foi de entregador de mercadorias a…
– … professor universitário!
Pois diz o (agora) professor:
– O filho da empregada doméstica agora pode se formar doutor.
O apresentador conclui a reportagem notando que, apesar dos avanços colossais, o Brasil ainda é uma das sociedades mais desiguais do mundo.
E diz que o passo seguinte seria uma reforma tributária, que possibilitasse uma maior progressividade da tributação da renda e do direito de herança.
ha-ha-ha, François Langlet!
Desculpe a minha risada se não era para ser engraçado…
Reforma tributária para taxar grandes fortunas, impor progressividade na tributação da renda e tributar pesadamente a herança?!
É porque não conheceu o Brasil o suficiente na sua pesquisa…
Pois fique sabendo que tudo o que observou, isso que chamou de “Revolução Brasileira”, junto à perspectiva de volta ao poder do responsável por ela, foi o suficiente para darem um golpe de Estado na sua sucessora e empreenderem caçada implacável na Justiça para colocá-lo não no ~nosso~ Panthéon, mas…
– … na cadeia!
Uso, novamente, um enquadramento do seu próprio programa para explicar o seu crime:
Entendeu, François?
Aconselho que se dedique nos próximos programas à França mesmo…
O Brasil nem mesmo nós brasileiros somos capazes de explicar!
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P.S.:
– Min. Gilmar, vem me processar na Suíça, vem!
Dê-me esse prazer e permita-me tirar uma selfie, junto com o juíz helvético, gargalhando da carta rogatória vinda do seu Brasil pós-democrático.
Como diria o pessoal da terra do Glenn Greenwald:
– Sue me!
Adorei essa definição!
“Aggressive” + “challenging” + “lack of concern”.
Viva a democracia!
Bem… onde ela ainda existe…
Mas também no Brasil, local onde ela inevitavelmente voltará a reinar – “apesar de você“, Min. Gilmar. E dos seus.
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P.P.S.: uma outra leitura… cortesia do cartunista Aroeira:
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Sobre o STF – mais do que nunca! – do Min. Gilmar Mendes, não deixe de ler a série de três posts desta semana:
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E a seguir o Vol. 3:
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Achou meu estilo “esquisito”? “Caótico”?
– Pois você não está só! Clique na imagem e chore suas mágoas:
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Quando perguntei, uma deputada suíça se definiu em um jantar como “uma esquerdista que sabe fazer conta”. Poucas palavras que dizem bastante coisa. Adotei para mim também.
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